"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

segunda-feira, 26 de maio de 2014

A COPA NA BALANÇA

Colocados em seus reais e devidos termos, os gastos governamentais com a Copa do Mundo se revelam menos significativos do que se tem imaginado. Correspondem, segundo reportagem desta Folha, a cerca de um mês (9%) do que se despende para custear a educação.

União, Estados e municípios canalizam anualmente R$ 280 bilhões para a escola pública. É de R$ 25,8 bilhões o investimento no Mundial –cabendo ainda lembrar que está previsto o reembolso, ao erário, do que se gastou na construção de estádios e outras obras.

Feitas as contas, surge como inegavelmente exagerada a opinião corrente de que o governo poderia usar o dinheiro aplicado em sedes esportivas para resolver o problema da educação no país.

Essa comparação não diz tudo. Os R$ 25,8 bilhões que se desembolsam com o campeonato quase equivalem, por outro lado, à maior obra de infraestrutura do governo, a usina hidrelétrica de Belo Monte, orçada em R$ 30 bilhões.

Relativamente pequeno e, ao mesmo tempo, desproporcional, o investimento realizado com a Copa pode ainda ser avaliado segundo o seu retorno futuro: erigem-se pelo país arenas capazes de abrigar dezenas de milhares de pessoas, quando alguns torneios regionais têm público médio ínfimo.

Do balanço dessas constatações alternativas pode-se tirar conclusão consternadora. Se, comparado a outros investimentos em obras públicas, o gasto com a Copa é elevadíssimo, isso se deve ao fato de que o próprio Orçamento tem reservado uma parcela muito pequena do total para a infraestrutura.

Dada a enorme quantia que o Estado desembolsa com juros da dívida pública (cerca de R$ 270 bilhões) e Previdência (perto de R$ 390 bilhões), para nada dizer dos notórios desperdícios com a máquina administrativa, surgem de certa forma diminutos os recursos lançados nos estádios.

Cálculos desse tipo são importantes para reavaliar o sentimento geral de que os problemas do investimento público no Brasil seriam de fácil solução. Nem por isso os protestos contra a Copa deixam de ter motivos, ainda que se baseiem numa matemática simplista.

É que representam, em parte, uma reação contra a mística de que o país está pronto para ingressar no Primeiro Mundo, ou, no uso de vocabulário mais atualizado, a seguir o "padrão Fifa" no atendimento das necessidades da população.

Salta aos olhos o contraste entre o mundo real e as ilusões da Copa do Mundo –alimentadas pela retórica do governo. O qual, ainda uma vez, adia as reformas imprescindíveis, nas áreas previdenciária e fiscal, capazes de dissipar em definitivo os paradoxos –e os descontentamentos– que os números do Orçamento revelam.

 
26 de maio de 2014
Editorial Folha de SP

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