"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 22 de julho de 2015

PROSPERAR OU SUCUMBIR




O caso da Grécia ajuda a compreender o desafio que o Brasil terá de enfrentar.

Como salienta a auditora Maria Lucia Fattorelli, que prestou inestimável colaboração ao Parlamento grego no exame da dívida pública daquele país, ele vem sendo sangrado, há anos, pelo sistema da dívida, governado por grandes bancos de âmbito mundial.

Só de 2010 ao presente, a renda nacional da Grécia foi reduzida em 30%, os salários caíram nessa proporção, os pensionistas perderam mais de 50%. O desemprego passa dos 27% e atinge mais de 60% entre os jovens.

Mesmo tendo o povo rejeitado, em plebiscito, o mais recente programa dos “credores”, e tendo o Parlamento mostrado à nação as ilegalidades e fraudes originadoras da maior parte da dívida, faltou coragem ao governo do Syriza para desistir de mais um acordo com a União Europeia.

Entretanto, esse acordo dará prosseguimento à destruição econômica e social do país. Trata-se de um terceiro programa de “resgate”, na realidade, de arrocho com calendários de curto prazo.

Até quarta-feira (15), o Parlamento grego tem que aprovar mais aumentos de impostos e reformar o sistema de pensões. Só depois disso, os ditadores da União Europeia (Alemanha e França), autorizarão negociar um memorando de entendimento com Atenas.

Até outubro, as autoridades gregas têm que implementar mais reformas nas pensões e zerar o déficit, além de cumprir programa de privatizações. Também, alterar as relações de trabalho, facilitando as demissões. Em suma, elevar as doses dos “remédios” que têm arruinado a saúde do paciente.

A mensagem está claríssima. A tirania financeira mundial não tolera qualquer medida dos países envolvidos pelo sistema da dívida, em defesa de suas economias e de seus povos, por mais moderada que seja: eles são pressionados a enredar-se, cada vez mais, na armadilha financeira.

Pergunto-me por que motivo, afora a corrupção – que jogou papel importante na passividade de muitos de seus antecessores - o atual governo grego se curvou às imposições do Banco Central Europeu, FMI e tiranos da União Europeia, entidade gradualmente moldada pela oligarquia financeira angloamericana, para subordinar os países da Europa continental.

Suponho que as causas sejam os temores de: a) sanções por parte da Alemanha, da França e associados, os maiores importadores das produções primárias e origem do grosso do turismo, as duas principais fontes de divisas da Grécia; b) corte do crédito por parte do sistema financeiro internacional e congelamento de fundos depositados no exterior, além de arresto de bens.

Não se podem comparar as dimensões, nem as dotações de recursos naturais do Brasil e da Grécia. O Brasil poderia até beneficiar-se das sanções a que estaria sujeito, em caso de cumprir a cláusula da independência, evidentemente superior à própria Constituição (que também a proclama, embora ignorada na prática).

Antes, deve ficar claro que, sem autonomia nacional, não há a menor possibilidade de evitar a ruína, que avança a passos largos em nosso País.

A soberania vem sendo, há decênios, preterida pelas “boas relações” com as potências imperiais e pela subordinação da política econômica ao sistema financeiro, comandado pelo eixo Londres-Nova York e operado nessas praças e nas offshore, sob controle delas.

É de notar, ademais, o espantoso grau dessa subordinação, que supera, em muito, a existente até em países de menor dimensão e aparentemente mais frágeis que o Brasil.

Haja vista, entre os exemplos mais notáveis, as estratosféricas taxas de juros aqui praticadas:

a) as que, compostas, estão levando a dívida pública brasileira a mais crises conducentes a ainda mais vergonhosas abdicações de soberania e a perda de substância econômica;

b) as impostas a empresas nacionais atuantes na produção e a pessoas físicas dependentes de seu trabalho, taxas, como se sabe, grandes múltiplos daquelas, mais que absurdas.

Duas premissas têm de sustentar uma análise realista:

1) o truculento sistema da dívida não faz concessões aos que nele se enredam: as ameaças, pressões e sanções são manipuladas de forma a obrigá-los a subscrever os “acordos” praticamente por inteiro;

2) portanto, tentativas de atenuar as penosas condições a que os “devedores” são submetidos, são reprimidas do mesmo modo que seriam medidas capazes de, a médio e longo prazos, liberá-los do crônico enfraquecimento a que vem sendo forçados.

Apesar de a presidente ter reduzido os já deprimidos investimentos federais e elevado os já inadmissivelmente altos ganhos dos concentradores financeiros, estes e seus mentores da oligarquia angloamericana não estão satisfeitos e usam seus diversos instrumentos de pressão política para desestabilizar e derrubar o governo.

Está claro que as potências imperiais e seus vassalos brasileiros não toleram mudanças na política econômica nos últimos 61 anos, por mais modestas que sejam. Ao contrário, só admitem radicalizá-la, o que implica levar o País à miséria, intensificando-se a desnacionalização e a desindustrialização da economia.

Portanto, se quiser ter alguma chance de, um dia, encontrar o desenvolvimento, o Brasil terá de adotar, desde já, políticas, por completo, diferentes das que têm prevalecido.

Por exemplo, reduzir a taxa de juros dos títulos públicos em 2 pontos percentuais, já escandalizaria a grande mídia e os acadêmicos que papagueiam doutrinas econômicas inaplicáveis aos contextos reais.

O que se deve fazer, em lugar disso, é diminuir essas taxas em 15 pontos percentuais (cerca de 17% aa. para 2% aa.). Sobre a dívida interna bruta de R$ 3,3 trilhões, isso significa economizar R$ 500 bilhões anuais, quantia equivalente a 10% do PIB.

Vale lembrar que os defensores do arrocho gerido pelo ministro da Fazenda e Banco Central alegam que ele fará economizar entre R$ 70 bilhões e R$ 80 bilhões.

Além disso, esses cortes têm efeito multiplicador negativo, por implicar redução de investimentos e de despesas, enquanto o dinheiro poupado com o estéril gasto financeiro da dívida pública poderia ser investido produtivamente, com apreciável geração de receitas adicionais.

A sensível redução dos juros é também indispensável por ser o único meio de evitar a capitalização deles, o fator determinante do crescimento exponencial da dívida pública.

Mas, para fazer o serviço completo nessa área, há que suprimir artigos lesivos ao País da falsa Constituição “cidadã”, de 1988, a começar pelo de nº 164, que usurpa do Tesouro Nacional o direito de emitir moeda e o confere exclusivamente ao Banco Central. Pior, ao proibir que este financie o poder público, o submete à agiotagem dos bancos privados.

É também espantoso que a Lei 4.595, de 31.12.1964, tenha sido recepcionada pela Constituição, como Lei complementar, e continue sendo o arcabouço do sistema financeiro do País, tendo sido elaborada sob medida para os interesses dos bancos concentradores. Há que fazer outra sob princípios bem diferentes.

Essas são algumas das medidas de que o País precisa, a fim de realizar políticas macroeconômicas decentes, devendo-se também enunciar a reformulação completa das estruturas microeconômicas, sem as quais aquelas de pouco valem.

Ou seja: novas políticas industrial, tecnológica, de serviços e dos mercados, afora infraestruturas econômicas e sociais compatíveis com tais estruturas, livres das garras dos carteis e abertas à concorrência dos produtores.

Claro que a defesa nacional deve ser uma das prioridades, em interação com a indústria voltada para o bem-estar e para o progresso técnico. Tudo isso exige administrações civil e militar inspiradas em valores elevados e conscientes de que a solidariedade nacional tem de prevalecer sobre ambições pecuniárias e de poder.

Em tal sistema, o mérito, não só intelectual, é aferido desde as primeiras letras, e o importante setor estatal tem de ser administrado de modo que os equipamentos e empresas estatais estejam a serviço da sociedade em seu conjunto e, portanto, não sejam objeto de comércio.

22 de julho de 2015
Adriano Benayon é doutor em economia pela Universidade de Hamburgo e autor do livro Globalização versus Desenvolvimento.

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