"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quinta-feira, 15 de setembro de 2016

AFINAL, QUANDO LULA SERÁ PRESO?

Nunca, na história deste país, caiu tão bem o dito popular do bicho que, se correr, pega; se ficar, come


A entrevista coletiva da Força-Tarefa da Operação Lava Jato dominou o noticiário da tarde de ontem e, não é exagero dizer, fez história. Finalmente, fechou-se o ciclo iniciado com a denúncia de Roberto Jefferson perante a CPI dos Correios e se explicou, do começo ao fim, o funcionamento do Mensalão e do Petrolão – que são, no final das contas, a mesma coisa: um meio de comprar apoio político, perpetuar o PT no poder e enriquecer as “pessoas físicas” envolvidas no procedimento. Para tudo isso, usando dinheiro público roubado.

A exposição dos fatos e provas foi clara, feita com linguagem acessível – nada das frases empoladas de ministros do STF se pavoneando – e, justamente por isso, desagradou profundamente os defensores de Lula, do PT e do esquerdismo em geral. A negação histérica da realidade chegou a ponto de correligionários do ex-presidente afirmarem que, mesmo depois da detalhada exposição das provas que o implicam no esquema criminoso como seu “comandante máximo” (palavras do MPF), a investigação é mera “perseguição política”, porque “as elites não querem Lula de volta em 2018”. Tudo, é claro, uma grosseira bobagem. Deltan Dallagnol, o procurador que coordena os trabalhos do Ministério Público Federal de Curitiba, foi categórico ao responder que apenas na mais delirante teoria conspiratória tal ponto de vista faria algum sentido, já que a Lava-Jato é integrada por centenas de funcionários públicos concursados e que, por mais que possuam eventuais simpatias partidárias ou convicções ideológicas, apenas em um cenário de ficção seria viável coordenar tantos esforços para prejudicar, deliberadamente, uma pessoa.

Mas isso, no fundo, até os petistas e lulistas mais ferrenhos sabem – e percebem, de noite, na solidão de seus travesseiros, que simplesmente não há mais como sustentar que Lula seja “inocente”. Quando dizem o que dizem por aí – “é perseguição!”, “não há provas!”, “isso é raiva da direta!”, “querem roubar o pré-sal!” – é porque não sobrou mais nada a ser dito. Sempre haverá, é claro, espaço para o contraditório e a ampla defesa, além de liberdade de expressão para que até o mais rematado idiota útil repita, até cansar, a cantilena que quiser, e chame urubu de papagaio esperando que o pássaro preto fique verde. Mas já não é mais essa a questão.

Um dos aspectos mais interessantes da Operação Lava-Jato é o quanto ela se beneficiou de erros cometidos no passado pela Polícia e pelo Ministério Público federais, em operações como a Castelo de Areia e Satiagraha. Naquelas operações, a decretação de nulidades pelos tribunais superiores acabava “contaminando” o resto da investigação e garantindo a impunidade dos investigados por conta do que era percebido pela opinião pública como meras “tecnicalidades” – o que, em certos casos, não está longe da verdade. Lições foram aprendidas e, hoje, a Força Tarefa da Lava-Jato é uma bem azeitada máquina de investigar e processar, que não dá ponto sem nó. Até agora, não houve margem para que o longo trabalho de desmonte da “ORCRIM” seja posto a perder por causa de um carimbo ilegível ou o equívoco no preenchimento de algum documento. O mesmo se verifica quanto à ordem e o ritmo em que a investigação se desenvolveu: o que nos leva à entrevista coletiva de hoje, em que se explicou detalhadamente o funcionamento dos esquemas criminosos e o papel neles desempenhado por Lula.

Mas, ora, se Lula não foi preso, porque a entrevista foi convocada? Eu posso apenas conjecturar, mas a impressão é a de que a operação Lava-Jato obedeceu ao organograma da organização criminosa, de baixo para cima: do mais reles “pé-de-chinelo”, passando pelos “tenentes”, chegando aos “capos” e, por fim, ao “don”. Essa estrutura clássica de máfia aparece com frequência em filmes e séries de televisão, e é explicada – com nível de minúcia parecido com o da entrevista de ontem – em filmes como “O Poderoso Chefão”. Em outro bom filme sobre quadrilhas e seus líderes, “O Gângster”, de Ridley Scott, o protagonista, interpretado por Russel Crowe, explica que é necessário “construir um caso” contra o líder de uma quadrilha de tráfico de heroína: reunir provas, descobrir novas pistas e investigar por meses a fio o funcionamento do esquema em tediosas “campanas”, por vezes com o auxílio de informantes e policiais infiltrados. O filme é longo – mas o resultado da paciência do investigador é compensador: o criminoso vai preso e cumpre longa pena. No processo, ainda entrega um enorme contingente de policiais corruptos.

Seria inimaginável que o promotor público, nesse caso hipotético, convocasse uma entrevista coletiva antes de haver reunido provas contra o criminoso, certo? Não faria qualquer sentido e – pior – alertaria o bandido, que poderia tomar providências para dificultar a ação das autoridades. Por que, então, os procuradores da Lava-Jato convocaram uma coletiva? Novamente, só posso conjecturar: em parte, para prestar contas de seus atos, já que a investigação envolve os mais altos círculos do poder e o povo tem o direito de saber em que pé andam as investigações. E, talvez, também porque todas as provas contra Lula já tenham sido produzidas nesses longos meses e anos em que as investigações, desde o Mensalão, vêm se “arrastando” – o que, agora se percebe, talvez não seja justo dizer. Os investigadores e procuradores estavam apenas sendo cautelosos, de modo a desmontar o esquema e chegar a seu líder em um trabalho bem feito, irrefutável e cabal, com a reunião paciente de provas, testemunhos e delações que não deixe margem para qualquer dúvida: a ponto, inclusive, de ser possível convocar uma coletiva para explicar tudo o que foi descoberto sem o menor receio de que Lula aja para coagir testemunhas ou destruir provas.

Em suma, a batata de Lula já assou. E quando é que ele será preso? Bem, tenho a impressão que assim que der o primeiro passo em falso e a menor sugestão de que irá fugir para o Uruguai, ou pedir “asilo político” em alguma das ditaduras que o governo do PT tanto ajudou nos últimos 14 anos. Depois de entrevista coletiva de ontem, ficou claro que já não faz mais diferença, do ponto de vista de preservação do quadro probatório, Lula estar preso ou solto: do contrário, como é óbvio, teria sido ou ainda estaria preso. Mas não: como ele está no topo da pirâmide, e a Lava-Jato já desmontou 98% dela, Lula está pendurado no pincel. Só resta a ele esperar pela condenação – se tentar fugir, a prisão cautelar é uma certeza. Nunca, na história deste país, caiu tão bem o dito popular do bicho que, se correr, pega; se ficar, come.


15 de setembro de 2016
Thiago Pacheco é advogado, pós graduado em Processo Civil e formado em jornalismo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário