"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2017

PASSOS À FRENTE

Era consensual, embora vaga, a ideia de que o escândalo da Petrobras superava qualquer outro caso de corrupção ocorrido no Brasil.

Agora, com o anúncio dos termos do acordo de leniência entre a Odebrecht e o Departamento de Justiça dos EUA, constata-se a dimensão inédita, mesmo no plano internacional, das irregularidades já conhecidas —e de muitas outras.

Em 2008, acordo semelhante levou a Siemens a pagar US$ 800 milhões a autoridades americanas e europeias. Um recorde que deve ser batido em breve, pois as compensações devidas pela Odebrecht podem atingir o triplo dessa quantia.

Revela-se que a rede de propinas tecida pela empreiteira e por sua subsidiária pertroquímica, a Braskem, espraiava-se por 12 países. No Brasil, foram US$ 599 milhões (R$ 1,9 bilhão no câmbio atual) destinados a servidores públicos, políticos e partidos.

Argentina (US$ 35 milhões), México (US$ 10,5 milhões), Peru (US$ 29 milhões) e Venezuela (US$ 98 milhões) são alguns dos países que conheceram operações do gênero.

Sistematiza-se assim, graças ao concurso de autoridades americanas, um cálculo que vinha sendo feito de forma fragmentada no Brasil, ao sabor de vazamentos e testemunhos ainda por confirmar.

É que, ao lado de alguns exemplos de precipitação acusatória, o conjunto das delações premiadas se faz sob segredo de Justiça. Foi também longo, ao inverso do que ocorre nos EUA, o processo de negociação dos ex-funcionários da Odebrecht com a Lava Jato.

Reconheça-se que a apuração criminal do envolvimento de políticos e executivos brasileiros não está no foco das preocupações americanas, o que impõe aos trâmites em Curitiba e em Brasília outro gênero de cuidados e salvaguardas.

Não resta dúvida, em todo caso, que ainda falta muito para que o Brasil disponha de técnica investigativa, de jurisprudência e de cultura institucional capazes de rivalizar com as dos Estados Unidos.

Seja como for, torna-se cada vez mais difícil que procedimentos escusos por parte de empresas venham a prosperar, tanto no ambiente externo como no interno.

Com suas ações negociadas em Nova York, a Braskem se vê submetida a regras de transparência e de lisura que os padrões brasileiros a haviam habituado a desconsiderar. Equaliza-se aos poucos, felizmente, a legislação internacional sobre acordos e delações.

O intercâmbio entre autoridades de diversos países conheceu avanços significativos. Diminui a tolerância com o que, algum tempo atrás, considerava-se prática usual. Num ano carente de boas notícias, não é exagero manifestar algum otimismo nesse campo.



19 de janeiro de 2017
Editorial Folha de SP

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