Liminar em São Paulo ignora contratos de concessão
As grandes manifestações de rua ocorridas no país em meados de 2013 mostraram que parcela expressiva dos brasileiros está insatisfeita com o óbvio: a baixa qualidade dos serviços públicos nas três esferas de poder (União, Estados e municípios). Os protestos começaram por causa de um reajuste de 6,7% na tarifa de ônibus de São Paulo, mas, nos dias seguintes, ganharam corpo, expandiram-se para outras capitais e passaram a tratar de outros temas - entre os quais, educação, segurança, saúde, a gestão do governo daquele momento (de Dilma Rousseff), reforma política, democracia, combate à corrupção.
As reações das autoridades aos protestos trouxeram mais riscos do que soluções aos anseios da população. Prefeitos e governadores, com medo de perder popularidade na mesma velocidade com que o então prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, e a presidente Dilma perderam por causa das manifestações, adotaram uma série de medidas populistas. Cancelaram reajustes de pedágios previstos em contratos de concessão, suspenderam aumentos da passagem de ônibus e até proibiram a correção de tarifas de energia elétrica.
As decisões trouxeram algum alívio político no curto prazo, mas criaram distorções que, no fundo, só contribuíram para piorar a qualidade dos serviços públicos. Na prática, esse tipo de deliberação está longe de ser uma solução porque introduz um desnecessário risco político nas concessões. São deliberações que certamente desestimulam, nos vários segmentos do setor de serviços, investimentos tanto do setor privado quanto do setor público. Quem vai investir num negócio cuja remuneração não segue regras previamente estabelecidas?
Mais recentemente, a Justiça passou a fazer deliberações que ignoram a existência de contratos. Foi assim no caso do reajuste das tarifas de integração da região metropolitana de São Paulo. Nos contratos de concessão firmados entre o governo de São Paulo e empresas de transporte intermunicipal estão previstos reajustes anuais das tarifas. Funciona assim em qualquer contrato de concessão e a razão da existência dessas cláusulas é uma só: o Brasil ainda tem uma inflação muito alta.
Em países com inflação baixa - realidade atual tanto de nações em desenvolvimento quanto das emergentes -, os reajustes dos preços não obedecem a regras de indexação dos contratos à inflação. Se a correção não é automática, todos buscam eficiência para tirar lucro de algum lugar. Outro aspecto relevante é que preços que variam de acordo com o valor de commodities, como o petróleo, mudam de acordo com as cotações internacionais - por aqui, pelo menos isso já está melhorando: na atual gestão, a Petrobras está alterando os preços dos combustíveis com base nas cotações do petróleo.
As tarifas de integração são pagas por passageiros de trem e metrô que usam ônibus da capital paulista. Em São Paulo, um passageiro pode percorrer 340 Km, por meio de seis linhas de metrô e seis de trem, ao custo de R$ 3,80. Se, além disso, subir num ônibus, ele precisa pagar a tarifa de integração. Foi esse preço que subiu. Antes, a tarifa básica, que não foi reajustada, somada à de integração chegava a R$ 5,92; com o reajuste, foi para R$ 6,80, uma correção, portanto, de 14,8%.
Por razões políticas, a bancada do PT na Assembleia Legislativa entrou na Justiça com uma ação popular contra o reajuste. O curioso é que ação popular cabe em casos de prejuízo ao erário. O juiz Paulo Furtado de Oliveira Filho decidiu conceder liminar a essa ação, suspendendo, na semana passada, o aumento da tarifa de integração entre ônibus e trilhos de São Paulo. Na última sexta-feira, o governo paulista recorreu para derrubar a liminar.
Nos últimos anos, e talvez o marco inicial desse fenômeno tenha sido o julgamento do escândalo do mensalão, o primeiro a colocar atrás das grades políticos e empresários envolvidos naquele caso de corrupção, a Justiça ganhou enorme protagonismo na cena nacional, bem como o Ministério Público. Para uma sociedade pouco acostumada ao cumprimento das leis, isso é bom, mas não pode ocorrer ao arrepio... das leis!
Empresas privadas se tornam concessionárias de serviço público por meio de licitações. A relação entre governo (União, Estado ou município) e empresas é regida por contratos. As condições do negócio estão estabelecidas em contratos plenos de direito. É legítimo contestar as condições de uma licitação, especialmente se forem constatados - o que infelizmente é comum no Brasil - vícios, suspeitas de fraude ou abuso do poder econômico.
É preciso, porém, olhar as coisas de perto para conhecer melhor a realidade. A maioria da população que vive em São Paulo usa apenas um tipo de transporte, segundo dados oficiais do governo paulista: 51% dos usuários usam apenas o metrô; 62%, somente os trens; e 2/3, os ônibus. Não se trata de afirmar, portanto, que a tarifa de integração não tem importância para a maioria dos passageiros, apenas que o reajuste não atingiu parcela expressiva dos usuários de transporte público na região metropolitana.
Com a suspensão do aumento, o governo paulista precisa arrecadar, em outra fonte, R$ 404 milhões para cumprir os contratos com as concessionárias. Os efeitos da liminar foram estendidos a todos os contratos de concessão de transporte intermunicipal administrados pelo Estado - além da região metropolitana da capital, o governo estadual cuida desse modal em Campinas, Santos, São José dos Campos e Sorocaba.
Esse tipo de decisão é ainda mais perigoso no momento em que o governo federal prepara um ambicioso programa de concessões à iniciativa privada em vários setores. O programa está sendo desenhado justamente para ampliar a infraestrutura do país e melhorar sua eficiência, o que no fim será bom para todos. Uma logística moderna e eficiente ajuda a reduzir custos de produção e a aumentar a produtividade da economia, o que, por sua vez, gera produtos e serviços mais baratos.
Suspender os efeitos de um contrato pleno de direito provoca insegurança jurídica, e o Poder Judiciário precisa levar isso em consideração, do contrário, afugentará investidores, principalmente estrangeiros, de setores vitais da economia nacional.
19 de janeiro de 2017
Cristiano Romero
Valor Econômico
As grandes manifestações de rua ocorridas no país em meados de 2013 mostraram que parcela expressiva dos brasileiros está insatisfeita com o óbvio: a baixa qualidade dos serviços públicos nas três esferas de poder (União, Estados e municípios). Os protestos começaram por causa de um reajuste de 6,7% na tarifa de ônibus de São Paulo, mas, nos dias seguintes, ganharam corpo, expandiram-se para outras capitais e passaram a tratar de outros temas - entre os quais, educação, segurança, saúde, a gestão do governo daquele momento (de Dilma Rousseff), reforma política, democracia, combate à corrupção.
As reações das autoridades aos protestos trouxeram mais riscos do que soluções aos anseios da população. Prefeitos e governadores, com medo de perder popularidade na mesma velocidade com que o então prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, e a presidente Dilma perderam por causa das manifestações, adotaram uma série de medidas populistas. Cancelaram reajustes de pedágios previstos em contratos de concessão, suspenderam aumentos da passagem de ônibus e até proibiram a correção de tarifas de energia elétrica.
As decisões trouxeram algum alívio político no curto prazo, mas criaram distorções que, no fundo, só contribuíram para piorar a qualidade dos serviços públicos. Na prática, esse tipo de deliberação está longe de ser uma solução porque introduz um desnecessário risco político nas concessões. São deliberações que certamente desestimulam, nos vários segmentos do setor de serviços, investimentos tanto do setor privado quanto do setor público. Quem vai investir num negócio cuja remuneração não segue regras previamente estabelecidas?
Mais recentemente, a Justiça passou a fazer deliberações que ignoram a existência de contratos. Foi assim no caso do reajuste das tarifas de integração da região metropolitana de São Paulo. Nos contratos de concessão firmados entre o governo de São Paulo e empresas de transporte intermunicipal estão previstos reajustes anuais das tarifas. Funciona assim em qualquer contrato de concessão e a razão da existência dessas cláusulas é uma só: o Brasil ainda tem uma inflação muito alta.
Em países com inflação baixa - realidade atual tanto de nações em desenvolvimento quanto das emergentes -, os reajustes dos preços não obedecem a regras de indexação dos contratos à inflação. Se a correção não é automática, todos buscam eficiência para tirar lucro de algum lugar. Outro aspecto relevante é que preços que variam de acordo com o valor de commodities, como o petróleo, mudam de acordo com as cotações internacionais - por aqui, pelo menos isso já está melhorando: na atual gestão, a Petrobras está alterando os preços dos combustíveis com base nas cotações do petróleo.
As tarifas de integração são pagas por passageiros de trem e metrô que usam ônibus da capital paulista. Em São Paulo, um passageiro pode percorrer 340 Km, por meio de seis linhas de metrô e seis de trem, ao custo de R$ 3,80. Se, além disso, subir num ônibus, ele precisa pagar a tarifa de integração. Foi esse preço que subiu. Antes, a tarifa básica, que não foi reajustada, somada à de integração chegava a R$ 5,92; com o reajuste, foi para R$ 6,80, uma correção, portanto, de 14,8%.
Por razões políticas, a bancada do PT na Assembleia Legislativa entrou na Justiça com uma ação popular contra o reajuste. O curioso é que ação popular cabe em casos de prejuízo ao erário. O juiz Paulo Furtado de Oliveira Filho decidiu conceder liminar a essa ação, suspendendo, na semana passada, o aumento da tarifa de integração entre ônibus e trilhos de São Paulo. Na última sexta-feira, o governo paulista recorreu para derrubar a liminar.
Nos últimos anos, e talvez o marco inicial desse fenômeno tenha sido o julgamento do escândalo do mensalão, o primeiro a colocar atrás das grades políticos e empresários envolvidos naquele caso de corrupção, a Justiça ganhou enorme protagonismo na cena nacional, bem como o Ministério Público. Para uma sociedade pouco acostumada ao cumprimento das leis, isso é bom, mas não pode ocorrer ao arrepio... das leis!
Empresas privadas se tornam concessionárias de serviço público por meio de licitações. A relação entre governo (União, Estado ou município) e empresas é regida por contratos. As condições do negócio estão estabelecidas em contratos plenos de direito. É legítimo contestar as condições de uma licitação, especialmente se forem constatados - o que infelizmente é comum no Brasil - vícios, suspeitas de fraude ou abuso do poder econômico.
É preciso, porém, olhar as coisas de perto para conhecer melhor a realidade. A maioria da população que vive em São Paulo usa apenas um tipo de transporte, segundo dados oficiais do governo paulista: 51% dos usuários usam apenas o metrô; 62%, somente os trens; e 2/3, os ônibus. Não se trata de afirmar, portanto, que a tarifa de integração não tem importância para a maioria dos passageiros, apenas que o reajuste não atingiu parcela expressiva dos usuários de transporte público na região metropolitana.
Com a suspensão do aumento, o governo paulista precisa arrecadar, em outra fonte, R$ 404 milhões para cumprir os contratos com as concessionárias. Os efeitos da liminar foram estendidos a todos os contratos de concessão de transporte intermunicipal administrados pelo Estado - além da região metropolitana da capital, o governo estadual cuida desse modal em Campinas, Santos, São José dos Campos e Sorocaba.
Esse tipo de decisão é ainda mais perigoso no momento em que o governo federal prepara um ambicioso programa de concessões à iniciativa privada em vários setores. O programa está sendo desenhado justamente para ampliar a infraestrutura do país e melhorar sua eficiência, o que no fim será bom para todos. Uma logística moderna e eficiente ajuda a reduzir custos de produção e a aumentar a produtividade da economia, o que, por sua vez, gera produtos e serviços mais baratos.
Suspender os efeitos de um contrato pleno de direito provoca insegurança jurídica, e o Poder Judiciário precisa levar isso em consideração, do contrário, afugentará investidores, principalmente estrangeiros, de setores vitais da economia nacional.
19 de janeiro de 2017
Cristiano Romero
Valor Econômico
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