Robertson, diante da sede do Comitê da ONU |
Advogado contratado para representar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva perante o Comitê de Direitos Humanos da ONU, o britânico-australiano Geoffrey Robertson diz esperar que a possível discussão sobre o caso nas Nações Unidas mostre ao Brasil que o país precisa mudar a forma como lida com alegações de corrupção.
Em entrevista à Folha, por e-mail, ele criticou as prisões preventivas no âmbito da Lava Jato, a divulgação para a imprensa das gravações envolvendo Lula e a suposta imparcialidade do juiz Sergio Moro.
O advogado, que já defendeu Mike Tyson e Julian Assange, apresentou, na última semana, uma petição à ONU alegando que o ex-presidente teve seus direitos violados.
Por que o caso do ex-presidente deve ser discutido no âmbito das Nações Unidas?
Qualquer país se beneficia quando suas leis e procedimentos estão sujeitos ao escrutínio internacional para que atendam aos padrões internacionais de direitos humanos. O Reino Unido certamente se beneficiou por suas leis terem sido reformadas pela Corte Europeia de Direitos Humanos, assim como Portugal. O Brasil herdou o sistema português antes da reforma, e o Comitê pode apontar onde é preciso mudar para torná-lo mais justo e eficaz.
Que provas de violações de direitos humanos vocês têm?
A petição aponta seis formas pelas quais Lula e sua família sofreram violações. Um exemplo: a divulgação para a imprensa do áudio de conversas privadas. Isso nunca aconteceria na Europa. Depois, há a questão da prisão preventiva usada contra réus da Lava Jato, que são mantidos presos até confessarem. Grupos de defesa dos direitos humanos têm criticado o Brasil e outros países latino-americanos pelo o abuso de prisões preventivas quando não há risco de fuga. Além disso, há o papel da imprensa em ajudar os promotores, a fim de prejudicar os réus antes do julgamento, com imagens e bonecos de Lula com uniforme de prisioneiro. É fundamental que o réu tenha o direito de ser julgado por um juiz imparcial, que não esteja envolvido em ações da polícia ou do Ministério Público contra ele.
Um dos argumentos da defesa é que o advogado do ex-presidente Lula foi grampeado. Mas o juiz Moro disse que Roberto Teixeira foi gravado por ser alvo direto de investigação. Isso pode fazer com que o argumento da defesa seja rejeitado pelo Comitê?
Acho que vai além isso, porque as conversas foram divulgadas para a imprensa e a Ordem dos Advogados do Brasil condenou a gravação. Mas isso é um caso para o Comitê avaliar.
Na última semana, Lula tornou-se réu por tentativa de obstrução da Operação Lava Jato. Qual deve ser o impacto dessa decisão sobre a análise pelo Comitê da ONU?
Isso não tem impacto sobre as questões submetidas à apreciação do Comitê. É um caso diferente.
O que o ex-presidente pretende ao recorrer à ONU?
Só posso falar por mim. Embora Lula não esteja de nenhuma forma acima da lei, ele deve, como qualquer cidadão, ser tratado de forma justa. Espero que a discussão sobre a petição leve as pessoas a pensarem em como lidar adequadamente com as alegações de corrupção. A maneira apropriada foi encontrada por Hong Kong, Cingapura e Sidney, entre outros, por meio da criação de uma comissão independente contra a corrupção, com todos os poderes de investigação necessários, mas com um comitê de supervisão para garantir que a comissão aja de forma justa. Quando as provas são recolhidas, a comissão as entrega para promotores independentes, que levam o suspeito a julgamento perante um juiz que não teve envolvimento com a investigação. Este é o caminho a ser seguido, e espero que a petição mostre a parlamentares no Brasil que o sistema atual deve ser reformado.
A Associação dos Magistrados Brasileiros afirma que a petição é uma tentativa de intimidar a atividade de juízes brasileiros. Há a tentativa de pressionar os juízes envolvidos no caso?
Esta é uma crítica absurda, e é triste que uma associação de magistrados reaja de maneira tão defensiva. Eles deveriam acolher a discussão sobre seus procedimentos. O que eles têm a esconder? Sergio Moro debate e fala ao Parlamento sobre formas de combater a corrupção, então ele deveria estar disposto a discutir sobre como tornar essas formas justas e efetivas. Ele é um grande admirador da Operação Mãos Limpas, na Itália, mas muitos advogados italianos acreditam que ela foi um desastre. Quanto à alegação infantil de intimidação, qualquer juiz que se sinta intimidado por uma petição levada à ONU não está apto para ser um juiz.
O processo no Comitê pode levar anos. Considerando-se que Lula já é réu, não é possível que a decisão do Comitê chegue muito tarde?
Se admitir a petição, o Comitê dará ao Brasil seis meses para responder e dará seu parecer em um ano. É improvável que seja demorado.
06 de agosto de 2016
Isabel Fleck
Folha
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