A partir da segunda metade dos anos 1980, o governo brasileiro adotou planos econômicos para conter a forte aceleração inflacionária.
Seu êxito foi apenas parcial, mas evitaram a hiperinflação e a ruptura do padrão monetário. Nesses planos, além de congelar preços de bens e serviços, o governo alterou as regras de praticamente todos os contratos da economia.
Isso afetou salários, aluguéis e várias outras obrigações financeiras. Também foram alteradas as regras de correção monetária do setor imobiliário: as cadernetas de poupança e os empréstimos para aquisição da casa própria, que eram financiados com os recursos da poupança.
Passados muitos anos, na década de 1990, alguns detentores de cadernetas de poupança ingressaram com ações na Justiça, alegando que sofreram perdas em função das mudanças nas regras de correção das cadernetas, responsabilizando os bancos por essas supostas perdas.
É sobre estas questões que o Supremo Tribunal Federal deverá tomar uma decisão na próxima semana. A nossa expectativa é que seja feita justiça, o que, em nossa opinião, significa decidir favoravelmente aos bancos. Por quê?
Primeiro, porque os bancos apenas cumpriram rigorosamente a legislação da época e não tinham outra opção. Resoluções do Banco Central, previamente autorizadas por leis aprovadas pelo Congresso, estabeleceram índices e determinaram o mês de sua aplicação. Não parece justo que os bancos venham a ser condenados por cumprirem o que impunha a lei.
Segundo, os bancos não lucraram com os planos econômicos. Sua lucratividade nos anos em que foram editados os planos econômicos foi menor do que a média das décadas de 1980 e 1990. As mesmas regras aplicadas às cadernetas o foram também aos empréstimos habitacionais. Se a mudança dos índices tiver proporcionado ganho a alguém, seria àqueles que tinham financiamentos imobiliários à época.
Terceiro, a maioria dos poupadores não perdeu. A alegada perda reclamada por alguns portadores de caderneta refere-se somente ao mês de introdução de cada plano de estabilização. As mudanças nas regras faziam com que, no mês de sua introdução, o índice de correção ficasse anomalamente alto; e anomalamente baixo nos meses subsequentes. Do ponto de vista econômico, perdas ou ganhos nas circunstâncias de um plano de estabilidade não podem ser avaliados pelo resultado de um só mês, principalmente se tiver sido este distorcido pela mudança.
O Ministério da Fazenda fez estudo comparando o índice antigo com o novo num período de quatro meses, demonstrando que o menor ajuste no mês de edição do plano foi mais do que compensado por correções maiores nos meses seguintes. Quem não sacou os recursos da poupança no mês do plano, que é o caso da maioria das pessoas, não teve perda.
Quarto, do ponto de vista da equidade, não seria justo tratar os poupadores diferentemente dos demais agentes econômicos. Como mencionado, também os preços, salários e aluguéis foram temporariamente congelados e tiveram suas regras de correção alteradas.
Uma decisão contrária aos bancos poderá gerar sérias repercussões macroeconômicas, afetando todos os brasileiros com um impacto negativo no crescimento do PIB. Mais da metade da conta teria de ser paga pelos bancos de propriedade do próprio governo, isto é, por toda a população. Esses riscos levaram ex-ministros da Fazenda e ex-presidentes do Banco Central a externar sua preocupação ao STF, numa carta inédita em nossa história.
26 de maio de 2014
Murilo Portugal, Folha de SP
Seu êxito foi apenas parcial, mas evitaram a hiperinflação e a ruptura do padrão monetário. Nesses planos, além de congelar preços de bens e serviços, o governo alterou as regras de praticamente todos os contratos da economia.
Isso afetou salários, aluguéis e várias outras obrigações financeiras. Também foram alteradas as regras de correção monetária do setor imobiliário: as cadernetas de poupança e os empréstimos para aquisição da casa própria, que eram financiados com os recursos da poupança.
Passados muitos anos, na década de 1990, alguns detentores de cadernetas de poupança ingressaram com ações na Justiça, alegando que sofreram perdas em função das mudanças nas regras de correção das cadernetas, responsabilizando os bancos por essas supostas perdas.
É sobre estas questões que o Supremo Tribunal Federal deverá tomar uma decisão na próxima semana. A nossa expectativa é que seja feita justiça, o que, em nossa opinião, significa decidir favoravelmente aos bancos. Por quê?
Primeiro, porque os bancos apenas cumpriram rigorosamente a legislação da época e não tinham outra opção. Resoluções do Banco Central, previamente autorizadas por leis aprovadas pelo Congresso, estabeleceram índices e determinaram o mês de sua aplicação. Não parece justo que os bancos venham a ser condenados por cumprirem o que impunha a lei.
Segundo, os bancos não lucraram com os planos econômicos. Sua lucratividade nos anos em que foram editados os planos econômicos foi menor do que a média das décadas de 1980 e 1990. As mesmas regras aplicadas às cadernetas o foram também aos empréstimos habitacionais. Se a mudança dos índices tiver proporcionado ganho a alguém, seria àqueles que tinham financiamentos imobiliários à época.
Terceiro, a maioria dos poupadores não perdeu. A alegada perda reclamada por alguns portadores de caderneta refere-se somente ao mês de introdução de cada plano de estabilização. As mudanças nas regras faziam com que, no mês de sua introdução, o índice de correção ficasse anomalamente alto; e anomalamente baixo nos meses subsequentes. Do ponto de vista econômico, perdas ou ganhos nas circunstâncias de um plano de estabilidade não podem ser avaliados pelo resultado de um só mês, principalmente se tiver sido este distorcido pela mudança.
O Ministério da Fazenda fez estudo comparando o índice antigo com o novo num período de quatro meses, demonstrando que o menor ajuste no mês de edição do plano foi mais do que compensado por correções maiores nos meses seguintes. Quem não sacou os recursos da poupança no mês do plano, que é o caso da maioria das pessoas, não teve perda.
Quarto, do ponto de vista da equidade, não seria justo tratar os poupadores diferentemente dos demais agentes econômicos. Como mencionado, também os preços, salários e aluguéis foram temporariamente congelados e tiveram suas regras de correção alteradas.
Uma decisão contrária aos bancos poderá gerar sérias repercussões macroeconômicas, afetando todos os brasileiros com um impacto negativo no crescimento do PIB. Mais da metade da conta teria de ser paga pelos bancos de propriedade do próprio governo, isto é, por toda a população. Esses riscos levaram ex-ministros da Fazenda e ex-presidentes do Banco Central a externar sua preocupação ao STF, numa carta inédita em nossa história.
26 de maio de 2014
Murilo Portugal, Folha de SP
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