Quando cai na boca do povo uma expressão como "condução coercitiva", que boa parte das pessoas tem dificuldade até mesmo para pronunciar em voz alta, não há como fugir do assunto.
Nas redes sociais, mesas de bar e almoços de família ou de trabalho, não se fala de outra coisa que não da Lava-Jato.
Mesmo entre investidores e agentes do mercado financeiro, as ações recentes da força-tarefa e seus desdobramentos tornaram-se não apenas o assunto mais recorrente, como também aquele que mais tem influenciado os preços dos ativos.
Desde a prisão do marqueteiro das últimas campanhas petistas, João Santana, na segunda-feira retrasada, o Ibovespa saltou mais de 18%, enquanto o dólar Ptax afundou quase 7%, de mais de R$ 4 para perto de R$ 3,75.
É importante dizer que essa primeira estilingada dos preços é amplificada por um ajuste técnico decorrente do desmonte de posições de quem apostava contra o real e na queda das ações das empresas brasileiras.
Mas o movimento não é totalmente desprovido de fundamento. Como disse um gestor ao Valor, "política é fundamento na veia".
Ou seja, os agentes de fato mudarão seus cenários macroeconômicos - o que inclui projeções para PIB, dólar, inflação e superávit fiscal - se passarem a contar com a saída da presidente Dilma Rousseff do cargo antes do fim de 2018. E isso influencia os juros de longo prazo, cotações de ações etc.
Em síntese, se essas notícias foram capazes de fazer as ações de Petrobras, Usiminas, Gerdau e outras saltarem mais de 50% em pouco mais de cinco pregões, não convém ignorar a agenda política neste momento.
E isso vale mesmo para aqueles que se sentem mais a vontade diante de tabelas de Excel com modelos de fluxos de caixa descontado à sua frente.
A necessidade de seguir as recentes operações policiais se justifica não apenas pelo impacto que elas podem ter sobre os preços de maneira geral, como também pelo risco de atingirem em cheio (justa ou injustamente) a empresa na qual se investe - vide os casos da prisão do então controlador do BTG em novembro e a busca feita na Gerdau há duas semanas, esta última no âmbito da operação Zelotes. Banco e siderúrgica negam irregularidades.
Mas quais são as chances reais de que ocorra aquilo que os agentes do mercado financeiro parecem desejar - a julgar pelo comportamento dos preços dos ativos -, que é a saída do PT do governo?
Antecipar o futuro da Lava-Jato é mais difícil que acertar a taxa de câmbio ou a projeção do preço do petróleo.
Mas talvez ajude na análise separar o caso em duas frentes - frentes essas que se conversam, mas têm dinâmicas distintas.
A primeira é a policial e judicial contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que tiraria o PT do jogo em 2018. A segunda é a saída antecipada de Dilma da presidência, seja por impeachment ou via cassação da chapa da eleição de 2014 pelo Tribunal Superior Eleitoral.
No primeiro caso, a questão é: existe chance de Lula ser preso ou de ser legalmente impedido de disputar a presidência em 2018, depois de ter lançado a candidatura na última sexta?
A resposta talvez dependa da ambição do Ministério Público Federal e do juiz Sergio Moro.
O relatório de 89 páginas em que o MPF fundamenta a condução coercitiva de Lula revela várias frentes de investigação. A acusação mais grave é a de que Lula era o chefe do esquema que assaltou a Petrobras. Ainda que a linha de raciocínio apresentada convença muita gente, inclusive os próprios procuradores, não há provas tipo "batom na cueca" até agora, o que leva o MPFa recorrer para algo na linha do domínio do fato. "Considerando que todas essas figuras, diretamente envolvidas no estratagema criminoso, orbitavam em volta de Lula e do PT, não é crível que ele desconhecesse a existência dos ilícitos", diz um trecho.
Já entre os casos menos ambiciosos, mas que envolvem Lula diretamente e com provas mais fortes, estão o do sítio em Atibaia e do guarda-móveis custeado pela OAS entre janeiro de 2011 e janeiro de 2016.
O sítio foi comprado em 29 de outubro de 2010, quando Lula ainda era presidente, e a reforma teve início antes do fim do ano, sendo custeada por uma empresa de José Carlos Bumlai e com gestão e mão de obra fornecidas sem custo pela Odebrecht ainda em dezembro (Se a lei anticorrupção estivesse em vigor na época, as duas empresas estariam enquadradas civilmente, mesmo sem prova de contrapartida).
O fato de Lula frequentar o sítio regularmente evidencia que ele usufruiu dessas vantagens que lhe foram oferecidas - ainda que ele negue ser dono do local, como alega o Ministério Público.
A defesa do ex-presidente diz que ele só soube do "presente" que recebeu de "amigos" no início de 2011. Mas se o destino do acervo recebido ao longo dos anos de presidência era uma preocupação da família, como alegou à "Folha" o ex-chefe de gabinete de Lula, Gilberto Carvalho, alguém teria tomado outra providência para guardá-lo se o sítio fosse um segredo.
Estaria caracterizada então, na esfera cível, a improbidade administrativa, e uma condenação em segunda instância tiraria Lula da disputa pela Lei da Ficha Limpa. O problema é o prazo de prescrição, que por regra é de cinco anos, mas que poderia aumentar se for comprovado envolvimento de servidor público, como parece ter havido, segundo o MPF.
A força-tarefa também traz inúmeras provas de que a OAS preparou o triplex do Guarujá para a família de Lula, seja como presente ou para venda. Mas a defesa vai alegar que as obras ocorreram em 2014, que não há crime em ex-presidente receber presentes, e que Lula nunca usufruiu do apartamento - ao contrário do sítio.
As acusações contra Lula não afetam a presidente Dilma juridicamente. Mas têm poder de lhe tirar o pequeno apoio político que lhe resta no Congresso e nas ruas. E essa interação é perversa: o Congresso parado agrava a crise econômica, que aumenta a desaprovação de Dilma e dá mais respaldo político para a interrupção de mandato.
Outra frente que pode afetar Dilma são as delações que em breve se tornarão públicas, como a de executivos da Andrade Gutierrez e a do senador Delcídio do Amaral, caso tragam provas de que a campanha de 2014 teve dinheiro ilícito ou que ela tentou atrapalhar as investigações.
11 de março de 2016
Fernando Torres, Valor Econômico
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