"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sábado, 24 de maio de 2014

UM PAÍS DIFERENTE



Uma no cravo: “Não apareça pensando que o Brasil é a Alemanha”. Outra na ferradura: “O Brasil é um país incrível”. Os dois conceitos, expressos pela mesma boca em menos de uma semana, mostram como a verdade é tão relativa quanto as projeções que os brasileiros fazem do desempenho da seleção na Copa. O francês Jérôme Valcke, secretário geral da Fifa, tem sido um dos melhores intérpretes do modus faciendi nacional, ora criticando a lentidão das obras nas 12 arenas esportivas que sediarão os jogos, ora alertando turistas contra a insegurança e a precária infraestrutura.
 
O fato é que o país tem decaído no ranking da reputação internacional. A própria organização da Copa tem contribuído para as manchas que se acumulam na imagem brasileira. Debaixo dessa aparente teia que une os fios da morosidade, da burocracia, da falta de planejamento, de alterações de projetos, improvisação e visões díspares, Valcke deve se sentir confortável para, vez ou outra, apertar os calos das autoridades.
 
Também é fato que o país não tem reagido no mesmo tom às ferinas cutucadas que recebe, ou por não desejar pôr lenha na fogueira, ou sob o argumento de que “somos a sexta economia do mundo, temos protagonismo importante nas relações internacionais e já fizemos muita coisa mais importante do que organizar uma Copa de futebol”.
 
Já não somos tão protagonistas como antes. Há cinco anos, o então presidente Lula era cumprimentado efusivamente por Barack Obama: “Este é o cara”. O Brasil orgulhava-se de ter liquidado seu débito com o FMI e exibir um dos mais eficazes programas de distribuição de renda do planeta. A situação, hoje, mostra o país deixando de ser a sexta economia para ocupar o nono lugar, atrás da Índia e da Rússia.
 
Intensificam-se os movimentos que, nesta semana, foram às ruas em cerca de 50 cidades; até policiais federais cruzam os braços. Fica claro que parcela ponderável das correntes que gritam palavras de ordem quer aproveitar os ventos favoráveis do clima pré-Copa.
 
PAÍS DO VICE-VERSA
 
Os ecos tornam-se mais fortes, as demandas, mais audíveis, e os ouvidos dos atores políticos, mais atenciosos. O Brasil é mesmo o país do vice-versa. Quem pregava, anteontem, a lição do medo? O PSDB da era Fernando Henrique. Deu certo. Quem pregava, ontem, a lição da esperança contra o medo? O PT da era Lula. Deu certo. Hoje, petistas usam o medo, e tucanos, a esperança, como alavanca das urnas.
 
Por fim, a inferência. Seja qual for o desempenho da seleção brasileira no tão aguardado evento, uma coisa parece certa: o Brasil não será o mesmo. O tal “legado da Copa” suscitará polêmicas: algumas arenas se transformarão em elefantes brancos? Haverá recursos para sua manutenção? À luz da arquitetura futurista dos estádios, como serão vistos escolas, hospitais, vias de acesso no entorno?
Jérôme Valcke, de longe, mas pertinho dos cofres locupletados da Fifa, deverá abrir um sorriso: “Que Brasil incrível; o passo maior que as pernas vai lhe dar dor de cabeça”.

(transcrito de O Tempo)

24 de maio de 2014
Gaudêncio Torquato 

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