Não se deve menosprezar o papel que uma inflação alta e persistente, por opção do governo, e principalmente nos serviços, cumpre neste surto de paralisações
Há poucos registros, nos últimos tempos, de uma sucessão de greves como a atual. Policiais pararam em Pernambuco, e a ausência de policiamento deu margem a saques no comércio do Recife; motoristas de ônibus, primeiro no Rio, depois em São Paulo, transtornaram a vida de centenas de milhares de pessoas nas duas maiores cidades do país; professores também voltam a cruzar os braços. E talvez a temporada de paralisações vá além.
É inútil procurar uma explicação única para o surto grevista, pois costuma haver peculiaridades em cada movimento. Em São Paulo, assim como no Rio, por trás da greve de ônibus, movimento típico contra o povo, há conflitos entre grupos de sindicalistas — mais violento no caso paulista, onde já houve morte e tiros, na luta pelo acesso ao dinheiro fácil e copioso do imposto sindical. Mas no Rio, o número de veículos depredados e incendiados foi enorme. É possível, também, detectar a ação de políticos que usam categorias, e grupos radicais estimulados pelas manifestações de junho do ano passado, para atingir objetivos eleitorais em outubro.
Mas não se pode menosprezar a ajuda que a inflação dá ao discurso grevista de lideranças sindicais. Os efeitos da leniência voluntária com a alta dos preços assumida pelo governo Dilma teriam, então, chegado às ruas.
Entendeu-se em Brasília que uma inflação acima da meta dos 4,5%, mais próxima do teto de 6,5%, permitiria um crescimento mais acelerado, porque os juros estariam mais baixos. Não funcionou, como se sabe. A economia esfriou, os juros tiveram de subir e a inflação anualizada não cede.
Para piorar, os preços específicos de “serviços” rodam hoje na faixa dos 9% anuais, e já há algum tempo correm acima dos 7%. Ora, o orçamento das pessoas sofre impactos diretos toda vez que encarecem alimentos e serviços. Os alimentos obedecem à sazonalidade de safras, mas o preço do cabeleireiro, o custo de consertos domésticos, as tarifas de telefone, luz e gás, estes apertam o bolso da classe média, aquela reforçada pela estabilização da moeda, durante FH, e ampliada pelos gastos sociais de Lula e Dilma. Se a inflação média (6,5%) já é muito alta, a específica do custo de manutenção das famílias ultrapassou o aceitável. E este é um problema que a baixa taxa de desemprego não resolve.
Além de alertar para a inflação, as greves, no caso as de ônibus, denunciam a falência da estrutura sindical getulista, já criticada por Lula e PT antes de desembarcarem em Brasília.
Ficou em xeque o princípio da unicidade sindical, o direito ao monopólio da representação de trabalhadores por região. Pois os sindicatos formais, em Rio e São Paulo, aceitaram as propostas patronais de aumento, mas as categorias entraram em greve assim mesmo, conduzidas por outros líderes. Mais grave: a Justiça não tem a quem acusar pelos desvios na paralisação. Vive-se um momento rico em ensinamentos.
24 de maio de 2014
Editorial O Globo
Há poucos registros, nos últimos tempos, de uma sucessão de greves como a atual. Policiais pararam em Pernambuco, e a ausência de policiamento deu margem a saques no comércio do Recife; motoristas de ônibus, primeiro no Rio, depois em São Paulo, transtornaram a vida de centenas de milhares de pessoas nas duas maiores cidades do país; professores também voltam a cruzar os braços. E talvez a temporada de paralisações vá além.
É inútil procurar uma explicação única para o surto grevista, pois costuma haver peculiaridades em cada movimento. Em São Paulo, assim como no Rio, por trás da greve de ônibus, movimento típico contra o povo, há conflitos entre grupos de sindicalistas — mais violento no caso paulista, onde já houve morte e tiros, na luta pelo acesso ao dinheiro fácil e copioso do imposto sindical. Mas no Rio, o número de veículos depredados e incendiados foi enorme. É possível, também, detectar a ação de políticos que usam categorias, e grupos radicais estimulados pelas manifestações de junho do ano passado, para atingir objetivos eleitorais em outubro.
Mas não se pode menosprezar a ajuda que a inflação dá ao discurso grevista de lideranças sindicais. Os efeitos da leniência voluntária com a alta dos preços assumida pelo governo Dilma teriam, então, chegado às ruas.
Entendeu-se em Brasília que uma inflação acima da meta dos 4,5%, mais próxima do teto de 6,5%, permitiria um crescimento mais acelerado, porque os juros estariam mais baixos. Não funcionou, como se sabe. A economia esfriou, os juros tiveram de subir e a inflação anualizada não cede.
Para piorar, os preços específicos de “serviços” rodam hoje na faixa dos 9% anuais, e já há algum tempo correm acima dos 7%. Ora, o orçamento das pessoas sofre impactos diretos toda vez que encarecem alimentos e serviços. Os alimentos obedecem à sazonalidade de safras, mas o preço do cabeleireiro, o custo de consertos domésticos, as tarifas de telefone, luz e gás, estes apertam o bolso da classe média, aquela reforçada pela estabilização da moeda, durante FH, e ampliada pelos gastos sociais de Lula e Dilma. Se a inflação média (6,5%) já é muito alta, a específica do custo de manutenção das famílias ultrapassou o aceitável. E este é um problema que a baixa taxa de desemprego não resolve.
Além de alertar para a inflação, as greves, no caso as de ônibus, denunciam a falência da estrutura sindical getulista, já criticada por Lula e PT antes de desembarcarem em Brasília.
Ficou em xeque o princípio da unicidade sindical, o direito ao monopólio da representação de trabalhadores por região. Pois os sindicatos formais, em Rio e São Paulo, aceitaram as propostas patronais de aumento, mas as categorias entraram em greve assim mesmo, conduzidas por outros líderes. Mais grave: a Justiça não tem a quem acusar pelos desvios na paralisação. Vive-se um momento rico em ensinamentos.
24 de maio de 2014
Editorial O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário