Deficiências indisfarçáveis levam governo a passar da negação à racionalização
Dentro de duas semanas, o país estará a exatos quatro meses das eleições. No Planalto, a fantasia de que o término do mandato seria marcado por um grand finale foi abandonada há muito tempo. O governo já não alimenta ilusões. Está perfeitamente consciente de que tem uma travessia muito difícil pela frente. Dar-se-á por satisfeito se, nessa reta final, puder continuar avançando aos trancos e barrancos até a linha de chegada, sem que as coisas fujam ao controle em áreas mais problemáticas. Além de torcer para que a Copa não enseje um turbilhão de inquietação social, a presidente reza a cada dia para que os céus não a obriguem a impor um racionamento de energia elétrica em meio à campanha eleitoral.
Tendo em vista as evidências cada vez mais contundentes de deficiência na atuação do governo em várias áreas, o Planalto parece ter dado sinal verde para que seus porta-vozes passem da fase de negação à de racionalização. Mas explicar o inexplicável não tem sido fácil, como bem ilustram esforços recentes de dois porta-vozes de alto coturno.
Em longa e belicosa entrevista concedida à “Folha de S.Paulo’’ em 14 de maio (disponível, na íntegra, em folha.com/no1453855), o ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, fez o que pôde para racionalizar aspectos especialmente indefensáveis da política econômica do governo. Sem sucesso. Os pontos altos foram a denúncia da existência no país de uma “campanha pró-inflação’’, promovida por “quem tem interesse em aumentar a taxa de juros’’, e a racionalização do represamento de preços e tarifas controlados pelo governo. Uma pérola. “Deixa eu dizer uma coisa, preços administrados são preços administrados. Porque o conceito é este, você administra em função do interesse estratégico da economia, dos consumidores...” E, mais adiante: “preços administrados são administrados em função do esforço de fazer uma política anticíclica’’. Afirmação que só faria algum sentido se fosse alusão, em ato falho, ao ciclo eleitoral, que é o que, de fato, explica o represamento.
Entendidas como reconhecimento inequívoco de que o governo está represando preços e tarifas, as ineptas explicações do ministro-chefe da Casa Civil foram prontamente repelidas pelo ministro da Fazenda. Guido Mantega continua acreditando que, nessa questão, ainda há muito espaço para insistir na negação. Não vê razão para já passar à fase de racionalização.
O que, sim, já não pode ser negado é o gritante despreparo com o que o país terá de enfrentar o desafio de sediar a Copa do Mundo dentro de três semanas. Alarmado com a precariedade da infraestrutura, o secretário-geral da Fifa, Jérome Valcke, achou prudente alertar torcedores estrangeiros que pretendem vir ao Brasil. “Não apareça pensando que é fácil se locomover.’’ Foi o que bastou para que o ex-presidente Lula se mobilizasse. E oferecesse uma racionalização completamente estapafúrdia para o fato de que a tão prometida infraestrutura de transporte de massa que estaria acoplada aos estádios não será entregue. “Brasileiro nunca teve problema’’ para chegar aos estádios, arguiu Lula. “Vai a pé, descalço, de bicicleta, de jumento, de qualquer coisa. Mas o que a gente está preocupado é que tem que ter metrô, tem que ir até dentro do estádio? Que babaquice é essa?” (“Folha de S.Paulo’’, 17 de maio).
É bem provável que Lula considere tal “argumento” um achado. Afinal, pode ser reaplicado a toda e qualquer deficiência que venha a ser cobrada do governo. No âmbito da Copa, serviria também para justificar por que os aeroportos não estarão prontos, os estádios não terão rede adequada de internet móvel e os jornalistas estrangeiros não contarão com condições apropriadas de trabalho.
Muito pior ainda será se o mesmo “argumento” vier a ser aplicado a outras mazelas bem mais sérias que as da Copa. Querer inflação na meta, realismo na gestão dos preços administrados, credibilidade nas contas públicas, oferta confiável de energia elétrica e uma economia que cresça a taxas menos pífias? “Que babaquice é essa?”
Dentro de duas semanas, o país estará a exatos quatro meses das eleições. No Planalto, a fantasia de que o término do mandato seria marcado por um grand finale foi abandonada há muito tempo. O governo já não alimenta ilusões. Está perfeitamente consciente de que tem uma travessia muito difícil pela frente. Dar-se-á por satisfeito se, nessa reta final, puder continuar avançando aos trancos e barrancos até a linha de chegada, sem que as coisas fujam ao controle em áreas mais problemáticas. Além de torcer para que a Copa não enseje um turbilhão de inquietação social, a presidente reza a cada dia para que os céus não a obriguem a impor um racionamento de energia elétrica em meio à campanha eleitoral.
Tendo em vista as evidências cada vez mais contundentes de deficiência na atuação do governo em várias áreas, o Planalto parece ter dado sinal verde para que seus porta-vozes passem da fase de negação à de racionalização. Mas explicar o inexplicável não tem sido fácil, como bem ilustram esforços recentes de dois porta-vozes de alto coturno.
Em longa e belicosa entrevista concedida à “Folha de S.Paulo’’ em 14 de maio (disponível, na íntegra, em folha.com/no1453855), o ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, fez o que pôde para racionalizar aspectos especialmente indefensáveis da política econômica do governo. Sem sucesso. Os pontos altos foram a denúncia da existência no país de uma “campanha pró-inflação’’, promovida por “quem tem interesse em aumentar a taxa de juros’’, e a racionalização do represamento de preços e tarifas controlados pelo governo. Uma pérola. “Deixa eu dizer uma coisa, preços administrados são preços administrados. Porque o conceito é este, você administra em função do interesse estratégico da economia, dos consumidores...” E, mais adiante: “preços administrados são administrados em função do esforço de fazer uma política anticíclica’’. Afirmação que só faria algum sentido se fosse alusão, em ato falho, ao ciclo eleitoral, que é o que, de fato, explica o represamento.
Entendidas como reconhecimento inequívoco de que o governo está represando preços e tarifas, as ineptas explicações do ministro-chefe da Casa Civil foram prontamente repelidas pelo ministro da Fazenda. Guido Mantega continua acreditando que, nessa questão, ainda há muito espaço para insistir na negação. Não vê razão para já passar à fase de racionalização.
O que, sim, já não pode ser negado é o gritante despreparo com o que o país terá de enfrentar o desafio de sediar a Copa do Mundo dentro de três semanas. Alarmado com a precariedade da infraestrutura, o secretário-geral da Fifa, Jérome Valcke, achou prudente alertar torcedores estrangeiros que pretendem vir ao Brasil. “Não apareça pensando que é fácil se locomover.’’ Foi o que bastou para que o ex-presidente Lula se mobilizasse. E oferecesse uma racionalização completamente estapafúrdia para o fato de que a tão prometida infraestrutura de transporte de massa que estaria acoplada aos estádios não será entregue. “Brasileiro nunca teve problema’’ para chegar aos estádios, arguiu Lula. “Vai a pé, descalço, de bicicleta, de jumento, de qualquer coisa. Mas o que a gente está preocupado é que tem que ter metrô, tem que ir até dentro do estádio? Que babaquice é essa?” (“Folha de S.Paulo’’, 17 de maio).
É bem provável que Lula considere tal “argumento” um achado. Afinal, pode ser reaplicado a toda e qualquer deficiência que venha a ser cobrada do governo. No âmbito da Copa, serviria também para justificar por que os aeroportos não estarão prontos, os estádios não terão rede adequada de internet móvel e os jornalistas estrangeiros não contarão com condições apropriadas de trabalho.
Muito pior ainda será se o mesmo “argumento” vier a ser aplicado a outras mazelas bem mais sérias que as da Copa. Querer inflação na meta, realismo na gestão dos preços administrados, credibilidade nas contas públicas, oferta confiável de energia elétrica e uma economia que cresça a taxas menos pífias? “Que babaquice é essa?”
24 de maio de 2014
Rogério Furquim Werneck, O Globo
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