A crise que afeta as usinas de açúcar e álcool está longe do fim. Com a dívida 10% maior do que o faturamento que poderão alcançar, as usinas terão uma de suas piores safras dos últimos anos.
A crise financeira mundial iniciada em 2008 tornou ainda mais difícil a situação das empresas brasileiras do setor sucroalcooleiro, que já começavam a pagar o preço da errática política do governo do PT para o etanol. Esse preço continua a aumentar.
Como mostrou reportagem do Estado (21/10), com faturamento de R$ 70 bilhões no ciclo 2014-2015, as usinas deverão encerrar a safra devendo R$ 77 bilhões, de acordo com estimativa da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica).
Tendo acreditado nas promessas do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva de tornar o Brasil o líder e o exemplo mundial na produção de energia limpa e renovável, as usinas investiram pesadamente entre 2003 e 2008 na expansão da capacidade de produção do etanol e, para isso, contraíram dívidas pesadas, que a maioria ainda não quitou.
O discurso ufanista do governo - que apontava as vantagens econômicas, ambientais e sociais do etanol de cana-de-açúcar sobre o similar americano produzido a partir do milho (com o desvio de boa parte da safra do grão que seria destinada para outras finalidades) - estimulava esses investimentos.
Ao mesmo tempo, a política do governo de exigir das montadoras a produção de veículos bicombustíveis (flex) - que podem utilizar etanol, gasolina ou a mistura dos dois combustíveis em qualquer proporção - parecia assegurar um grande volume de vendas para o mercado doméstico.
Somadas às possibilidades de conquista de fatias maiores no exterior, com a transformação do etanol brasileiro de cana em commodity negociável em qualquer mercado do planeta, as possibilidades de crescimento do setor pareciam imensas.
Tudo mudou de repente. Com a descoberta, em 2007, de grandes acumulações de petróleo e gás em águas profundas, na camada do pré-sal, o governo Lula viu ali um potencial político-eleitoral muito maior, e de efeitos mais rápidos, do que o oferecido pelo etanol. Até então no centro das preocupações do governo petista, a energia limpa e renovável, que vinha sendo alardeada como o combustível do futuro, do qual o Brasil seria o grande fornecedor mundial, deixou de merecer a atenção das autoridades.
Mas o pior ocorreu no governo Dilma. Com o aumento das pressões inflacionárias a partir de 2011, o governo passou a conter o preço da gasolina. Com isso, também o preço do etanol adicionado à gasolina passou a ser comprimido. Já o preço do etanol vendido na bomba, embora teoricamente livre, é dependente de uma relação inescapável: a eficiência energética do álcool corresponde a cerca de 70% da gasolina, o que condiciona seu preço ao do derivado do petróleo.
Somada à excessiva e danosa interferência do governo no setor, a gestão financeira em muitos casos imprudente de muitas usinas - que continuaram a tomar dívidas para a mecanização da colheita, renovação do canavial e até expansão da capacidade - tornou os problemas ainda mais graves.
De acordo com o diretor técnico da Unica, Antonio de Pádua Rodrigues, há cerca de 375 usinas em operação no País. Dessas, ele estima que 30 talvez não tenham condições de moer cana na próxima safra, por causa de seu alto nível de endividamento.
Desde 2008, entre 60 e 70 usinas encerraram suas atividades por problemas financeiros. Cerca de outras 70 operam em regime de recuperação judicial. Estima-se que, desde o início da crise, o setor de açúcar e álcool fechou 100 mil empregos diretos e 250 mil indiretos (de um total, respectivamente, de 1,5 milhão e 2,5 milhões).
Além da crise que se arrasta há seis ou sete anos, a seca reduziu a colheita de cana no Centro-Sul para 545 milhões ou 55o milhões de toneladas, cerca de 40 milhões do que se previa. Com isso, o fim da moagem será antecipado e, sem produtos para comercializar, o setor pode estar prestes a enfrentar uma das piores entressafras de sua história.
26 de outubro de 2014
Editorial O Estadão
Nenhum comentário:
Postar um comentário