O tema foi colocado oportunamente pela jornalista que ocupa o posto de ombudsman do jornal, em artigo na edição de domingo. Vera Guimarães Martins criticou a contradição de a Folha, que tem publicado reportagens acusando a Odebrecht da suspeita de participar do esquema que desencadeou um mar de corrupção na Petrobrás e também no exterior ao lado do ex-presidente Lula, ter aceitado a participação da empresa no patrocínio do ciclo de debates que marcou a passagem dos 95 anos do jornal.
Ao tomarem conhecimento da presença da Odebrecht, desistiram de participar da série de debates os jornalistas convidados Eurípedes Alcântara, diretor de redação da Revista Veja, Fausto Macedo, de O Estado de São Paulo, William Waack e Renata Lo Prete, ambos da Rede Globo. Está correta a decisão. A meu ver, de acordo com a ombudsman, a Folha de São Paulo deveria ter selecionado antecipadamente os patrocinadores, no sentido de evitar o surgimento de interpretações a respeito do assunto. Este, por sua vez, faz renascer um velho problema: jornalismo é jornalismo; publicidade é publicidade.
SEM MATÉRIA PAGA
Eu me lembro, quando em 1959 comecei no Correio da Manhã, havia uma determinação expressa: este jornal, repetia o Correio da Manhã em todas as suas edições, não aceita matéria publicitária que não esteja caracterizada como tal. A determinação de Paulo Bittencourt, proprietário do CM, estendia-se ao impedimento absoluto de alguém da redação, a começar pelo redator chefe, participar de corretagem relativa à publicidade.
Eu era repórter. O redator chefe, grande jornalista, era Luiz Alberto Bahia; o chefe da reportagem, Alípio Monteiro. Aliás, por lembrar Luiz Alberto Bahia, que sucedeu Antônio Callado, foi o último grande redator chefe do Correio da manhã. A partir de sua substituição, em 1962, houve uma sequência de desastres, que culminou com a falência do jornal, em 74, nas mãos de Ari de Carvalho, que aparentemente o adquiriu do empresário Maurício Alencar, irmão de Marcelo Alencar, que mais tarde se tornaria prefeito e governador do Rio de Janeiro. Foi uma sequência de calamidades. Mas esta é uma questão do passado.
O QUE QUERIA A ODEBRECHT?
O artigo de Vera Guimarães Martins traz à tona um problema que deveria ser facilmente evitado por uma empresa do porte da Folha de São Paulo. Não quero dizer que houve cooptação. Claro que não. A FSP manteve sua linha de independência. Mas, suponho, passou tal objetivo por parte da Odebrecht. Mais um equívoco dos muitos que cometeu, um deles patrocinando palestras do ex-presidente Lula nos países em que executava ou queria realizar empreendimentos.
Por sua dimensão e quadros técnicos, a Odebrecht não precisava agir assim. Tampouco deveria. Afinal de contas, estamos num regime de livre empresa. Por que então, condicionar aplicações de capital, o que poderia fazer livremente, a financiamentos do BNDES? Inclusive cabe a pergunta: tais créditos liberados, a juros cobrados pelo Banco, estão sendo quitados dentro dos prazos contratuais? Não estou dizendo que o grupo empresarial, o maior privado do país, encontra-se em atraso. Estou apenas perguntando. O que deveria ter sido feito pelos integrantes do Ministério Público Federal.
Vejam os leitores como os fatos se encadeiam. Vera Guimarães Martins iluminou colocando um problema no centro do palco. Renasceu na minha memória a redação da Avenida Gomes Freire. O tempo passa, as lembranças ficam.
24 de fevereiro de 2016
Pedro do Coutto
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