Estagnação - se não marcha à ré - do PIB e recuo da indústria nele, exaustão do consumismo, inflação, carga tributária e juros altos, desemprego, lay-off e férias coletivas, investimento público e privado em declínio, atrasos e cortes em projetos relevantes, greves abusivas no serviço público, saúde, educação, transporte e energia em déficit, trapalhadas nas contas públicas, ameaça de caos na Previdência e de queda na classificação de risco, e por aí vai, na contramão do “gigante pela própria natureza, és belo, és forte impávido colosso”, do Hino Nacional. Por que isso? Temos território extenso e recursos naturais abundantes, não somos castigados por catástrofes naturais e conflitos étnicos ou religiosos. O que justificaria o mau aproveitamento do potencial brasileiro?
O cardápio de razões pontuais e/ou temporárias é grande, variado (a presidente Dilma recentemente atribuiu a crise atual ao mau humor econômico global e à seca...) e algumas realmente pesam. Mas há uma razão relevante que nada tem que ver com a natureza e a economia global: é interna, estrutural e contínua, é o desempenho precário de nossas elites na condução da vida nacional, sobretudo da política. Se esse desempenho estivesse em nível satisfatório, as dificuldades pontuais e temporárias seriam neutralizadas ou ao menos minimizadas. Isso não ocorreu no passado e não vem ocorrendo nos últimos anos, em que, ao contrário, nossas deficiências tradicionais na ética e competência se vêm manifestando em dimensão apoteótica. A que atribuir essa tendência? São causas influentes:
l Nossa população, grande, heterogênea, com expectativas e interesses distintos, desordenadamente urbanizada, parte ponderável vivendo na pobreza e carecendo de condições para o exercício consciencioso da cidadania política, é campo fértil para o populismo vulgar, com sua retórica ilusória e sua vassalagem eleitoral, bem expressa nesta frase em fila de votação, na eleição de 2010: “Qual é mesmo o número daquela mulher que o Lula mandou votar nela?”.
l Algum grau de interferência do Estado na economia privada sempre existiu em nossa História, mas o nacional-desenvolvimentismo dos anos 1930 aos 80/90 a exponenciou via protecionismo, incentivos de toda ordem e o Estado como grande cliente. Desde a redemocratização em 1985 a dependência assim criada vem induzindo o apoio da economia privada, no processo eleitoral, a partidos e candidatos de sua conveniência - promissores defensores de seus interesses.
Essas duas causas têm marcado presença forte na formação (na eleição) de nosso poder político, de que vem resultando a condução política (e a reboque dela, a administrativa) medíocre, quando não até desastrosa ou venal, que vem contribuindo para o agravamento de nossas mazelas centenárias na política e na administração pública - a incompetência, a improbidade e o patrimonialismo. Vem, enfim, dando espaço para as crises, de marolinhas que incomodam a tsunamis que flagelam o País.
O aparelhamento da máquina burocrática do Estado instrumenta o cenário político esboçado. Emprego (cargo) público sempre foi obsessão de nossa cultura - Pero Vaz de Caminha já pedia ao rei de Portugal emprego para parente seu, na carta-certidão de nascimento do Brasil -, mas hoje beira o absurdo, na dimensão e na sistemática viciada de preenchimento dos cargos. O mérito funcional (a competência, sempre necessária e mais ainda no mundo hoje integrado, exigente de soluções transnacionais complexas na economia e na ecologia) é superado pelo fisiologismo clientelista. E pela velha prática do nepotismo, simbolicamente refletida nesta frase de prefeito humilde do interior do Nordeste intimado pela Justiça a demitir parentes: “De que adianta ser prefeito se não posso nomear meus parentes...?”.
Note-se: o aparelhamento não é um mal inexorável em si, haja vista o sucesso da competente versão atual do mandarinato chinês, controlado pelo Partido Comunista. Mas é ameaça de desastre quando usado para atender ao clientelismo ou para formar feudos político-administrativos de interesse, não raro incompetentes ou propensos à improbidade.
Como praticado hoje, o aparelhamento político da máquina pública brasileira favorece a criação e estimula o desenvolvimento de crises. O “mensalão” e o “petrolão/Lava Jato” confirmam isso e provavelmente não são casos únicos.
Resumindo: existem de fato razões conjunturais ponderáveis, mas a ação ou omissão, a competência ou incompetência do poder público (político e administrativo) na condução do País têm pesado muito nas crises nacionais, até porque o poder público é responsável pela controle daquelas razões. O trato difícil dessa realidade é transparente na frase emblemática de político inquirido sobre a crise atual, que sugere interesse pelo status quo acima da qualidade na condução da vida nacional: “Nós sabemos o que fazer, mas não sabemos como nos reeleger se fizermos...”.
Pensar em ver a questão resolvida pelo “povo nas ruas” - algo similar aos levantes populares que desembocaram nas Revoluções Francesa e Soviética - é fantasia de risco. Fantasia porque não condiz com o ânimo da massa brasileira, sem sólida consciência cívica; o “povo nas ruas” ajuda porque agita, mas não é solução. E de risco porque os movimentos de massa só chegaram a resultados quando assumidos por lideranças fortes - os Saint-Just e Robespierre na Revolução Francesa, os Lenin e Trotski na Soviética -, que transformaram a anarquia em movimento organizado, mas acabaram no autoritarismo.
A solução passa, portanto, pelo voto consciencioso, em candidatos capazes. Ou resolvemos isso ou continuaremos um país “deitado eternamente em berço esplêndido (...) forte e impávido colosso...”, continuaremos cantando “o teu futuro espelha esta grandeza” - um futuro que reluta em chegar. Podemos cultivar a esperança?
11 de julho de 2015
Mario Cesar Flores
O cardápio de razões pontuais e/ou temporárias é grande, variado (a presidente Dilma recentemente atribuiu a crise atual ao mau humor econômico global e à seca...) e algumas realmente pesam. Mas há uma razão relevante que nada tem que ver com a natureza e a economia global: é interna, estrutural e contínua, é o desempenho precário de nossas elites na condução da vida nacional, sobretudo da política. Se esse desempenho estivesse em nível satisfatório, as dificuldades pontuais e temporárias seriam neutralizadas ou ao menos minimizadas. Isso não ocorreu no passado e não vem ocorrendo nos últimos anos, em que, ao contrário, nossas deficiências tradicionais na ética e competência se vêm manifestando em dimensão apoteótica. A que atribuir essa tendência? São causas influentes:
l Nossa população, grande, heterogênea, com expectativas e interesses distintos, desordenadamente urbanizada, parte ponderável vivendo na pobreza e carecendo de condições para o exercício consciencioso da cidadania política, é campo fértil para o populismo vulgar, com sua retórica ilusória e sua vassalagem eleitoral, bem expressa nesta frase em fila de votação, na eleição de 2010: “Qual é mesmo o número daquela mulher que o Lula mandou votar nela?”.
l Algum grau de interferência do Estado na economia privada sempre existiu em nossa História, mas o nacional-desenvolvimentismo dos anos 1930 aos 80/90 a exponenciou via protecionismo, incentivos de toda ordem e o Estado como grande cliente. Desde a redemocratização em 1985 a dependência assim criada vem induzindo o apoio da economia privada, no processo eleitoral, a partidos e candidatos de sua conveniência - promissores defensores de seus interesses.
Essas duas causas têm marcado presença forte na formação (na eleição) de nosso poder político, de que vem resultando a condução política (e a reboque dela, a administrativa) medíocre, quando não até desastrosa ou venal, que vem contribuindo para o agravamento de nossas mazelas centenárias na política e na administração pública - a incompetência, a improbidade e o patrimonialismo. Vem, enfim, dando espaço para as crises, de marolinhas que incomodam a tsunamis que flagelam o País.
O aparelhamento da máquina burocrática do Estado instrumenta o cenário político esboçado. Emprego (cargo) público sempre foi obsessão de nossa cultura - Pero Vaz de Caminha já pedia ao rei de Portugal emprego para parente seu, na carta-certidão de nascimento do Brasil -, mas hoje beira o absurdo, na dimensão e na sistemática viciada de preenchimento dos cargos. O mérito funcional (a competência, sempre necessária e mais ainda no mundo hoje integrado, exigente de soluções transnacionais complexas na economia e na ecologia) é superado pelo fisiologismo clientelista. E pela velha prática do nepotismo, simbolicamente refletida nesta frase de prefeito humilde do interior do Nordeste intimado pela Justiça a demitir parentes: “De que adianta ser prefeito se não posso nomear meus parentes...?”.
Note-se: o aparelhamento não é um mal inexorável em si, haja vista o sucesso da competente versão atual do mandarinato chinês, controlado pelo Partido Comunista. Mas é ameaça de desastre quando usado para atender ao clientelismo ou para formar feudos político-administrativos de interesse, não raro incompetentes ou propensos à improbidade.
Como praticado hoje, o aparelhamento político da máquina pública brasileira favorece a criação e estimula o desenvolvimento de crises. O “mensalão” e o “petrolão/Lava Jato” confirmam isso e provavelmente não são casos únicos.
Resumindo: existem de fato razões conjunturais ponderáveis, mas a ação ou omissão, a competência ou incompetência do poder público (político e administrativo) na condução do País têm pesado muito nas crises nacionais, até porque o poder público é responsável pela controle daquelas razões. O trato difícil dessa realidade é transparente na frase emblemática de político inquirido sobre a crise atual, que sugere interesse pelo status quo acima da qualidade na condução da vida nacional: “Nós sabemos o que fazer, mas não sabemos como nos reeleger se fizermos...”.
Pensar em ver a questão resolvida pelo “povo nas ruas” - algo similar aos levantes populares que desembocaram nas Revoluções Francesa e Soviética - é fantasia de risco. Fantasia porque não condiz com o ânimo da massa brasileira, sem sólida consciência cívica; o “povo nas ruas” ajuda porque agita, mas não é solução. E de risco porque os movimentos de massa só chegaram a resultados quando assumidos por lideranças fortes - os Saint-Just e Robespierre na Revolução Francesa, os Lenin e Trotski na Soviética -, que transformaram a anarquia em movimento organizado, mas acabaram no autoritarismo.
A solução passa, portanto, pelo voto consciencioso, em candidatos capazes. Ou resolvemos isso ou continuaremos um país “deitado eternamente em berço esplêndido (...) forte e impávido colosso...”, continuaremos cantando “o teu futuro espelha esta grandeza” - um futuro que reluta em chegar. Podemos cultivar a esperança?
11 de julho de 2015
Mario Cesar Flores
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