A forte volatilidade do dólar ontem foi também resultado da manifestação a favor do governo. Ao mesmo tempo em que defendiam a presidente das críticas da oposição e das passeatas previstas para amanhã, os líderes do movimento atacavam a política econômica. O que deixa nítida a solidão da presidente. Dilma optou por corrigir os estragos que ela mesma fez na economia, mas não agrada ao PT nem às centrais sindicais.
Alguns bancos divulgaram ontem mudanças de cenário piorando todas as previsões. O Bradesco, por exemplo, que previa 0,5% de queda do PIB, passou a prever 1,5% de recessão. Subiu a estimativa da inflação de 7,5% para 8%, prevê a Selic em 13,5% no fim do ano, e o dólar, entre R$ 2,90 e R$ 3,10.
No mundo inteiro o dólar sobe. O problema é que a volatilidade num único dia, que levou à máxima de 3,79% de desvalorização para fechar em 2,81%, prova a existência das razões internas para a mudança do câmbio. Dentro dessas razões, há muitos indicadores econômicos ruins, mas o que mais tem pesado é a conjuntura política.
A articulação com a base está ruim, a popularidade da presidente caiu, a atual etapa de pedido de aberturas de inquéritos contra os políticos aumentou a tensão entre os poderes. Neste quadro, as forças que sustentam a presidente politicamente demonstram, nas ruas, discordância em relação à política econômica que se dispõe a tentar pôr em ordem as contas públicas. A soma de todos esses problemas alimenta a impressão de fragilidade da presidente antes de completar o terceiro mês do seu segundo mandato.
Para aprovar medidas no Congresso, o governo precisará do apoio da sua base e capacidade de administrar a coalizão. Não tem tido. Mesmo quando as medidas dependem apenas do Executivo, como certos cortes no Orçamento, são difíceis de serem executadas num ambiente conturbado. Um Congresso acuado pode também criar despesas, anulando o efeito das medidas de austeridade.
A alta do dólar e a crise da Petrobras têm uma relação direta. Quanto mais alto o dólar, mais alta a dívida da Petrobras e menor o alívio de caixa que ela está tendo com a decisão de manter os preços dos derivados, apesar da queda da cotação do petróleo no exterior.
A disparada do dólar ontem pode se reverter e ter sido apenas o reflexo de um momento de maior estresse, mas a tendência da moeda americana por todos os outros motivos, internos e externos, é de permanecer subindo no médio prazo. A maior arma do Banco Central, que foi o uso das medidas de intervenção no mercado futuro, através dos swaps cambiais, hoje parece sem efeito.
Parte da insatisfação difusa contra o governo tem a ver com a inflação alta. Os governistas que foram às ruas ontem culpam a política econômica pelo desconforto, quando na verdade foi a administração anterior da economia, da própria presidente Dilma, e as decisões erradas na energia que provocaram esse salto de preços que está comprimindo o orçamento doméstico e das empresas. Os que não são governistas acham que a presidente Dilma não manterá uma política econômica da qual sua base discorda, e na qual ela nunca demonstrou acreditar.
Nada é pior do que o encontro de crises. No Brasil de hoje há pelo menos quatro se encontrando: a econômica, a política, a energética, e a da Petrobras. Pelo tamanho da empresa e as ramificações da corrupção, esta crise tem potencial para fazer estragos em várias áreas. A Sete Brasil está aí pedindo socorro ao BNDES, que tenta empurrar o pepino para outros bancos, inclusive dois estatais, Banco do Brasil e Caixa. Seus problemas financeiros atingem os fundos de pensão das estatais que foram muito usados em todos os projetos do governo nos últimos anos. Entre as empreiteiras, a maioria era tão dependente do governo que não se sustenta sem os empréstimos do BNDES, sem as obras estatais, ou sem os contratos da Petrobras. Todas elas devem aos bancos. Contratos que estão hoje sendo cancelados, ou sob suspeição, foram usados para garantir produtos financeiros que estão em fundos de recebíveis. Seguradoras venderam proteção contra sinistros na expectativa de que só alguns acontecessem. E esses sinistros podem virar realidade numa sequência que as empresas de seguro não previam em seus cenários.
O dólar é como a febre, apenas o termômetro de outros problemas. É derivado de algo mais. No Brasil, há várias razões para que suba, como fez ontem.
14 de março de 2015
Miriam Leitão, O Globo
Alguns bancos divulgaram ontem mudanças de cenário piorando todas as previsões. O Bradesco, por exemplo, que previa 0,5% de queda do PIB, passou a prever 1,5% de recessão. Subiu a estimativa da inflação de 7,5% para 8%, prevê a Selic em 13,5% no fim do ano, e o dólar, entre R$ 2,90 e R$ 3,10.
No mundo inteiro o dólar sobe. O problema é que a volatilidade num único dia, que levou à máxima de 3,79% de desvalorização para fechar em 2,81%, prova a existência das razões internas para a mudança do câmbio. Dentro dessas razões, há muitos indicadores econômicos ruins, mas o que mais tem pesado é a conjuntura política.
A articulação com a base está ruim, a popularidade da presidente caiu, a atual etapa de pedido de aberturas de inquéritos contra os políticos aumentou a tensão entre os poderes. Neste quadro, as forças que sustentam a presidente politicamente demonstram, nas ruas, discordância em relação à política econômica que se dispõe a tentar pôr em ordem as contas públicas. A soma de todos esses problemas alimenta a impressão de fragilidade da presidente antes de completar o terceiro mês do seu segundo mandato.
Para aprovar medidas no Congresso, o governo precisará do apoio da sua base e capacidade de administrar a coalizão. Não tem tido. Mesmo quando as medidas dependem apenas do Executivo, como certos cortes no Orçamento, são difíceis de serem executadas num ambiente conturbado. Um Congresso acuado pode também criar despesas, anulando o efeito das medidas de austeridade.
A alta do dólar e a crise da Petrobras têm uma relação direta. Quanto mais alto o dólar, mais alta a dívida da Petrobras e menor o alívio de caixa que ela está tendo com a decisão de manter os preços dos derivados, apesar da queda da cotação do petróleo no exterior.
A disparada do dólar ontem pode se reverter e ter sido apenas o reflexo de um momento de maior estresse, mas a tendência da moeda americana por todos os outros motivos, internos e externos, é de permanecer subindo no médio prazo. A maior arma do Banco Central, que foi o uso das medidas de intervenção no mercado futuro, através dos swaps cambiais, hoje parece sem efeito.
Parte da insatisfação difusa contra o governo tem a ver com a inflação alta. Os governistas que foram às ruas ontem culpam a política econômica pelo desconforto, quando na verdade foi a administração anterior da economia, da própria presidente Dilma, e as decisões erradas na energia que provocaram esse salto de preços que está comprimindo o orçamento doméstico e das empresas. Os que não são governistas acham que a presidente Dilma não manterá uma política econômica da qual sua base discorda, e na qual ela nunca demonstrou acreditar.
Nada é pior do que o encontro de crises. No Brasil de hoje há pelo menos quatro se encontrando: a econômica, a política, a energética, e a da Petrobras. Pelo tamanho da empresa e as ramificações da corrupção, esta crise tem potencial para fazer estragos em várias áreas. A Sete Brasil está aí pedindo socorro ao BNDES, que tenta empurrar o pepino para outros bancos, inclusive dois estatais, Banco do Brasil e Caixa. Seus problemas financeiros atingem os fundos de pensão das estatais que foram muito usados em todos os projetos do governo nos últimos anos. Entre as empreiteiras, a maioria era tão dependente do governo que não se sustenta sem os empréstimos do BNDES, sem as obras estatais, ou sem os contratos da Petrobras. Todas elas devem aos bancos. Contratos que estão hoje sendo cancelados, ou sob suspeição, foram usados para garantir produtos financeiros que estão em fundos de recebíveis. Seguradoras venderam proteção contra sinistros na expectativa de que só alguns acontecessem. E esses sinistros podem virar realidade numa sequência que as empresas de seguro não previam em seus cenários.
O dólar é como a febre, apenas o termômetro de outros problemas. É derivado de algo mais. No Brasil, há várias razões para que suba, como fez ontem.
14 de março de 2015
Miriam Leitão, O Globo
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