Já ficou claro o interesse de quem pretende proibir que ela seja exibida
Na semana passada, a prefeitura de São Paulo, comandada pelo petista Fernando Haddad, proibiu que a FIESP exibisse, no telão do frontispício de seu prédio na Avenida Paulista, a bandeira nacional. A justificativa criada por meio da Comissão de Proteção à Paisagem Urbana, invocando como fundamento a Lei Cidade Limpa, é a de “uso político” do símbolo nacional, no contexto do movimento popular pelo impeachment da presidente afastada. A entidade já havia sido proibida de exibir no telão frases como “Fora Dilma” e “Impeachment Já”. Agora, não pode mais exibir o pavilhão nacional. A grita que se seguiu foi grande – e justificada. A bandeira transcende a “conjuntura” e as crises políticas – essas passam, a bandeira fica. Mas, veja só, não sou eu que estou dizendo, é a lei.
De acordo com a Constituição Federal, “são símbolos da República Federativa do Brasil a bandeira, o hino, as armas e o selo nacionais”. A bandeira nacional, portanto, não é um “logotipo” de propaganda política, nem um estandarte partidário, é um “símbolo da República Federativa do Brasil”. Existe meio legal e constitucional de proibir que ela seja ostentada? A lei 5.700/71 nos dá as respostas. Seu art. 10 diz o seguinte: “a bandeira Nacional pode ser usada em tôdas as manifestações do sentimento patriótico dos brasileiros, de caráter oficial ou particular”. A proibição paulista – feita, ironicamente, poucos dias depois da comemoração do 9 de julho – parece cada vez mais insustentável.
A lei prossegue disciplinando os modos pelos quais a bandeira pode ser apresentada. O inciso III, do art. 11, diz que ela pode ser “reproduzida sôbre paredes, tetos, vidraças, veículos e aeronaves”. Paredes, tetos e vidraças: a fachada de um prédio. Parece cada vez mais que a prefeitura de São Paulo só conseguiria justificar a proibição demonstrando que, ao exibir a bandeira, a FIESP não estaria engajada em “manifestações do sentimento patriótico dos brasileiros” – coisa impossível de ser feita, já que não há como dissociar, de maneira mentalmente sã, a manifestação popular sobre os destinos da nação (que passam, quando é o caso, pela destituição legal de seus mandatários) e o “sentimento patriótico”. Mas o que se alega é o “uso político” – na linha de pensamento recentemente defendida por Leandro Karnal, em entrevista ao programa Roda Vida, se “tudo é político”, parece que a proibição também seria. A discussão sob o ponto de vista de leis e da constituição parece ter um forte caráter “formalista”, mas a verdade é que há uma intersecção com o simbolismo. A mesma lei citada antes disciplina a exibição e hasteamento da bandeira nacional. Por exemplo, determina que, quando for hasteada em conjunto com outras, “a Bandeira Nacional é a primeira a atingir o tope e a ultima a dêle descer”. E não há hora certa para isso: o art. 15 dispõe que “a Bandeira Nacional pode ser hasteada e arriada a qualquer hora do dia ou da noite”. Fica cada vez mais claro o espírito da lei: não se pode cercear do cidadão a utilização do símbolo nacional. Neste campo simbólico, o “espírito” da proibição também fica cada vez mais claro: equiparar a bandeira do país a símbolos partidários, como o estandarte do PT ou da CUT. E nisso o “prefeitão” se revela o comissário político que, no fundo, todo esquerdista é e aspira a ser: tudo é reduzido à política partidária.
Embora haja partidos políticos envolvidos com o movimento pelo impeachment, a maioria das pessoas que protestou nas grandes manifestações pelo impedimento compareceu espontaneamente, não tem laços com qualquer agremiação política e não está habituada a protestar. A esquerda, entretanto, está na outra ponta do espectro: são verdadeiros profissionais do protesto, acostumados a organizar movimentos grevistas atrelados à agenda partidária; invasões de terra e destruição de propriedade; a pedir o impeachment de TODOS os presidentes democraticamente eleitos desde o fim da ditadura e que não fossem de sua base partidário-sindical. Por isso é que, quando os protestos pelo impeachment começaram – e os “contra-protestos” em sua esteira – a internet foi inundada de imagens comparando um ao outro, especificamente no que diz respeito aos símbolos usados pelos manifestantes: nas passeatas pró-governo, zero bandeiras brasileiras, e um verdadeiro mar vermelho (com detalhes amarelos) de estandartes da CUT, PT, PC do B, MST etc. Apareceram até vídeos de manifestantes esquerdistas queimando bandeiras nacionais: não é demais lembrar que a lei 5.700 proíbe “apresentá-la em mau estado de conservação” e “mudar-lhe a forma, as côres, as proporções, o dístico ou acrescentar-lhe outras inscrições” – coisas que acontecem quando se queima a bandeira, sem dúvida.
Nos protestos pelo impedimento, no entanto, se via um único símbolo: a bandeira do Brasil, em várias e diversas formas. Muitos usaram a camisa da Seleção Brasileira, talvez porque seja tão comum tê-la no armário e porque ela seja feita das cores nacionais. É um jeito, afinal, de dizer que se está lá pelo Brasil, não por algum partido político ou organização sindical.
É aí que chegamos a outro ponto importante: a constatação de que a esquerda põe seu programa partidário e seu projeto de poder acima de qualquer outra noção, seja a de “interesse nacional”, seja a do “futuro do país” (embora seqüestre esta tão freqüentemente), seja a de “patriotismo”, seja a de “unidade nacional”. As frases feitas que remetem a isso são várias e diversas: “o dever de todo revolucionário é fazer revolução”, “só pode haver uma revolução permanente”, “façamos dois, três, muitos Vietnã” etc. Chegada a “hora da verdade”, quando o governo foi seriamente desafiado pela possibilidade real de ser apeado do poder, a esquerda rasgou a fantasia, e, junto, queimou a bandeira do Brasil. Assim é que ela deixou claro: seu compromisso não é – e jamais foi – com o Brasil, mas com sua agenda ideológica e partidária, com um projeto de poder, e não de país. Proibir a exibição do principal símbolo nacional porque quem o exibe é contrário a esse projeto é uma clara manifestação totalitária, ilegal e inconstitucional.
Proibir a exibição da bandeira nacional seria algo muito parecido com recusar dinheiro como pagamento: a única forma de pagamento a que a lei obriga o recebedor, de acordo, por exemplo, com o Decreto-lei n. 857/69. Há um interessante julgado do STF, relatado por Eros Grau, em que ele observa que “a moeda assegura a liberdade e independência do seu titular” e também que “a moeda estabelece uma relação de igualdade entre os sujeitos de direito [entenda-se igualdade formal], na medida em que opera redução de complexidades”. Dinheiro pode não ser – formalmente – um símbolo nacional, mas, logo abaixo da bandeira, também nos torna todos iguais. A bandeira também é um símbolo de igualdade: de que todos somos brasileiros. E a essa altura já ficou claro o interesse de quem pretende proibir (ilegalmente) que ela seja exibida.
21 de julho de 2016
Thiago Pacheco é advogado, pós graduado em Processo Civil e formado em jornalismo.
implicante
Na semana passada, a prefeitura de São Paulo, comandada pelo petista Fernando Haddad, proibiu que a FIESP exibisse, no telão do frontispício de seu prédio na Avenida Paulista, a bandeira nacional. A justificativa criada por meio da Comissão de Proteção à Paisagem Urbana, invocando como fundamento a Lei Cidade Limpa, é a de “uso político” do símbolo nacional, no contexto do movimento popular pelo impeachment da presidente afastada. A entidade já havia sido proibida de exibir no telão frases como “Fora Dilma” e “Impeachment Já”. Agora, não pode mais exibir o pavilhão nacional. A grita que se seguiu foi grande – e justificada. A bandeira transcende a “conjuntura” e as crises políticas – essas passam, a bandeira fica. Mas, veja só, não sou eu que estou dizendo, é a lei.
De acordo com a Constituição Federal, “são símbolos da República Federativa do Brasil a bandeira, o hino, as armas e o selo nacionais”. A bandeira nacional, portanto, não é um “logotipo” de propaganda política, nem um estandarte partidário, é um “símbolo da República Federativa do Brasil”. Existe meio legal e constitucional de proibir que ela seja ostentada? A lei 5.700/71 nos dá as respostas. Seu art. 10 diz o seguinte: “a bandeira Nacional pode ser usada em tôdas as manifestações do sentimento patriótico dos brasileiros, de caráter oficial ou particular”. A proibição paulista – feita, ironicamente, poucos dias depois da comemoração do 9 de julho – parece cada vez mais insustentável.
A lei prossegue disciplinando os modos pelos quais a bandeira pode ser apresentada. O inciso III, do art. 11, diz que ela pode ser “reproduzida sôbre paredes, tetos, vidraças, veículos e aeronaves”. Paredes, tetos e vidraças: a fachada de um prédio. Parece cada vez mais que a prefeitura de São Paulo só conseguiria justificar a proibição demonstrando que, ao exibir a bandeira, a FIESP não estaria engajada em “manifestações do sentimento patriótico dos brasileiros” – coisa impossível de ser feita, já que não há como dissociar, de maneira mentalmente sã, a manifestação popular sobre os destinos da nação (que passam, quando é o caso, pela destituição legal de seus mandatários) e o “sentimento patriótico”. Mas o que se alega é o “uso político” – na linha de pensamento recentemente defendida por Leandro Karnal, em entrevista ao programa Roda Vida, se “tudo é político”, parece que a proibição também seria. A discussão sob o ponto de vista de leis e da constituição parece ter um forte caráter “formalista”, mas a verdade é que há uma intersecção com o simbolismo. A mesma lei citada antes disciplina a exibição e hasteamento da bandeira nacional. Por exemplo, determina que, quando for hasteada em conjunto com outras, “a Bandeira Nacional é a primeira a atingir o tope e a ultima a dêle descer”. E não há hora certa para isso: o art. 15 dispõe que “a Bandeira Nacional pode ser hasteada e arriada a qualquer hora do dia ou da noite”. Fica cada vez mais claro o espírito da lei: não se pode cercear do cidadão a utilização do símbolo nacional. Neste campo simbólico, o “espírito” da proibição também fica cada vez mais claro: equiparar a bandeira do país a símbolos partidários, como o estandarte do PT ou da CUT. E nisso o “prefeitão” se revela o comissário político que, no fundo, todo esquerdista é e aspira a ser: tudo é reduzido à política partidária.
Embora haja partidos políticos envolvidos com o movimento pelo impeachment, a maioria das pessoas que protestou nas grandes manifestações pelo impedimento compareceu espontaneamente, não tem laços com qualquer agremiação política e não está habituada a protestar. A esquerda, entretanto, está na outra ponta do espectro: são verdadeiros profissionais do protesto, acostumados a organizar movimentos grevistas atrelados à agenda partidária; invasões de terra e destruição de propriedade; a pedir o impeachment de TODOS os presidentes democraticamente eleitos desde o fim da ditadura e que não fossem de sua base partidário-sindical. Por isso é que, quando os protestos pelo impeachment começaram – e os “contra-protestos” em sua esteira – a internet foi inundada de imagens comparando um ao outro, especificamente no que diz respeito aos símbolos usados pelos manifestantes: nas passeatas pró-governo, zero bandeiras brasileiras, e um verdadeiro mar vermelho (com detalhes amarelos) de estandartes da CUT, PT, PC do B, MST etc. Apareceram até vídeos de manifestantes esquerdistas queimando bandeiras nacionais: não é demais lembrar que a lei 5.700 proíbe “apresentá-la em mau estado de conservação” e “mudar-lhe a forma, as côres, as proporções, o dístico ou acrescentar-lhe outras inscrições” – coisas que acontecem quando se queima a bandeira, sem dúvida.
Nos protestos pelo impedimento, no entanto, se via um único símbolo: a bandeira do Brasil, em várias e diversas formas. Muitos usaram a camisa da Seleção Brasileira, talvez porque seja tão comum tê-la no armário e porque ela seja feita das cores nacionais. É um jeito, afinal, de dizer que se está lá pelo Brasil, não por algum partido político ou organização sindical.
É aí que chegamos a outro ponto importante: a constatação de que a esquerda põe seu programa partidário e seu projeto de poder acima de qualquer outra noção, seja a de “interesse nacional”, seja a do “futuro do país” (embora seqüestre esta tão freqüentemente), seja a de “patriotismo”, seja a de “unidade nacional”. As frases feitas que remetem a isso são várias e diversas: “o dever de todo revolucionário é fazer revolução”, “só pode haver uma revolução permanente”, “façamos dois, três, muitos Vietnã” etc. Chegada a “hora da verdade”, quando o governo foi seriamente desafiado pela possibilidade real de ser apeado do poder, a esquerda rasgou a fantasia, e, junto, queimou a bandeira do Brasil. Assim é que ela deixou claro: seu compromisso não é – e jamais foi – com o Brasil, mas com sua agenda ideológica e partidária, com um projeto de poder, e não de país. Proibir a exibição do principal símbolo nacional porque quem o exibe é contrário a esse projeto é uma clara manifestação totalitária, ilegal e inconstitucional.
Proibir a exibição da bandeira nacional seria algo muito parecido com recusar dinheiro como pagamento: a única forma de pagamento a que a lei obriga o recebedor, de acordo, por exemplo, com o Decreto-lei n. 857/69. Há um interessante julgado do STF, relatado por Eros Grau, em que ele observa que “a moeda assegura a liberdade e independência do seu titular” e também que “a moeda estabelece uma relação de igualdade entre os sujeitos de direito [entenda-se igualdade formal], na medida em que opera redução de complexidades”. Dinheiro pode não ser – formalmente – um símbolo nacional, mas, logo abaixo da bandeira, também nos torna todos iguais. A bandeira também é um símbolo de igualdade: de que todos somos brasileiros. E a essa altura já ficou claro o interesse de quem pretende proibir (ilegalmente) que ela seja exibida.
21 de julho de 2016
Thiago Pacheco é advogado, pós graduado em Processo Civil e formado em jornalismo.
implicante
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