Com o prestativo serviço prestado ao Planalto, ao interpretar a Constituição para considerar que a presidente Dilma Rousseff seria inimputável (a expressão jurídica é esta), porque seus malfeitos foram cometidos no mandato anterior, o criativo procurador-geral da República Rodrigo Janot poderia até ser considerado favorito para ocupar a vaga do ministro Joaquim Barbosa no Supremo Tribunal Federal.
Mas as aparências enganam. É claro que a presidente Dilma Rousseff ficará devedora de Janot pelo resto da vida, poderá até indicá-lo para integrar o STF, mas o problema será aprovar o nome dele no Senado Federal, conforme determina a Constituição.
Com toda certeza, a nomeação de Janot será torpedeada com a maior facilidade pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL).
O fato é que Janot destruiu sua reputação ao quebrar o segredo de Justiça que envolvia o inquérito sobre o esquema de corrupção da Petrobras. O procurador-geral da República jamais poderia ter se rebaixado perante o Palácio do Planalto e revelado previamente à presidente Dilma Rousseff a lista de parlamentares, ministros e governadores envolvidos no esquema de corrupção montado pelo PT.
Já assinalamos aqui na Tribuna da Internet que essa inconfidência do procurador-chefe Rodrigo Janot foi uma atitude deplorável, porque ele feriu a ética profissional e demonstrou subserviência ao Planalto, cometendo falta gravíssima, que demonstra despreparo para ser guindado ao Supremo Tribunal Federal.
INTERPRETANDO A LEI…
Na verdade, Janot feriu a duplamente a ética jurídica. Primeiro, ao quebrar o segredo de Justiça e entregar ao Planalto informações ainda sob segredo de Justiça.
E depois, por ter interpretado a Constituição de forma a justificar a decisão pessoal de não pedir abertura de inquérito contra a presidente da República, embora ela esteja citada em diversos depoimentos da delação premiada.
Para livrar Dilma Rousseff do processo no Supremo, o procurador-geral citou o parágrafo 4º do artigo 86 da Constituição Federal:
“O Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções”.
Acontece que este dispositivo foi aprovado em 1988, antes de existir reeleição para cargos do Executivo. Portanto, está totalmente anacrônico e não pode ser usado para tornar inimputável qualquer presidente da República que tenha cometido crimes no mandato anterior.
ESQUECENDO A LEI…
Qualquer rábula sabe que há outro dispositivo determinando que o Supremo processe presidente da República por crimes comuns (artigo 102, inciso I, alínea b), como estelionato, receptação ou formação de quadrilha, por exemplo, para citarmos apenas três transgressões que podem ser atribuídas a quem participou do esquema da Petrobras.
E há também prática de crime eleitoral, pelo uso de dinheiro escuso na campanha política, crime passível de cassação de mandato, conforme tese do jurista Jorge Béja, já exposta aqui na Tribuna da Internet.
Não cabe ao procurador-geral da República “interpretar” uma lei anacrônica e flagrantemente inapropriada. Esta função é exclusiva do Supremo Tribunal Federal e foi usurpada por Janot, que preferiu se comportar como advogado de defesa da presidente Dilma Rousseff.
Mas ainda há juízes e procuradores no Brasil que se reservam o direito de atuarem com a autonomia e a independência que a lei lhes garante. O ex-ministro Antônio Palocci e o tesoureiro do PT João Vaccari, por eemplo, serão julgados pelo juiz Sérgio Moro.
Ao colocar o PT no banco dos réus, a presidente Dilma Rousseff pode acabar indo junto de roldão, como se dizia antigamente.
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PS - Juridicamente. “inimputável” é todo aquele que não pode ser responsabilizado por seus atos. Estão neste caso os menores de 18 anos e as pessoas que sofrem de grave doença mental. Para o procurador Janot, esta lista de inimputáveis inclui também presidentes da República reeleitos que cometeram crimes em mandato anterior. Era só o que faltava, como dizia o Barão de Itararé.
09 de março de 2015
Carlos Newton
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