A irresponsabilidade ditou todos os atos praticados pelos motoristas e cobradores que, ao que tudo indica, integram um numeroso grupo que se opõe à diretoria do sindicato da categoria e acha insuficiente o reajuste salarial de 10% constante de acordo assinado com as empresas do setor.
Mas que sejam dissidentes ou não, pouco importa. O que conta é o caráter criminoso de seu comportamento.
Contrariando uma regra elementar em casos como esse, eles não comunicaram previamente às autoridades e à população a paralisação, que atingiu 16 dos 28 terminais de ônibus e 250 linhas que servem as mais diferentes regiões da cidade. Todos foram pegos de surpresa. E a coisa não parou aí, foi muito mais longe.
Também ao contrário do que acontece nas greves, os ônibus das empresas afetadas - que detêm 62% da frota - não foram deixados nas garagens. Foram levados para as ruas, como se fosse um dia normal de trabalho, e a partir das 9h30 os motoristas e cobradores os pararam, colocaram para fora os passageiros - abandonados no meio do caminho - e em seguida os estacionaram, aos milhares, em filas intermináveis, ao longo de ruas, avenidas, pontes e viadutos. Outros foram atravessados em vias públicas para bloqueá-las totalmente. E, para dificultar uma possível remoção dos veículos, eles tiveram pneus furados ou esvaziados.
Não há exagero, portanto, em dizer que os "grevistas" agiram deliberadamente para prejudicar tanto quanto possível os passageiros de ônibus, obrigados a completar seus percursos a pé ou - os que tiveram sorte - em metrô e trens ainda mais lotados que o normal, e os usuários de carros, que ficaram presos em enormes congestionamentos.
A gravidade dessa situação e os sofrimentos que ela impôs aos paulistanos tornam especialmente condenável a atitude adotada diante dela pelas autoridades de segurança pública. Se são discutíveis - porque por trás disso certamente estão motivações políticas - a acusação de "sabotagem" feita pelo prefeito Fernando Haddad aos "grevistas" e a intenção manifestada por ele de acionar a Polícia Federal para cuidar do caso, pois ela nada tem a ver com isso, o mesmo não se aplica ao que disse seu secretário de Transporte, Jilmar Tatto, sobre o comportamento da Polícia Militar (PM).
Segundo ele, a PM adotou uma atitude de "passividade" diante dos ônibus estacionados nas ruas de forma a prejudicar ou mesmo impedir a circulação. Se a polícia tivesse agido prontamente, disse ele, teria desencorajado a continuação dessa prática.
Não há como negar que a acusação procede. Por isso, é inaceitável a resposta da Secretaria da Segurança Pública de que a acusação de Tatto é um "escárnio". Escárnio é essa resposta.
Mais lamentável ainda, por causa de sua alta posição, foi a declaração do governador Geraldo Alckmin de que essa greve é um assunto municipal, estando a solução do problema fora da alçada do Estado.
A PM tinha, sim, de intervir com o rigor exigido pela situação e promover, pelos meios adequados, a retirada dos ônibus das ruas. A grave situação vivida pela cidade exigia que ela fosse colocada acima de disputas políticas.
Foi um claro problema de atentado à ordem pública, e é de perguntar se as autoridades que não percebem isso podem mesmo ocupar os cargos que ocupam.
Ontem houve um recuo do governo estadual, que mandou a Polícia Civil abrir inquérito sobre o caso e determinou à PM que reforce o policiamento nos terminais de ônibus. Mas infelizmente isso ainda é pouco diante da gravidade da situação.
23 de maio de 2014
Editorial O Estadão
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