Já circula pela Internet um currículo do presidente licenciado da Eletronuclear, almirante da reserva, preso no último dia 28 na nova fase da Operação Lava Jato.
A divulgação, de viés petista desde suas origens, pratica aquilo que se pode chamar de jornalismo temerário, assinalando que não importa saber se ele é culpado ou inocente, mas sim que se trata do “pai do programa nuclear brasileiro”, para depois atacar a justiça e a imprensa.
Sem qualquer preocupação em desmentir as notícias sobre as razões da prisão preventiva, a iniciativa vai além do usual procedimento quadrilheiro de responder acusação com acusação, para sim embaralhar fins e meios que justifiquem a corrupção. O tal do dossiê deveria ter outro nome: “Como o PT enterrou o programa nuclear brasileiro”.
Tem razão o Financial Times em comparar o Brasil a um filme de horror sem fim, pois a corrupção no País é simplesmente de dar medo, na medida em que ela põe tudo a perder: carreiras, famílias, patrimônios, honras e méritos acumulados ao longo de uma vida.
Tomemos como exemplo o depoimento de um diretor da Petrobrás acusado de corrupção que optou pela delação premiada. Logo em sua abertura, ele coloca sua promoção a Diretor da empresa como seu “Generalato”, o qual, segundo ele, dependeria uma indicação política.
O que seria um inconveniente a qualquer meritocracia se revelou, no curso das investigações, uma prática criminosa nas mais altas esferas da República. Não poucos brasileiros podem ter se identificado, pela idade e aspirações profissionais, à carreira do diretor delator na Petrobrás, até uma certa altura.
Cursos exigentes, responsabilidades pesadas, empreitadas difíceis e sucessos de dar orgulho, tudo isso foi jogado no lixo, por conta de sua submissão a um poder político pervertido ao ponto de se arrogar direito de promover, cooptar, corromper e se eximir de qualquer responsabilidade, não necessariamente nessa ordem.
É de dar medo, e é para dar mesmo, ao servidor público que ambiciona o coroamento de sua carreira, ao empresário de sucesso que quer fechar bons contratos com base nas vantagens de sua empresa e produto, ao profissional liberal que encontrou o seu espaço, dentre outros, todos a partir de seu mérito, trabalho e esforço.
Num ambiente como o que vai se consolidando no Brasil, o quê de imoral, ilegal e amoral lhes será pedido em troca de ascensão ou sucesso? Quando baterão às suas portas para achacá-los com a ameaça de fim de carreira, negócios ou mero ganha pão?
Esse medo, na verdade, é de todos os brasileiros, não só dos mais bem-sucedidos ou instruídos. É também o medo de que os desvios de recursos paralisem os serviços assistenciais críticos para os mais pobres, de que o derretimento da moeda leve pelo ralo o já combalido poder de compra, e acima de tudo, de que nada aconteça aos responsáveis por tudo isso que já nos acontece, pois resultará na realização dos nossos piores medos.
É aterradora a possibilidade de a nossa diplomacia ter favorecido no exterior empresas nacionais envolvidas em corrupção, que programas de defesa tenham servido a vultosas transferências ilegais de dinheiro e que o tráfico de influência de um ex-mandatário seja uma operação casada, pois uma ou mais dessas possibilidades confirmadas pelas investigações em curso ou vindouras caracterizarão o completo domínio do Estado brasileiro pela quadrilha que está no Poder.
Mas apavorantes mesmo, pois estão praticamente consumados, são o anunciado abraço de afogado da presidente aos governadores levando ao fundo a responsabilidade fiscal e a capitulação do Procurador-Geral da República em pedir o afastamento do investigado que tem poder para impedir investigações e mudar a lei que pode investigá-lo.
Isso representa a neutralização das últimas defesas contra duas ameaças bem reais ao Estado brasileiro: a insolvência das finanças públicas e o colapso do estamento legal. É realmente de dar medo o que pode vir por aí.
Mas ao falarmos de medo, uma sensação comum a todos nós, é obrigatório tratarmos da única reação possível a esse medo que vai paralisando o País.
E ela pode ser ilustrada com uma estória que os nossos pracinhas trouxeram da guerra, o lugar de todos os medos. Uma companhia de Infantaria da nossa Força Expedicionária tinha dentre os seus integrantes um jovem mato-grossense chamado Jovino. Homem do interior, pouco afeito às aparências, Jovino era constantemente repreendido por esquecimento ou desajuste de alguma peça de uniforme ou equipamento.
Na linguagem da caserna, Jovino seria o perfeito “mocorongo”, não fosse um detalhe: ele era um combatente excepcional. Voluntário para todas as missões, era comum encontra-lo “fazendo a ponta” do seu grupo de combate, arriscando-se e se safando sempre.
Tantas fez o Jovino que acabou levando um tiro. Ferido, com alguma gravidade, foi evacuado ao longo de sucessivos escalões até um distante hospital de campanha. Semanas mais tarde, o seu Capitão comandante foi avisado de que o Jovino fugira do hospital e que era provável que ele aparecesse na linha de frente à procura de seus companheiros. Não deu outra. Dois dias depois, apareceu o Jovino esfarrapado, sujo e barbado perante o seu comandante.
De nada adiantou explicar-lhe que a guerra não era uma bagunça, que já fora substituído, que não havia armamento para ele, que não deveria ter fugido do hospital, etc. etc. Os olhares que se fixaram no Capitão encaminharam a solução: brasileiramente, arrumou-se um fuzil e um lugar para o Jovino na guerra e ele ajudou a terminá-la.
Muitos anos mais tarde, o Capitão comandante do Jovino, já Coronel, às vésperas de passar para a reserva, soube que o seu antigo soldado estava internado no Hospital Central do Exército, gravemente enfermo. O Coronel não hesitou e foi visitá-lo.
Lá conversaram, e Jovino, cego, passava as mãos nas medalhas do Coronel, lembrando como eles as haviam conquistado juntos. Em determinada altura, o Coronel, emocionado, disparou a pergunta de muitos anos ao Jovino: “- Jovino, eu sei que você é um homem muito corajoso, mas você nunca teve medo de morrer?” Ao que Jovino respondeu: “- Ah meu Capitão, não sei se fui corajoso não, eu sei é que eu tinha medo de ter medo”. Na sua simplicidade, Jovino havia alcançado a sublime definição de coragem.
Em janeiro de 1822, os brasileiros se uniram para sustentar aquele que lhes daria a sua Independência e seria seu Imperador. Nove anos mais tarde, cobraram-lhe respeito quando ele o perdeu por eles e o deixaram partir quando ele não o recuperou. Em 1889, viram partir outro Imperador, querido, aderindo ao novo regime quando entenderam que o antigo não servia mais ao País.
Em 1930 derrubaram uma República arrogante e corrupta que pretendia prescindir de sua representação. Quinze anos mais tarde, destronaram o seu libertador que havia se transformado em ditador. Concederam-lhe nova chance nas urnas, consternaram-se com sua fraqueza e choraram sua morte.
Dez anos depois, chamaram seus militares para por fim ao caos que a demagogia, corrupção e subversão haviam instalado no País e vinte anos depois disseram que não os queriam mais na política.
Este nunca foi um país de alguém, de um imperador, de uma oligarquia, de um ditador ou de um projeto. O Brasil nunca viveu de mitos e se houve quem pretendeu encarná-los, logo a nação o despachou ou o viu pelas costas.
Esta não é uma República de procuradores, como tampouco é uma República sindicalista. Esta é uma República de cidadãos nascidos e acolhidos em um país que não se tornou grande e forte pelo medo. Se assim aconteceu, foi pelo medo de tê-lo, como o Jovino.
Portanto, fora Lula, fora Dilma, fora Renan, fora Cunha! Quem mais?
Que se vão tantos quantos forem necessários para que vivamos sem corrupção e, acima de tudo, sem medo. Afinal, temos muito mais do que já tivemos no passado em situações tão perigosas quanto à de hoje: temos leis e temos instituições.
05 de agosto de 2015
Sérgio Paulo Muniz Costa é Doutor em Ciências Militares e Historiador. Originalmente publicado no Diário do Comércio de São Paulo em 4 de agosto de 2015.
Nenhum comentário:
Postar um comentário