"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 26 de maio de 2015

UM PASSADO SEM FUTURO

Há 40 anos, uma certa terça-feira, 29 de abril de 1975, tornou-se uma data histórica, o último dia da Guerra do Vietnã.

Desde cedo até o início da noite, uma nuvem de helicópteros levou os últimos diplomatas e militares americanos e vietnamitas considerados fiéis. No final, cenas patéticas, de gente querendo fugir e não conseguindo, consagraram a derrocada de uma aventura militar desastrosa. O fim da mais longa guerra do século XX.

A rigor, foram três as guerras que os vietnamitas tiveram que combater, quase sem interrupção, durante 34 anos, contra três diferentes Estados.

A saga teve início em 1941, com a fundação, pelos comunistas, da Frente Nacional de Libertação, e o início das guerrilhas contra a ocupação japonesa. Esta fase terminou com a capitulação do Japão, em setembro de 1945, quando se proclamou a independência do Vietnã.

Entretanto, a França cultivava nostalgias imperiais. O Vietnã, o Laos e o Camboja formavam, desde o século XIX, uma colônia unificada — a Indochina. O Vietnã era a joia desta coroa. Paris não queria perdê-la, menos ainda para os comunistas. Assim, a honra guerreira dos exércitos franceses, esquecida no enfrentamento contra os nazistas e os japoneses, seria agora reativada com fúria selvagem.

A segunda guerra, iniciada em 1947, já durava quase oito anos, quando se abriu, em abril de 1954, uma Conferência de Paz em Genebra. Poucos dias depois, uma notícia-bomba explodiu no mundo e sobre os grossos tapetes em que pisavam os diplomatas — a elite das tropas francesas fora derrotada em Dien Bien Phu, rendendo-se em 7 de maio.

A vitória militar, porém, não foi reconhecida politicamente. Os vencedores foram obrigados a ceder às pressões das grandes potências (incluindo-se aí a URSS e China comunista), interessadas num acordo a qualquer custo, desde que o custo fosse assumido pelos vietnamitas. Assim, a Independência do Vietnã foi aceita apenas ao norte do paralelo 17. Nascia a República Democrática do Vietnã, com capital em Hanói. Ao sul, com capital em Saigon, constituiu-se um governo anticomunista, apoiado pelos EUA. Em dois anos, haveria eleições, supervisionadas por um comitê internacional, que decidiriam o futuro do país. Como se alguém acreditasse que aquilo fosse mesmo acontecer. O reino da hipocrisia, esta homenagem que o vício presta à virtude.

Seis anos depois, para impedir a consolidação da divisão do país, irromperam novamente as guerrilhas nacionalistas em dezembro de 1960. Uma terceira guerra. Até 1964 Tio Sam sustentou os aliados com armas, dinheiro e assessores. Não bastou. Em fins daquele ano, os revolucionários chegavam às proximidades de Saigon. Os EUA reagiram, bombardeando o norte do Vietnã e desembarcando soldados no Sul.

A intervenção foi num crescendo, estendendo-se ao Laos e ao Camboja. Em 1968, os EUA tinham no Sul do Vietnã um corpo expedicionário de cerca de 550 mil homens, destruindo o país com todo tipo de bombas e de armas químicas.

O Vietnã estava no centro dos noticiários, invadindo o quotidiano das pessoas. No quadro de uma forte polarização, era difícil alguém se dizer indiferente. Sucediam-se manifestações a favor dos vietnamitas, inclusive nos EUA, onde os jovens não se convenciam de que seus interesses estavam em jogo na Ásia.

Foi então que aconteceu a grande ofensiva do Tet, o ano novo lunar, grande festa vietnamita. Iniciada no último dia de janeiro de 1968, continuou ao longo do mês seguinte. Os guerrilheiros apareceram mais fortes do que nunca. Tomaram cidades importantes, chegando perto da embaixada americana em Saigon. Obrigados a recuar, não ganharam a guerra. Mas os EUA já a haviam perdido. 

Conversações de paz tiveram início em maio de 1968, em Paris. Com idas e vindas, e muita devastação de permeio, os americanos retiraram-se do país, derrotados, em 1973. Sem a presença deles, o governo do Sul cambaleava como um boxeador prestes a cair. Expirou, afinal, sem glória, no fim daquele mês de abril de 1975.

A vitória dos vietnamitas pareceu abrir amplos horizontes de futuro. Mas não foi o caso. E a situação atual do país o evidencia. Muito se poderá dizer que o fato se deveu ao isolamento e a circunstâncias hostis. Mas será preciso também considerar as implicações do processo de guerras, de onde emergiu o Vietnã independente, e a qualidade de suas propostas: ditadura revolucionária, Estado hipertrofiado, partido único, ascendência das lideranças militares, perseguição implacável a todo tipo de oposição política. Assim, o nacionalismo revolucionário dos anos 60 e 70, na aparência tão promissor, perdeu rapidamente sua capacidade de sedução política e de mobilização social. Imaginado na época como inovador, tinha mais âncoras no passado do que se poderia imaginar. E foi no passado que esta revolução de libertação nacional se aninhou, sem abrir perspectivas de futuro.

26 de maio de 2015
Daniel Aarão Reis

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