No dia 23 de maio, ao participar do “Fórum Veja”, promovido pela revista em São Paulo, o ministro Luís Roberto Barroso disse que é preciso extinguir o foro privilegiado ou reservá-lo apenas a um número pequeno de autoridades. “O foro privilegiado leva geralmente à impunidade, porque é demorado”, justificou, assinalando que prazo médio do recebimento de uma denúncia pelo Supremo é de 617 dias, “ao passo que no juízo de primeiro grau o recebimento é de cerca de uma semana”. O ministro também defendeu a criação de uma vara especial em Brasília para julgar políticos, com um juiz escolhido pelo Supremo para centralizar as ações.
“No Brasil é mais fácil colocar na cadeia um menino de 18 anos por 100 gramas de maconha do que um agente público que tenha praticado uma fraude de alguns milhões”, admitiu.
Foi uma denúncia pesada, mas nenhum outro integrante do Supremo fez o menor comentário. Pelo contrário, o silêncio dos demais ministros soou como uma reprovação ao posicionamento de Barroso.
AUMENTANDO O TOM – Três meses e meio depois, no dia 2 de agosto, o ministro aumentou o tom da denúncia. Em palestra no Centro Universitário de Brasília (Uniceub), admitiu que o Supremo Tribunal Federal está numa situação inviável, sem condições de julgar os mais de 80 mil processos que chegam a cada ano e também sem condições de conduzir os mais de 500 inquéritos envolvendo autoridades e parlamentares.
Por isso, Barroso defendeu novamente o fim do foro privilegiado para presidente da República, ministros e parlamentares, além de uma redução “radical” e “absurda” no número de processos que chegam à corte. Em sua opinião, o STF só deveria julgar cerca de 500 questões por ano, como acontece em praticamente todos os países desenvolvidos.
FALÊNCIA INSTITUCIONAL – Explicou que hoje o tribunal só consegue funcionar por recorrer às chamadas decisões monocráticas, ou seja, tomadas por apenas um ministro. É uma distorção gravíssima, sem a menor dúvida, e demonstra a falência institucional do STF.
“No primeiro semestre de 2016, houve 52.653 decisões monocráticas. O Supremo está virando o tribunal de cada um por si. Cada um julga. Deveria ser um tribunal colegiado. Mas como vai julgar 44 mil processos que foram distribuídos no plenário? É uma distorção. Tem que haver um corte radical. Tem que baixar, por ano, de 80 mil para 500 por ano”, afirmou.
SEM FORO PRIVILEGIADO – Barroso defende o fim do foro privilegiado, porque o STF não tem estrutura para dar conta dos cerca de 500 processos criminais envolvendo autoridades com foro privilegiado, como senadores e deputados.
Tudo o que Barroso disse já se sabia. Mas suas denúncias são importantíssimas. Mostram que a tendência é de impunidade para quem possui foro privilegiado. Ou seja, os políticos corruptos envolvidos na Lava Jato continuarão se elegendo, suas possíveis condenações acabarão prescritas, como recentemente aconteceu com Jader Barbalho, e a festa continua. Esse direito à impunidade, garantido pela letargia do Supremo, é um dos mais graves problemas do país. Mas nenhum outro ministro do STF se manifestou. Também no Congresso e no governo, ambos infestados de corruptos, ninguém disse nada, porque a impunidade lhes interessa.
JANOT APOIA – No dia 6 de agosto, o procurador-geral Rodrigo Janot quebrou o silêncio das autoridades. Sem citar Barroso, ele reconheceu o andamento moroso dos processos da Operação Lava Jato no STF. Segundo ele, “o Supremo não foi feito para formar processo, o tribunal foi feito para julgar recurso. Quando se inverte a lógica, fica mais lento mesmo”, disse Janot, que criticou também o foro privilegiado.
O fato concreto é que os primeiros inquéritos da Lava Jato no STF foram abertos em março de 2015. Até agora, só três denúncias foram aceitas e nenhum político sofreu condenação, enquanto na Justiça Federal no Paraná tudo caminha com celeridade.
Janot não disse, mas deveria ter dito é que a “morosidade” do Supremo também pode ser conhecida pelos codinomes de “prescrição” e “impunidade”, como ocorreu recentemente beneficiando o senador Jader Barbalho.
BARROSO, DE NOVO – Inconformando, Barroso voltou a defender nesta terça-feira, dia 13, o fim do foro privilegiado, argumentando que na Justiça brasileira hoje a regra é a impunidade, porque somente os pobres são condenados.
“Nós temos um sistema punitivo que deixou de funcionar, que só prende pobres e não serve para prevenção da delinquência. A impunidade se tornou a regra”, disse, assinalando que essa distorção alimenta a reincidência de fraudes e atos de corrupção.
Apenas alguns sites divulgaram o desabafo de Barroso, que vai continuar sendo ignorado pelo Executivo, pelo Legislativo e pelo Judiciário, os três apodrecidos poderes da República, como diria Caetano Veloso. E la nave va, sempre fellinianamente.
15 de setembro de 2016
Carlos Newton
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