O PT tem suas próprias pesquisas de opinião feitas por instituto com quem mantem relações comerciais. Sabe que a performance político-eleitoral do ex-presidente Lula, nos auditórios de militância e da sua base social aos quais derramou sua raiva por ter ido depor nos autos da Operação Lava-Jato, foi boa para ele. Lula, que andava recolhido, cabisbaixo, sem assunto diante de tantas denúncias que ainda não conseguiu explicar, ganhou de repente um conteúdo, o de vítima da arbitrariedade, que não lhe exige apresentar maiores evidências de inocência e lhe dá o palanque necessário.
É um ganho, porém, temporário, não se sabe até quando dura e a depender da campanha contra os condutores da investigação, alimentada pelo PT e pelo próprio ex-presidente, pode ter efeito bumerangue. Podem se tornar públicos argumentos mais consistentes em gênero, número e grau para combater a propaganda contrária. Ainda tem muita delação a ser divulgada.
O ex-presidente, porém, tem sua base social, os sindicalistas, as organizações e entidades que se deram muito bem no seu governo, a chamada militância de crachá, que pode mobilizar a qualquer momento. Estava devendo uma tarde de animação a essas pessoas que vinham programando vigílias para quando ele fosse depor, ou quando precisasse. Precisou.
Sobre a Operação Lava-Jato, em que pese a torcida, não se enxergam efeitos negativos, nem quanto à credibilidade, nem quanto à legalidade, ou à quebra da infalibilidade do juiz Sergio Moro, se é que isto estava na mira de tiro.
O juiz, tanto quanto o PT, conseguiu o que queria. Era óbvio que não estava dando para marcar data de depoimento de Lula. Sindicalistas, movimentos sociais e outros mobilizadores estavam preparados para as concentrações impeditivas de qualquer atividade desse tipo com um político popular, pior ainda quando tem a agressividade de Lula. Os protestos, as convocações, os ataques nas redes sociais já estavam muitos decibéis acima do tom em que se tem confiança para agir sem riscos de segurança pública e preservação física do depoente, dos manifestantes e dos policiais.
A operação resolveu fazer para o ex-presidente o mesmo modelo que aplicou aos mais de 100 depoentes que precisou conduzir a ambientes fora de suas residências, e acertou. Conseguiu realizar o trabalho, evitar perder provas (há controvérsias quanto a isso dentro da polícia) e reduzir riscos. Lula havia dito antes que não iria depor, seus advogados propagavam uma atitude de resistência, na hora relutou a aceitar a convocação mas, convencido pelos profissionais, foi lá e capitalizou a seu favor o gesto.
O mesmo comportamento que teve na frente dos locais por onde passaria o ex-presidente e até na ante-sala presidencial do aeroporto de Congonhas, onde ele prestou o depoimento, a militância a favor de Lula foi também efetiva e agressiva. Surpreendida, para evitar tumulto, ainda conseguiu seu intento.
Ilegal também não foi. Mais de um ministro do Supremo que discutiu internamente o assunto sem a paixão partidária considerou que não houve ilegalidade. O juiz Sergio Moro poderia ter evitado a celeuma, fazendo para Lula um modelo diferente do que fez para os demais, mas ilegal não foi. Os juízes que presidem uma operação como a Lava-Jato e outras de grande envergadura têm, segundo os argumentos de juízes da alta corte, um "elevado grau de discricionariedade". Pois têm seus dados, o que o público em geral ainda não conhece. As decisões são tomadas com base nas informações, no momento, na segurança do depoente e da sociedade que está na torcida, além da polícia, que executa a ação. O juiz tem total poder de avaliação e definição do seu método.
No caso de Lula, ainda por cima, o problema é muito maior do que a discussão em torno da propriedade de um apartamento e um sítio construídos ou reformados por empreiteira do cartel da Petrobras, e um instituto que faz transações questionáveis de numerários isentos com empresas que não têm isenção. O Ministério Público e a polícia estão trabalhando com a busca do chefe do grupo que saqueou o erário, e as prisões do marqueteiro João Santana e de José Carlos Bumlai foram peças fundamentais na aproximação da investigação aos que os indícios e fatos fazem suspeitar que estejam no centro da meta.
A operação não ficou tisnada ou perdeu credibilidade, e sob o ponto de vista político-eleitoral, foi boa para Lula. Dar a ele a chance de se vitimizar, de animar os manifestantes que já vinham sem motivação para enfrentar a guerra, tantas eram as denúncias, tudo isso está na coluna haver, se é que se pode considerar algo positivo nesse famigerado caso. Serviu também para o ex-presidente testar se ainda funciona seu discurso do pobre contra a elite, da empregada doméstica contra o patrão preconceituoso, do letrado contra o metalúrgico iletrado, que sempre rendeu eleitoralmente para Lula e parece que continua rendendo.
Lula disse que isso o fez decidir se candidatar, mas não é verdade. Ele não decidiu ainda, está tudo no mesmo estágio de antes. Depende da sua saúde, da situação da economia, do governo Dilma, dos desdobramentos da Operação Lava-Jato, principalmente. Mas se deve-se evitar falar em lições construtivas de um espetáculo deprimente como esse, dá para relacionar as perdas, e elas são da presidente Dilma Rousseff.
De nada serviu, por exemplo, ao governo do PT, emparedado, sob impacto de crises múltiplas, a presidente ter corrido a dar o abraço de afogado e tentar tirar uma casquinha da claque de Lula. A presidente está isolada, não tem base de apoio, não tem base social, não tem palavra de ordem a favor, está afastada do PT e do ex-presidente. Faltam-lhe oportunidades de reagir e alternativas para sair do impasse. Combate o impeachment todos os dias, todas as horas.
Dilma tentou também adquirir um discurso com o episódio, mas continua a sofrer problemas intransponíveis de linguagem. Saiu-se com a afirmação de que o caso mostra que a oposição está dividindo o Brasil. Sem nexo causal com a situação em tela, a conclusão foi registrada como uma daquelas centenas de sentenças presidenciais que não fazem sentido e ficam por isso mesmo.
O governo segue paralisado, o apoio à presidente está a cada dia mais curto e mais ralo, há a conjuntura da Lava-Jato que, convençam-se, ninguém controla.
Nem os profetas do velho testamento sabem o que vai acontecer. É o que o governo Dilma também acha.
11 de março de 2016
Rosângela Bittar, Valor Econômico
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