O dia da mentira acabara 14 horas antes, mas nada disso impediu que a CUT gritasse à porta da bolsa carioca naquele abril de 1993: “trabalhador unido jamais será vencido“. Porque, na altura do 400 da avenida Rio Branco, sede da Graphus, toda a diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos de Volta Redonda comemorava junto aos executivos da Vicunha a compra de parte da Companhia Siderúrgica Nacional, umas das 15 estatais privatizadas no governo Itamar.
O caso é detalhado por Miriam Leitão no Saga Brasileira. “Quem levasse a sério a manifestação da praça que unia o novo e o velho trabalhismo brasileiro, o de Getúlio e o de Lula, ficaria confuso se visse o que acontecia naquele momento da batida do martelo“.
No entanto, o cidadão médio brasileiro nunca entendeu que uma empresa do porte de uma CSN poderia cair nas mãos trabalhadores por intermédio de seus “fundos de pensões”. Que o dos funcionários do Banco do Brasil, o Previ, era um dos que mais se beneficiavam dos leilões das estatais. Ou que os próprios empregados da CSN passaram a ter o controle de fatias da empresa após o bater do martelo – chegando a vendê-las tempos depois com considerável lucro.
Do contrário, este mesmo cidadão jamais temeria o avanço de Alckmin quando, em 2006, na propaganda que tentava a reeleição de Lula, martelava-se que o tucano voltaria a privatizar empresas públicas. Mesmo com o programa de privatizações não sendo cria de FHC, mas de Collor. Mesmo com o acesso à telefonia saltando de 19% para 85% após todo aquele desgastante processo. Mesmo menos de um ano após Roberto Jefferson inserir nos dicionários brasileiros o termo “mensalão“.
Guerra de versões
No mesmo livro, Leitão detalha outra dúzia de momentos chaves da política econômica brasileira com um ponto de vista que em muito difere do estampado na maioria dos jornais. “O Proer foi o mais odiado e menos compreendido dos planos. Feriu banqueiros dos bancos falidos como nunca, mas ficou com a marca de ser um programa de socorro aos banqueiros.” Os empréstimos do FMI, nascidos da apresentação de robustas garantias possíveis apenas por governantes com rara credibilidade, eram vendidos como submissão às nações desenvolvidas. A renegociação da dívida externa, fruto de intensas negociações paralelas ao impeachment de Collor, e conquistada numa bela jogada ensaiada ainda no governo Sarney, era considerada um equívoco pelo PT, que defendia o calote puro e simples – ao ponto de, até pelo menos o encerramento do século, prometer como solução um referendo aos moldes do que a Grécia fez recentemente.
Foto: Roberto Stuckert Filho, em 18 de agosto de 2010 |
Mas essa “guerra de versões” não é aposentada com a chegada do Partido dos Trabalhadores à presidência. Ela ocorre constante e incansavelmente até o presente e já se alastra por outros poderes. Na semana passada mesmo, Josias de Souza precisou alertar que a nota divulgada pelo Planalto não condizia com o que ocorrera no encontro de Dilma com os governadores. Próximo ao fim de semana, petistas chamavam de atentado terrorista uma bomba atirada contra o Instituto Lula. E o TCU, diante das denúncias de corrupção contra alguns de seus ministros, contrata uma assessoria de imprensa – sem licitação – para aliviar a barra do tribunal junto à opinião pública.
Confiança x PIB
Inconscientemente jogando uma luz no tema, um estudo da FGV comparou a evolução da média simples dos indicadores de confiança da indústria e do consumidor com a variação interanual do PIB. E concluiu haver “uma relação muito forte entre essas duas variáveis” que pode ser facilmente verificada no gráfico abaixo:
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Em outras palavras, à medida em que a economia cresce, cresce a confiança na saúde financeira do país. Mas alguns “descolamentos” no gráfico chamam atenção. Entre 1999 e 2002, no segundo mandato de FHC, a confiança do brasileiro parece baixa, mesmo com o crescimento do PIB apresentando bons resultados. Entre 2010 e 2013, no primeiro mandato de Dilma, o efeito é o oposto. E se assemelha ao ocorrido na crise de 2008, vivida por Lula ao final do segundo mandato, quando a crise não torna o brasileiro “pessimista” (qualquer índice abaixo de 100).
A análise do Valor Econômico, como esperado, encontra uma justificativa econômica para as exceções dos dois primeiros descolamentos. Mas se cala sobre o terceiro e nada comenta sobre os trechos que não fogem à regra.
Em 1999-2002, o crescimento médio do PIB brasileiro foi de 2,3% a.a., com a demanda interna crescendo apenas 1,1% a.a.; já em 2011-2013, o crescimento médio do PIB foi de 2,8% a.a., com a demanda interna avançando 3,6% a.a.
O que poderia, então, justificar estes ocasionais distanciamentos da realidade nos indicadores de confiança brasileiros?
FHC x Lula
Diferentemente de Lula, que basicamente enfrentou “apenas” duas grandes crises, sendo uma delas fruto da corrupção no próprio partido (Mensalão), o governo FHC se viu diante da missão de desatar o nó em um punhado delas. Algumas de competência exclusivamente externas, como as quebras da Rússia, do México, da Argentina e da Tailândia, além do 11 de setembro ou até mesmo liderança petista na campanha de 2002. Outras surgiam como efeitos colaterais do controle da inflação, como a falência de um terço dos bancos do país. E, claro, havia os frutos da própria incapacidade tucana, como a disparada do dólar após a flutuação cambial de 1999, a crise energética de 2001 – mesmo ao se considerar a seca ocorrida naquela temporada – e todos os desdobramentos do estelionato eleitoral da reeleição de 1998 – que renderiam até novas conversas sobre impeachment no ano seguinte.
Mas o fato é que, mesmo turbulento, o segundo mandato de FHC pode ser entendido como melhor que o primeiro. Exceto pelo instituto da reeleição, obra ainda do primeiro mandato, as saídas encontradas pelo governo fortaleceram a nação, protegeram o sistema bancário, trouxeram a Lei de Responsabilidade Fiscal, a política de metas e o respeito à austeridade. O crescimento do PIB, como já demonstrado, esteve acima das expectativas. A geração de empregos formais se aproxima dos 18% (Dilma, por exemplo, ficou abaixo dos 12% no primeiro mandato) e o Planalto deixa em caixa um gordo empréstimo conquistado junto ao FMI e que viria a ser utilizado por Lula para administrar o Brasil nos primeiros anos do novo milênio. Mesmo assim, o presidente passa a faixa em 2003 sem nenhuma força política significativa com coragem para defender seu legado até a corrida presidencial de 2014.
Do outro lado, em 2008, Lula chama “tsunami” de “marolinha”, libera crédito irresponsavelmente, endivida o brasileiro, traz de volta o temor da inflação, incha a máquina pública, deixa em seu lugar um pessoa incapaz de completar frases que façam sentido e defende uma organização criminosa que toma para si os cofres públicos em ritmo de arrastão. Ainda assim, a confiança do consumidor só volta a refletir a realidade do PIB que perdia o fôlego quando os protestos de junho de 2013 dão o ar da graça.
Uma mentira repetida mil vezes
Na TV, programas sensacionalistas diziam que Haddad fugira de helicóptero da prefeitura. O vídeo, no entanto, mostrava ataques dos black blocs à porta do edifício. No dia seguinte, a imprensa noticiaria que o prefeito se encontrava com Lula, Dilma e João Santana, o marketeiro do PT, no aeroporto de Congonhas para bolarem juntos uma saída para a crise.
Mais do que ninguém, o Partido dos Trabalhadores sabe da importância de manter o controle da versão dos fatos. Não à toa, por 4 vezes cita a “democratização dos meios de comunicação” como umas das metas que gostaria de atingir até o final de mais este ciclo na presidência. Não à toa, queima só em 2014 a montanha de R$ 2,3 bilhões em propaganda. Não à toa, em seus primeiros quatro anos, Dilma eleva em 23% os gastos de Lula, chegando a escandalosos R$ 9 bilhões em verba publicitária. Não à toa, a popularidade de Dilma só cai de 40% para 7% quando a Secretaria de Comunicação deixa escapar que desligou “os robôs” que na internet defendiam o governo.
A partir de novembro, as redes sociais pró-Dilma foram murchando até serem quase extintas. Principal vetor de propagação do projeto dilmista nas redes, o site Muda Mais acabou. Os robôs que atuaram na campanha foram desligados e movimentação dos candidatos do PT foi encerrada.
Verdades sobre eles
“Quanto mais mentiras os adversários disserem sobre nós, mais verdades diremos sobre eles.” São palavras de José Serra na campanha de 2010, mas facilmente poderiam ser dos 51 milhões de brasileiros que tentaram tirar o PT da presidência em 2014. Ou dos 63% que já declaram apoio ao impeachment de Dilma mesmo com a maior fatia da imprensa trabalhando contrária à ideia. Ou ainda dos 80% que desaprovam a atual gestão e estão cansados de serem vendidos como golpistas – ou donos de privilégios dos quais não usufruem.
Informação é mais do que poder: é um poder fiscalizador. No momento em que um governo interfere na comunicação, enfraquece a fiscalização e dá toda a base necessária para que a corrupção se perpetue no comando. Caso o impeachment de Dilma não siga adiante, serão 16 anos de um país dominado por uma organização criminosa enfraquecendo todas as instituições que poderiam conter-lhe a sede. Na falta de um órgão público que defenda o cidadão ou ente privado que peite o governo sem rodeios, a internet vem sendo a principal arma. Mesmo quando, ao estilo Goebbels, insistem mil vezes na mesma mentira, é aqui que qualquer brasileiro encontra a liberdade necessária para dizer “as verdades sobre eles“.
Que elas continuem sendo ditas. E cada vez mais.
05 de agosto de 2015
Marlos Ápyus
Referências utilizadas
- Folha de São Paulo
Plebiscito da dívida externa
2 de setembro de 2000 - Folha de São Paulo
Jefferson denuncia mesada paga pelo tesoureiro do PT
6 de junho de 2005 - Folha de São Paulo
Lula insiste em dizer que Alckmin vai privatizar Petrobras, BB e Caixa
12 de outubro de 2006 - Editora Record
Saga Brasileira2011 - Folha de São Paulo
Eleito novo presidente do PSDB, Aécio defende privatizações e ataca PT
18 de maio de 2013 - YouTube
Ataque à Prefeitura de São Paulo
18 de junho de 2013 - O Estado de São Paulo
Dilma e Lula tentam ‘salvar’ Haddad
19 de junho de 2013 - Partido dos Trabalhadores
Resolução Política
4 de novembro de 2014 - Blog do Planalto
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23 de janeiro de 2015 - O Estado de São Paulo
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17 de março de 2015 - Folha de São Paulo
Maioria aprova abertura de processo de impeachment, mostra Datafolha
11 de abril de 2015 - UOL Notícias
Governo federal gastou R$ 2,3 bilhões em publicidade em 2014
24 de abril de 2015 - UOL Notícias
Em 4 anos, Dilma gastou R$ 9 bilhões em publicidade, 23% a mais que Lula
29 de junho de 2015 - O Globo
Governo Dilma tem apenas 7,7% de aprovação, diz pesquisa da CNT/MDA27 de julho de 2015 - Valor EconômicoExpectativas e retomada do crescimento29 de julho de 2015
- UOL Notícias
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31 de julho de 2015 - Agência PT de Notícias
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2 de agosto de 2015
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