O que o caso Amarildo (RJ), os aviões teleguiados norte-americanos (drones), o caso Carandiru, a Rota (em seus momentos extremados) e os “tribunais” do PCC revelam em comum?
A política criminosa do extermínio! Que marca o lado degenerado da sociedade pós-moderna (pós-industrial) bem como do Brasil (com exceção dos aviões drones que ainda não temos).
Um processo irremediavelmente agudo de anomia e dilaceração do tecido social. A “política criminosa” de extermínio do inimigo nos faz retornar ao estado de natureza do filósofo Hobbes (Leviatã, cap. XIII), contestadíssimo pelas suas ideias absolutistas, mas cuja descrição (do estado de natureza) continua muito atual. Hobbes nasceu em Londres (1588) e acabou testemunhando a Guerra Civil Inglesa (princípio do século XVII), que culminou com a execução do rei Charles I. Elaborou uma das melhores descrições da selvageria primitiva (vivenciada ainda nos nossos dias pelos países mais violentos).
Hobbes dizia: “Há muitos lugares onde atualmente se vive assim [esse atualmente significa tanto 1651, quando seu livro foi publicado, como hoje, nos países exacerbadamente violentos, como o Brasil], porque os povos selvagens de muitos lugares da América [continente americano], com exceção do governo de pequenas famílias, cuja concórdia depende da concupiscência natural, não possuem nenhuma espécie de governo, e vivem nos nossos dias [em estado de natureza]” (Hobber, Leviatã, cap. XIII). Claro que houve progresso, os governos foram instalados, mas o grau de efetividade das suas leis na América Latina continua muito baixo (devastadora anomia e brutal ineficiência organizativa do Estado).
A vida filosófica de Hobbes (1588-1679) centrou-se, não por coincidência, em temas como paz, segurança, estado, guerra e ordem. A primeira paixão (ou ameaça) dos homens [seres humanos], num contexto bélico (guerra de todos contra todos), só pode ser o medo de morrer.
Sobretudo na América Latina, quase todo mundo vive com medo de morrer, de ser atacado, de ser vitimizado, injuriado, agredido, espoliado, expropriado. Especialmente nos deteriorados grandes centros urbanos (a nossa desorganizada urbanização – veja S. B. de Holanda, Raízes do Brasil – constitui uma das raízes do Brasil que não deu certo, ou seja, do Brasil degenerado).
Dentre tantas outras, duas teses de Hobbes se destacam:
(a) a da necessidade de um poder soberano (de um Estado, de uma República acima de todos e de tudo), indivisível e indiscutível, que significaria a submissão total e absoluta de todos os súditos [o exagero dessa tese é, por todos, notado];
(b) a da imprescindibilidade do Estado (da República, de leis, da força do Estado), porque sem Estado a lei da selva constitui o nosso destino. Durante o tempo em que os homens (seres humanos) vivem sem um poder comum (um Estado) capaz de mantê-los todos sob determinada ordem, “eles se encontram naquela condição a que se chama guerra; e uma guerra que é de todos os homens contra todos os homens” (“Bellum omnium contra omne”).
Os seres humanos necessitam de um temor respeitoso (que Hobbes busca no Estado soberano). Se temos medo de morrer (de sermos atacados, de sermos vitimizados), torna-se a preservação da vida a base da nossa existência (o eixo do nosso “contrato social”).
Para preservarem suas vidas (seu patrimônio, suas liberdades), os homens da era da pós-modernidade, em países ainda marcados pelo selvagerismo (esse é o caso do Brasil), forjaram um “estado generalizado de guerra” (não declarada), em que “todo homem [desconhecido] é inimigo de todo homem” (Hobbes, Leviatã, cap. XIII).
Em pleno século XXI, mesmo depois da revolução industrial, da revolução francesa, da revolução tecnológica e da revolução comunicacional, grande parcela dos habitantes da Terra vive a barbárie da “vida solitária, miserável, sórdida, brutal e curta”, que caracteriza o “estado de natureza” de Hobbes (Leviatã, cap. XIII).
Em plena pós-modernidade, muitos seres humanos continuam mais preocupados com a própria sobrevivência que com a convivência.
É quase que impossível imaginar a coexistência em uma sociedade sem que o Estado detenha o “monopólio legítimo da violência” (Max Weber).
O Estado, portanto, é imprescindível, mas o problema é que ele, frequentemente, é omisso, impotente, incapaz de cumprir suas tarefas mínimas, sem contar que também ele se revela muitas vezes excessivo (tirânico, autoritário, selvagem, violento).
Tanto a ausência de Estado (da República) como o Estado excessivo (abusivo, justiceiro, violento) nos leva ao “estado de natureza” (que gera a guerra de todos contra todos). Não só a ausência do Estado nos leva à selva do medo, também os seus excessos (os excessos dos seus agentes, especialmente dos agentes encarregados da segurança pública e da Justiça).
Se sem o Estado a selva e a barbárie são o nosso destino, com sua presença excessiva, torturante e mortífera (é a isso a que conduz a política criminosa do extermínio), chegamos ao mesmo resultado. Não é com selvagerismo, que faz parte do Brasil degenerado, que o nosso país vai um dia se transformar numa nação próspera respeitada mundialmente.
Diminuto é o tempo de paz (agrega Hobbes), porque em todo momento (nos países selvagens) não pensamos em outra coisa senão da nossa própria proteção, em clima de guerra (“Portanto, tudo aquilo que se infere de um tempo de guerra, em que todo homem é inimigo de todo homem, infere-se também do tempo durante o qual os homens vivem sem outra segurança senão a que lhes pode ser oferecida pela sua própria força e pela sua própria invenção” – Hobbes, Leviatã, cap. XIII).
11 de outubro de 2013
Luiz Flávio Gomes
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