"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quinta-feira, 14 de maio de 2015

NÃO HÁ COMO NEGAR

Os relógios dos governantes brasileiros que detêm a responsabilidade institucional de zelar pelo bem público perderam o ponteiro que deveria marcar a hora da verdade. Infindáveis são as confissões, as evidências e as provas cabais que a Operação Lava Jato já levantou a respeito da roubalheira de que foi vítima a Petrobras, mas parece que os gestores responsáveis ainda não se deram conta da necessidade de fazer o mínimo daquilo que deles se esperava: reconhecer publicamente e plenamente o desleixo a que relegaram a administração da maior e mais importante estatal brasileira ao longo de tanto tempo.

Há mais de um ano, a Polícia Federal e o Ministério Público passaram a entregar ao juiz federal Sérgio Moro o resultado das investigações a que submeteram diretores e funcionários da Petrobras, assim como grandes empreiteiras e empresários do país, sem esquecer de detalhar o modus operandi utilizado, com a participação de doleiros, para que fortunas surrupiadas da estatal abastecessem partidos e políticos aliados. Processos tramitam na primeira instância da Justiça Federal, em Curitiba, e outros – aqueles que envolvem detentores de mandatos – já chegaram ao Supremo Tribunal Federal (STF).

A teia de relações incestuosas entre agentes públicos e figurões da iniciativa privada é extensa e profunda o suficiente para que até mesmo o mais simplório dos observadores logo possa perceber que seria impossível que os mais altos escalões da República não soubessem dos malfeitos. Entretanto, “os mais altos escalões da República” continuam a afirmar que de nada sabiam. Ao contrário, insistem na tese de que a corrupção deslavada se dava muito longe de seus interesses políticos e era obra tão-somente de servidores da Petrobras que corriam atrás de proveito pessoal.

Ao mesmo tempo em que a Lava Jato segue seu caminho no campo judicial, a CPI instaurada no Congresso ouve também os envolvidos já indiciados no processo – alguns dos quais signatários de acordos de delação premiada. 
Um dos depoentes convocados pela CPI – que provisoriamente se instalou em Curitiba nesta semana – foi o doleiro Alberto Youssef que, ao responder a uma pergunta específica, disse ter certeza (embora não pudesse provar) de que o Palácio do Planalto tinha pleno conhecimento das estripulias que ocorriam no submundo da Petrobras. “No meu entendimento, eles tinham conhecimento do que acontecia. [O esquema] Servia ao interesse do partido [PT], e automaticamente dos partidos da base”, disse o doleiro aos membros da CPI.

Ainda que a credibilidade de Youssef seja questionável, a lógica dos fatos já comprovados leva, no mínimo, a duas conclusões, ambas desabonadoras: (1) se os presidentes da República sob cujos mandatos transcorria a grossa corrupção e se ministros sob cuja guarda estava a administração da Petrobras nada sabiam sobre o que ocorria debaixo de seus narizes comprova-se a irresponsabilidade gerencial e política de todos eles; e (2) se sabiam e não tomaram medidas de rigorosa contenção, cometeram crimes de improbidade administrativa e de responsabilidade. Impossível para eles continuar mantendo indefinidamente a postura de avestruzes, ainda que, timidamente, venham admitindo o que antes negavam – isto é, que a Petrobras estava infestada pela corrupção.

Um exemplo são os áudios das reuniões do Conselho de Administração da Petrobras, recentemente divulgados pela imprensa, em que Graça Foster, então presidente do Conselho, admite que a companhia estaria “míope” diante de tanta corrupção, percepção corroborada por outros integrantes da administração da empresa, que chegaram a questionar a existência de um sistema de controle interno para tentar averiguar os casos de corrupção, uma vez que apenas “peões” eram investigados e não os verdadeiros responsáveis. 
Para Graça, a Java Jato seria um “fato tenebroso” para a companhia e o verdadeiro saldo do rombo causado pela corrupção seria impossível de ser determinado neste momento. “Só daqui a três, cinco ou dez anos. Quando tudo isso for julgado e sair o valor dessa operação toda”, disse Graça aos conselheiros presentes na reunião.

Triste saber que muita sujeira ainda está para emergir das investigações, depoimentos e provas documentais que não param de vir à tona. Mas mais triste ainda será caso prevaleça a impunidade ou se apenas os mais baixos escalões forem – os meros “peões” –, ao final, responsabilizados.



14 de maio de 2015
Gazeta do Povo, PR

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