"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

IBGE PRODUZ PEÇA DE PROPAGANDA ELEITORAL

                     
          Artigos - Governo do PT 
Antecipando-se à campanha eleitoral de 2014, instituto transforma o estudo dos indicadores sociais numa defesa escancarada da Era Lula e do Programa Bolsa-Família.
O corte justamente a partir de 2002 tem claramente um viés político, como se a melhoria de indicadores sociais – algo de evolução lenta e precisão difícil – fosse regida pelo calendário das urnas.

A edição brasileira do jornal “El País”, que começou mais governista do que diário oficial, estreou com uma vergonhosa entrevista da presidente Dilma Rousseff, no dia 26 de novembro, da qual só se salva a foto de autoria de Uly Martín, por sinal, de arquivo. Com um olhar desafiador, a presidente forma um círculo com o dedo médio sobre o polegar e, como se fora um Justo Veríssimo de saias, manda o povo brasileiro para aquele lugar impublicável.
Mas essa foto “punk” nada tem a ver com a entrevista “pink”, em que o diretor do “El País”, Javier Moreno, de forma rastejante, faz o papel de assessor de imprensa e, como se fosse mero lacaio do Planalto, não só chama Dilma Rousseff de “presidenta” e tece loas aos governos petistas, como se esforça por tornar compreensível a própria Dilma, ao traduzi-la para o vernáculo.

É claro que, mesmo para o “El País”, um dos mais conceituados jornais do mundo, não é fácil bajular a presidente Dilma Rousseff a ponto de torná-la inteligível. Depois dos primeiros dois terços de entrevista, o editor vai perdendo o fôlego de copidesque e a verdadeira Dilma se revela.
Ao tratar da espionagem norte-americana, Dilma se confunde com a nação e se declara soberana: “Uma relação como a do Brasil e dos Estados Unidos, que os dois países querem que seja estratégica, não pode ter como característica uma violação nem dos direitos civis da minha população nem da minha soberania”.
Parece pouca coisa, mas é inadmissível a presidente acreditar que a soberania prevista na Constituição é imanente à sua pessoa e não à nação. Um adulto alfabetizado que não sabe disso não pode nem mesmo ser síndico de prédio, pois corre o risco de burlar a soberania das assembleias de condôminos.

Bastante à vontade diante do vexatório papel do “El País”, Dilma Rousseff, depois de vender as maravilhas de seu governo ao jornal espanhol, fez uma revelação na entrevista: “Esta semana resolveram reavaliar o PIB. E o PIB do ano passado, que era 0,9%, passou para 1,5%. Nós sabíamos que não era 0,9%, que estava subestimado o PIB. Isso acontece com outros países também.

Os Estados Unidos sempre revisam seu PIB. Agora nós neste ano vamos crescer bem mais do que 1,5% – resta saber quanto acima”. Tão logo a declaração de Dilma foi publicada, a imprensa correu atrás da confirmação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), órgão responsável pela apuração e consolidação do PIB.
Na ocasião, o IBGE não quis adiantar os números da revisão e limitou-se a informar que no dia 3 de dezembro iria divulgar, além dos resultados do terceiro trimestre, eventuais revisões no PIB, que, em 2012, teve uma redução de 0,3%, o pior resultado desde 2009.

Como Brasília ainda não é Buenos Aires, muito menos Caracas, os índices declarados por Dilma Rousseff ao “El País” não se confirmaram, numa prova de que os órgãos do governo ainda têm alguma autonomia técnica.

Na terça-feira, 3, o IBGE anunciou que houve, de fato, uma revisão do PIB, mas seu crescimento não foi de 1,5%, como havia dito a presidente, e, sim, de 1%, apenas um décimo porcentual a mais do que o índice de 0,9% anteriormente constatado. Já a expansão do PIB no segundo trimestre foi mais expressiva após a revisão, passando de 1,5% para 1,8%.
Além disso, o IBGE anunciou que está fazendo alterações na metodologia de cálculo do PIB e que as revisões definitivas devem ser divulgadas no final de 2014 (ano eleitoral) ou no início de 2015 (ano da inevitável quebradeira pós-Copa).

Manipulando índices econômicos

 Um dia antes desse anúncio do IBGE, o ministro da Fazenda, Guido Mantega (provavelmente um dos piores titulares que já passaram pela pasta na história do Brasil), fez a seguinte declaração: “O crescimento do PIB no terceiro trimestre [deste ano] sobre o terceiro trimestre de 2012 está projetado em 2,5 por cento”.
Essa afirmação do ministro reforça a tentativa de ingerência política no cálculo do PIB já manifestada por sua chefe ao “El País”.
A definição do PIB pelo IBGE é coisa séria. O cálculo do PIB não é apenas uma descrição matemática dos fatos econômicos – dele decorrem consequências políticas e jurídicas. O repasse de verbas para Estados e municípios, por exemplo, depende de critérios que envolvem renda per capita, que, por sua vez, envolve o PIB.

Portanto, o desejável é que nem a presidente da República nem o seu ministro da Fazenda metam o bedelho no cálculo do PIB. Quando Guido Mantega antecipa um novo crescimento do PIB no trimestre, antes mesmo que ele tenha sido oficialmente anunciado, fica a impressão de que o ministro da Fazenda determinou ao IBGE que lhe produza um PIB de encomenda e que suas especulações antecipadas a respeito do assunto são uma tentativa de disfarçar a ingerência política nos índices econômicos.
O mercado não gostou das declarações da presidente Dilma Rousseff sobre a revisão e crescimento do PIB. E com razão: nos países bolivarianos da América Latina, especialmente na Argentina de Cristina Kirchner e na Venezuela de Chávez & Maduro, os índices econômicos, inclusive a inflação, são claramente manipulados para satisfazer objetivos políticos.

O Brasil provavelmente não chegará a tanto, mas seus órgãos técnicos não estão totalmente imunes a desvirtuamentos políticos. Prova disso é a “Síntese dos Indicadores Sociais 2013”, divulgada na semana passada pelo IBGE. Essa série de estudos teve início ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, por recomendação da ONU.
Na sessão de 29 de fevereiro de 1997, a Comissão de Estatística da ONU aprovou a adoção, por parte dos países-membros, de um conjunto de indicadores sociais para compor uma base de dados nacionais mínima, capaz de possibilitar o acompanhamento técnico de programas sociais.
Surgia, assim, a Síntese dos Indicadores Sociais do IBGE, publicada pela primeira vez em 1999, ainda no governo tucano, e elaborada a partir da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), que abrange todo o território nacional.

O IBGE cruza os dados dessa fonte básica de informação com dados de suas outras pesquisas sobre emprego, orçamentos familiares e situação dos municípios, por exemplo. E também recorre a dados externos, sobretudo do MEC e do Ministério da Saúde. O resultado é praticamente um livro, majoritariamente composto por gráficos e tabelas, mas também recheado de análises e comentários técnicos.
A Síntese dos Indicadores Sociais de 2013 do IBGE tem 266 páginas e traz indicadores sociais sobre aspectos demográficos da população brasileira, como taxas de mortalidade e fecundidade, arranjos familiares, domicílios, educação, saúde, trabalho e rendimento.
Também trata de grupos populacionais específicos, como crianças, jovens, idosos e mulheres, e aborda desigualdades raciais e de gênero, já mencionadas na recomendação da ONU sobre os indicadores sociais mínimos.

Calendário das urnas no IBGE

 A despeito desse esmero técnico, a “Síntese dos Indicadores Sociais 2013” não consegue esconder seu viés político. Na introdução do documento, o IBGE afirma: “Entre 2002 e 2012, a sociedade brasileira passou por mudanças que produziram impactos significativos sobre as condições de vida da população.
Por um lado, o dinamismo do mercado de trabalho se traduziu no crescimento da população ocupada e na formalização das relações de trabalho, onde um contingente maior de trabalhadores passou a contar com uma série de direitos e benefícios vinculados à posse da carteira de trabalho.
Da mesma forma, o crescimento real do rendimento do trabalho ampliou não apenas o acesso de mais trabalhadores ao mercado de consumo, como também reduziu os diferenciais de rendimento de trabalho”. O IBGE destaca, ainda, “o papel desempenhado pelo salário mínimo, cuja valorização neste período permitiu a ampliação do poder de compra dos trabalhadores”.

O que primeiro chama a atenção nesse texto é o período a que se refere – “entre 2002 e 2012” –, que remete justamente aos dois governos de Luiz Inácio Lula da Silva e à primeira metade do governo Dilma, ou seja, aos governos do PT.
Alguém pode imaginar que a escolha do período não passa de uma coincidência, por se tratar de um decênio. Mas a “Síntese dos Indicadores Sociais” não é decenal como o Censo, portanto, seria mais natural estabelecer comparações com suas edições anteriores, como a de 2012, a de 2010, a de 2009, a de 2007, etc.
Se fosse para falar de decênio, então que se usassem os referenciais exatos: década de 1990, década de 2000 etc. O corte justamente a partir de 2002 tem claramente um viés político, como se a melhoria de indicadores sociais – algo de evolução lenta e precisão difícil – fosse regida pelo calendário das urnas.

Compulsando virtualmente edições anteriores da “Síntese dos Indicadores Sociais”, constata-se que esse tipo de reflexão, em moldes claramente políticos, tem tudo para ser inédito. As primeiras “Sínteses”, ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, eram sóbrios conjuntos de tabelas acompanhados de notas técnicas.
Posteriormente, no governo Lula, elas foram transformadas em livros, com análises mais rebuscadas. Mas as introduções das “Sínteses” dos anos anteriores são estritamente técnicas: elas explicam a importância dos bancos de dados estatísticos para os Estados nacionais, baseando-se na recomendação da ONU, e discutem aspectos históricos ou metodológicos desse gênero de estudos. Já a introdução da “Síntese dos Indicadores Sociais 2013” é uma anomalia.
Creio que, como se trata da última edição desse estudo antes das eleições de 2014, o IBGE foi obrigado a antecipar o horário eleitoral gratuito, transformando a “Síntese 2013” numa peça de propaganda política.

Um crime de lesa-ciência

Quando afirma que, “entre 2002 e 2012, a sociedade brasileira passou por mudanças que produziram impactos significativos sobre as condições de vida da população”, o IBGE simplesmente está cometendo crime de lesa-ciência.
O impacto mais significativo sobre as condições de vida da população brasileira – especialmente sobre as condições de vida da população mais pobre – continua sendo o fim da inflação.
Que não ocorreu entre 2002 e 2012 e, sim, em 1994, com a adoção do Plano Real, liderado pelo sociólogo Fernando Henrique Cardoso, então ministro da Fazenda do presidente Itamar Franco.
Nada corroía mais o poder aquisitivo do trabalhador do que a inflação desenfreada. A inflação reduzia a vida das famílias pobres a uma luta diária pela sobrevivência. Não era possível pensar nada a longo prazo. Tudo se resumia a disputar preços com remarcadores nos supermercados.


Dilma Rousseff: politizando até os indicadores técnicos, como o PIB


O IBGE vai mais longe e não se peja de fazer propaganda explícita do Programa Bolsa-Família, criado pelo então presidente Lula, que confessadamente se inspirou no Programa Renda Cidadã do governador de Goiás, Marconi Perillo, do PSDB.
Eis o que afirma o IBGE, como se a “Síntese 2013” fosse para ser lida no horário eleitoral gratuito: “A criação, ampliação e consolidação de um conjunto de políticas de transferência de renda voltadas para segmentos da população historicamente excluídos de medidas protetivas por parte do Estado contribuiu também para a redução nos indicadores de desigualdade de rendimento, acesso a programas e serviços de saúde na área de atenção básica e frequência escolar. A ampliação do ensino obrigatório para crianças de 4 a 17 anos de idade, prevista na legislação vigente, renova os desafios de superação dos gargalos reconhecidos, como o acesso à educação infantil e ao ensino médio”.

Na expressão “historicamente excluídos”, percebe-se Lula falando pela boca do IBGE: “Nunca antes na história deste País...” Pelo menos desde Getúlio Vargas, o Estado brasileiro demonstra grande preocupação com os excluídos.

Da carteira de trabalho ao seguro-desemprego, passando por instituições como Cohab (habitação) e Cobal (alimentos), o Estado sempre se preocupou com os pobres. Se essa preocupação dá resultados ou não é outra história, mas que ela existe, não há dúvida. A maioria dos políticos costuma dizer que trabalha para os pobres, pois os ricos não precisam do Estado.
E é verdade. Mesmo quando um político pratica corrupção, ele o faz no bojo de obras ou políticas públicas voltadas para os mais pobres. Por incrível que pareça, o único político que fez questão de alardear ter trabalhado para os ricos foi o próprio Lula, ao admitir que os bancos nunca lucraram tanto como em seu governo e ao transformar o BNDES no provedor da Bolsa-Empresário.

Progressiva estatização da mendicância

 De acordo com o último relatório de gestão consolidado do Programa Bolsa Família, publicado em março de 2012 e que traz os dados relativos a 2011, em oito anos de existência, “o Bolsa Família expandiu-se, tornando-se um dos programas sociais de maior cobertura na rede de proteção social brasileira”.
O ufanismo da frase anterior é justificado pela frase seguinte, também extraída literalmente do relatório oficial do programa: “Saltou de 3,6 milhões de famílias beneficiárias, em 2003, para 13,3 milhões em dezembro de 2011”. Esse número é superior à meta de 12,9 milhões de famílias que havia sido fixada no Plano Plurianual 2008-2011.
E o número de famílias beneficiadas pelo Bolsa-Família continua crescendo: no último mês de novembro, segundo dados oficiais do Ministério do Desenvol-vimento Social, foram 13.830.095 famílias beneficiadas, que receberam um total de R$ 2,109 bilhões em benefícios. Somente nos 23 últimos meses, 468.592 famílias foram incorporadas ao programa, ou seja, quase meio milhão de famílias.

Se considerarmos uma média de quatro pessoas por família atendida, chega-se à conclusão de que o Programa Bolsa-Família beneficia, no mínimo, 55 milhões de brasileiros, mais de um quarto da população do País.
Notem que esse número é expressivamente superior os 40 milhões de brasileiros que o governo Lula, com a varinha de condão estatística da Fundação Getúlio Vargas, diz ter transformado na “nova classe média” – a maior mentira oficial de toda a história do Brasil, apesar de referenda por uma das maiores universidades do País.
Diante desses escandalosos dados oficiais, não há razão para o IBGE se ufanar das políticas de transferência de renda do governo federal, atribuindo a elas “a redução nos indicadores de desigualdade de rendimento, o acesso a programas e serviços de saúde na área de atenção básica e a frequência escolar”.
Ao contrário do que diz o IBGE, isso nada tem a ver com redução sustentável da desigualdade – é apenas a progressiva estatização da mendicância.

Na equipe que coordenou a “Síntese dos Indicadores Sociais 2013” do IBGE, não deve haver nenhum economista liberal. Devem ser todos keynesianos ou marxistas, pois a fé no Estado, como salvador da humanidade, está presente a cada linha do documento. Exemplo disso é a análise que o IBGE faz da geração que ele próprio classificou de “nem-nem” – jovens de 15 a 29 anos que nem trabalham nem estudam e somam 19,6% nessa faixa etária.
O próprio IBGE destacou esse aspecto da pesquisa, alardeando-o na imprensa. E um dado que provocou verdadeira comoção nos jornais, norteando as manchetes do noticiário sobre a pesquisa, diz respeito às mulheres:
“A proporção de mulheres entre os que não estudavam e não trabalhavam foi crescente com a idade: 59,6% entre aqueles com 15 a 17 anos de idade, atingindo 76,9% entre as pessoas de 25 a 29 anos de idade”.

Os jornais quase derramaram lágrimas, acreditando, como o IBGE, que estavam diante da discriminação de gênero. Ocorre que tinham pelo menos um filho: 30% das mulheres de 15 a 17 anos de idade; 51,6% daquelas de 18 a 24 anos e 74,1% daquelas de 25 a 29 anos. Isso explica o alto porcentual de mulheres que não trabalham nem estudam nessa fase da vida.

Em sua maioria, elas fazem opção preferencial pelo filho por uma questão de bom senso, recorrendo ao conceito de vantagens comparativas ainda que intuitivamente. De que adianta trabalhar fora e gastar quase todo o salário com uma babá para cuidar do filho?
Ou negligenciar o rebento para frequentar uma escola de alta periculosidade, que mal consegue formar analfabetos funcionais? A despeito do feminismo, muitas mulheres querem ser mães. No México, 77% das jovens mexicanas nem estudam nem trabalham fora, preferindo criar família.

Mais grave do que não trabalhar nem estudar para cuidar do filho é não trabalhar e fingir que estuda apenas para eternizar uma esmola estatal. Mas não é o que pensa o IBGE, que replica em seus estudos o pensamento hegemônico nas universidades.
A “Síntese dos Indicadores Sociais 2013” foi produzida à luz da Emenda Consti-tucional nº 65, que transformou em crianças jovens maiores de 18 anos e resultou no Estatuto da Juventude, uma lei que considera totalmente dependentes da família, do Estado e da sociedade marmanjos de até 29 anos de idade.
Daí a explícita preocupação da pesquisa do IBGE com os adultos que se enquadram nessa faixa etária.
Como o artigo 227 da Constituição, transformado pela Emenda 65, igualou os jovens adultos às crianças de colo, a geração “nem-nem” criada pelo IBGE deixa de ser uma questão de vadiagem para se tornar um problema do Estado e da sociedade – transformados pela Constituição em babás de marmanjos.  



13 de dezembro de 2013
Publicado no
Jornal Opção.

José Maria e Silva é sociólogo e jornalista.

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