Para não se dizer que a ida do ex-presidente da Petrobras José Sérgio Gabrielli, terça-feira, à CPI chapa branca da Petrobras montada pela base do governo no Senado foi uma previsível perda de tempo, ao menos serviu para mostrar como o governo pretende evitar os aspectos centrais da crise em que se encontra a estatal, de que a compra da refinaria de Pasadena é apenas um aspecto.
O script ensaiado por Gabrielli para uma plateia amigável deverá ser seguido pelos governistas na outra CPI, mista, composta por senadores e deputados, cuja instalação o presidente do Congresso, senador Renan Calheiros (PMDB-AL), tenta adiar ao máximo. Isso porque a base aliada de deputados não é tão obediente ao Planalto quanto a de senadores.
A ida de Gabrielli ao Senado serviu, ainda, para que o ex-presidente da empresa — em cuja administração ocorreram os problemas que levaram a oposição a lutar pela CPI — tentasse suturar as feridas da sua afronta à presidente da República, quando cobrou dela que assumisse responsabilidades na aquisição da refinaria americana. Elogiou a competência de Dilma Rousseff e, numa manobra de contorcionismo, ressaltou a responsabilidade de todos no conselho de administração da empresa, presidido à época da operação por Dilma, pela compra da unidade.
Tenta-se esquecer que a presidente da República garantiu que não aprovaria aquele negócio se soubesse de cláusulas contratuais omitidas no relatório executivo enviado ao conselho sobre a operação. Assim como procura-se apagar da memória deste caso que a presidente atual da empresa, Graça Foster, ao comparecer a primeira vez ao Congresso, confirmou que foi “mau negócio” a compra, e ainda revelou que a empresa teve de assumir, na sua contabilidade, um prejuízo de meio bilhão de dólares devido a Pasadena.
O testemunho de Gabrielli a cordatos senadores prova que está em curso no PT, há algum tempo, uma tentativa de unificação do discurso sobre a Petrobras, ao qual, em parte, Graça Foster já aderiu. Segundo ele, Pasadena foi um negócio ruim no início, mas que melhora com o tempo; que apontar desmandos na empresa é parte de um plano de inimigos da Petrobras, entre eles especuladores de bolsa etc.
A favor da transparência dos fatos, espera-se que a CPI mista produza algo substantivo e, principalmente, as investigações da Polícia Federal (Operação Lava-Jato) avancem para se conhecer as atividades extracurriculares do ex-diretor da empresa Paulo Roberto Costa, libertado há pouco de prisão preventiva, personagem ligado, entre outros, ao aberrante projeto da refinaria Abreu e Lima, cujo orçamento inicial, de US$ 1,8 bilhão foi, no mínimo, multiplicado por dez.
Apanhado pela PF num esquema de lavagem de dinheiro do doleiro Alberto Youssef, Costa pode ser a senha que ajude a decifrar os reais motivos de tantos indícios de superfaturamento nos últimos anos em operações da Petrobras.
23 de maio de 2014
Editorial O Globo
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