"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sábado, 6 de agosto de 2016

O ANTI-SIONISMO NA UNIÃO SOVIÉTICA



O texto abaixo é o resumo de um dos capítulos do livro “A NOMENKLATURA – Como Vivem as Classes Privilegiadas na União Soviética”, de autoria de MICHAEL S. VOSLENSKY, considerado no Ocidente um dos mais eminentes especialistas em política soviética. Foi professor de História na Universidade de Amizade dos Povos Patrice Lumumba, em Moscou, e membro da Academia de Ciências Sociais junto ao Comitê Central do PCUS. O livro foi editado no Brasil pela Editora Record.

NOMENKLATURA, uma palavra praticamente desconhecida pela maioria dos brasileiros, exceto por alguns especialistas, merece tornar-se tão célebre quanto o termo GULAG. Designa a classe dos novos privilegiados, essa aristocracia vermelha que dispõe de um poder sem precedentes na História, já que ela é o próprio Estado. Atribui a si mesma imensos e inalienáveis privilégios – dachas e moradias luxuosas, limusines, restaurantes, lojas, clínicas, centros de repouso especiais e quase gratuitos -.
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Sionismo – Doutrina e movimento que propôs e conseguiu o estabelecimento na Palestina de um Estado Israelita autônomo. Esse movimento tornou-se vitorioso em 1948, quando a ONU proclamou a fundação do Estado de Israel.

O mito da conspiração judaica mundial obcecou o último czar russo, Nicolau II e, depois, Hitler e Stalin, e ainda hoje continua a obcecar os senhores do Kremlin. Esse mito encontrou sua mais perfeita manifestação num documento elaborado no final do Século XIX pela polícia czarista: “Os Protocolos dos Sábios de Sião”, que viria tornar-se peça fundamental da ideologia nazista e cheque em branco para o genocídio. Nas décadas de 20 e 30, entre as duas guerras mundiais, os “Protocolos” tiveram uma tiragem somente inferior à da Bíblia. Após 1945, 21 edições desse documento foram publicadas em 21 países.

Diversos livros do século passado contribuíram para a versão final dos “Protocolos dos Sábios de Sião”, um dos quais – senão o principal – foi o capítulo “No Cemitério Judeu de Praga”, do romance Biarritz, de John Ratcliff, no qual as 12 tribos de Israel discutem com Satã suas maquinações para dominar os povos do mundo. As primeiras edições russas do “Protocolo”, em 1903, assinalam que os originais da obra haviam sido roubados de um dos mais importantes dirigentes da franco-maçonaria.

A primeira versão polonesa afirma que o texto dos “Protocolos” foi redigido no apartamento de Theodor Herzl, fundador do sionismo, em Viena.

Na moderna configuração soviética do mito, Israel passou a ocupar o lugar dos 12 sábios, como cérebro da conspiração, afirmando que a força do sionismo se baseia no seu controle do capital, cuja influência repercute nos meios de comunicação americanos e até na Casa Branca.

A lenda do bolchevismo judeu ganhou força em 1917, pela presença de Trotski, Kamenev, Zinoviev e outros nas fileiras revolucionárias. Mas, a partir dos anos 20, um outro mito surgiu: a Revolução de Outubro havia tomado rumos indesejáveis porque se tratava de “uma revolução judia”. Esse mito perdura até hoje e é reforçado pela propaganda soviética, que apresenta os judeus como um bando de conjurados que disseminam a desolação em todo o mundo e, em particular, na União Soviética.

Para a agência Tass, “os sionistas foram parceiros dos nazistas na II Guerra Mundial” (!), e o sionismo é “um produto do imperialismo, que se esforça, em vão, para dissimular sua aliança com o fascismo”.

Como explicar a hostilidade do Kremlin contra o sionismo e Israel? Que perigo Israel e seus 3 milhões de habitantes podem representar para a URSS e seus 270 milhões de habitantes? Mesmo supondo que a ideologia sionista seja abraçada por todos os judeus - o que está longe de ser verdade -, que ameaça ela representa para a ideologia comunista, que reina em metade do mundo e é divulgada pelos partidos comunistas em 150 países, INCLUSIVE ISRAEL?

Desde a vitória da Revolução Bolchevique, em 1917, os comunistas nunca cessaram de procurar uma legitimidade. Em 1941, com as tropas de Hitler às portas de Moscou, Stalin compreendeu que a ideologia comunista não poderia salvar o país nem seu poder. Assim, ao convocar a resistência, ele apelou para o patriotismo russo – não o soviético -. Na ocasião, Stalin pediu também o apoio da Igreja Ortodoxa, esquecendo temporariamente os santos comunistas.

A partir daí, o Kremlin nunca deixou de agitar a lembrança da vitória de 1945, na II Guerra Mundial, como prova de sua legitimidade. Mas, hoje, para que essa bandeira possa continuar a ser agitada e a servir de base social, é preciso que o país se sinta ameaçado por um inimigo externo. Um desses inimigos é o Sionismo. É pouco perigoso, pois não fornece cereais ou tecnologia ao país dos sovietes, e fácil de manobrar, na medida em que basta invocar as tradições mais retrógradas para despertar o fantasma do mal, que foi associado ao nazismo. Graças à existência de cerca de 2 milhões de judeus soviéticos, ele pode ser apresentado internamente sob a forma ameaçadora de uma “quinta coluna” e, externamente, como o perigo neocolonialista, quando não imperialista, face as relações de Israel com os EUA.

A campanha do Partido e do Estado Soviético – que se confundem -, levada a efeito nas escolas, jornais, rádios e emissoras de TV, teve sua consagração em 1975, quando o sionismo e o racismo foram condenados pela ONU. A partir daí, o sionismo tornou-se, oficialmente, um inimigo da humanidade. Na fase atual, a tarefa da propaganda soviética é atribuir ao sionismo uma infra-estrutura e uma logística, capazes de representar uma crescente ameaça ao socialismo real.

Segundo a revista “O Combatente Soviético”,revista editada pelo Ministério da Defesa, destinada à educação dos jovens militares, o sionismo manipula as Brigadas Vermelhas, a Trilateral, “dirigida pelo maçon americano David Rockefeller”, e o Sindicato Solidariedade, da Polônia, “onde todos os dirigentes obedecem às instruções secretas provenientes das lojas maçônicas sionistas” (sic).

Foi a partir da Guerra dos Seis Dias, em 1967, no entanto, que a propaganda soviética encontrou seu caminho definitivo na campanha contra os judeus. Assim, Israel foi comparado à Alemanha nazista e os sionistas acusados de organizar uma conspiração internacional contra a URSS. Entretanto, a Guerra dos Seis dias modificou profundamente a ideologia dos judeus soviéticos. A vitória israelense ofereceu-lhes a possibilidade de se identificarem com algo além da imagem vergonhosa que tentavam impor-lhes. Muitos, que já se haviam resignado, sentiram-se renascer e transformaram-se em combatentes por seus direitos, surgindo daí o movimento em favor da emigração.

Entre 1970 e 1980, cerca de 250 mil dos cerca de 3 milhões de judeus soviéticos, conseguiram emigrar, depois de passarem por toda espécie de perseguições. Mas, a partir de 1980, o fluxo da emigração praticamente cessou. Em 1979, partiram da Rússia 51 mil judeus, e apenas 900 em 1984. A repressão contra os solicitantes de vistos de saída aumentou. 10 mil deles se tornaram refuzniks, isto é, pessoas às quais foram recusados os pedidos de saída do país.

O mais célebre refuznik é Anatoli Charansky que, em 1977, foi condenado a 7 anos de prisão e 5 de trabalhos forçados. Charansky tornou-se o porta-voz do movimento pela emigração e uniu seus esforços aos de Sakharov, em fvor dos direitos do homem.

Desde 1971 Yossif Begun pede que lhe seja concedida permissão para emigrar para Israel. Ele já sofreu três condenações: na primeira, a dois anos de exílio interno, acusado de “parasitismo”; na segunda, recebeu 3 anos na Sibéria por “violação da regulamentação de passaportes”; e na terceira,em 1984, foi condenado a 7 anos de trabalhos forçados e 5 de exílio, por “agitação e propaganda anti-soviética”. No total, foi condenado a penas que somam 17 anos por haver tentado emigrar e teria sido libertado em 1995. Mas ele não é o único. Uma centena de outrosrefuzniks lotam hoje os campos e prisões soviéticas.

Partir é o sonho de 400mil judeus soviéticos. Todos eles possuem convites enviados por suas famílias em Israel, documento que é necessário para dar entrada nos papéis de emigração. No entanto, os judeus relutam em utilizar esses papéis com receio de represálias.

Na Rússia, os judeus estão condenados a permanecerem como cidadãos de terceira categoria, e seus filhos enfrentam uma série de dificuldades para terem acesso à Universidade e são obrigados a viver em um clima saturado de anti-semitismo.

Mas, então o que fazer? Negócios, é claro. Os judeus soviéticos sempre serviram de moeda de troca nas relações diplomáticas entre os EUA e a Rússia. O Kremlin pagou a détente dos anos 70 com a emigração de 250 mil judeus.Para obter a assinatura dos EUA nos acordos Salt-II, em 1979, em Viena, Brejnev ofereceu a Carter dois prisioneiros particularmente importantes: Eduard Kusnetsov e Marc Dimshits, ambos condenados à morte no processo anti-sionista de Leningrado, em 1970.

Posteriormente, após o início das negociações de Genebra e na perspectiva da conferência de cúpula entre Reagan e Gorbachev, o Kremlin vislumbrou o momento de utilizar “seus judeus” como moeda de troca. A “venda” de judeus sempre significou, de forma paralela, um significativo aumento no fornecimento de tecnologia avançada – que não pôde ser obtida por “outros meios” -, item fundamental para os soviéticos.

Nessa transação delicada – judeus em troca de tecnologia - a posição americana não é confortável, considerando o lado humanitário da proposta soviética e o único sonho acalentado pelos descendentes de Trotski, Kamenev e Zinoviev, que é o de partir.



06 de agosto de 2016
Carlos I. S. Azambuja é Historiador.

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