Faleceu na madrugada deste novo século uma instituição milenar, a Escola. Nascida da necessidade de se preservar a cultura, educação, conhecimento entre gerações. Foi por muitos séculos, local sagrado, respeitado, berço de ciências tão distintas quanto as naturais, das quais se destaca a matemática – tida como a mãe de todas as exatas e lógicas –, a física, a química e a biologia.
No seu seio, ainda se nutriram as ciências humanas, sem as quais a civilização não seria conhecida e compreendida, destaques aí para a filosofia, a teologia, a sociologia, a psicologia, entre outras.
No seu seio, ainda se nutriram as ciências humanas, sem as quais a civilização não seria conhecida e compreendida, destaques aí para a filosofia, a teologia, a sociologia, a psicologia, entre outras.
Sejam as primárias, secundárias ou superiores, as Escolas deram origem às comunidades, onde habitavam e orbitavam professores, alunos, pais e funcionários.
Desde já, órfãos dessa inenarrável perda, choram e lamentam profundamente o vazio irreparável. Morre, após longa agonia, por falência múltipla de órgãos: falência do MEC, das secretarias estaduais e municipais, das faculdades de pedagogia. Vítima ainda da anemia crônica de verbas, parasitadas por políticos sanguessugas com atuação em desvios de variadas verbas que iam desde as da merenda escolar até a modernização de espaços físicos ou remuneração digna aos mestres.
No seus dias finais angustiava-se com a indiferença dos pais, que há tempos não eram parceiros e, quanto mais ausentes, mais cobravam da Escola funções que não eram dela, como educar, estabelecer limites básicos às crianças, adolescentes, cada vez mais violentos, indiferentes, viciadas em eletrônicos e desmotivadas.
DESPRESTIGIADA
A Escola estava claramente mais deprimida, estressada, sentindo-se desprestigiada pela sociedade como um todo e pela comunidade escolar em particular. Lutou por séculos, na formação de uma sociedade justa, onde alunos associassem dons e vocações em áreas tão distintas quanto saúde, engenharia, direito, artes, música, letras, como também agricultura, comércio. Enfim, a Escola sempre foi um ser dinâmico, universal, transformador, mas que ultimamente foi sendo entregue literalmente “às moscas”.
Ultimamente, deu as mãos à palmatória, reconhecendo que não conseguiu acompanhar as rápidas transformações tecnológicas. Assim, como reconhecia que sua aparência e funcionalidade, com os arcaicos quadros negros, carteiras, salas herméticas e claustrofóbicas, pátios chinfrins, quadras detonadas, muros altos e prédios malcuidados, foram afastando o prazer, a alegria, o estímulo de professores, alunos, pais, funcionários.
Há décadas a doença que atingiu de morte a Escola já se instalara. A pressão alta por rendimentos em testes tipo Pisa, Enem, Enad, foi criando um estresse e os resultados cobrados por empregadores, sejam os governos ou particulares, eram desumanos e inalcançáveis.
Desidratados por sucessivas greves, inchados por número de alunos indiferentes, desinteressados, desrespeitosos, insone por falta de recursos materiais e humanos, a Escola tirava licenças médicas sucessivas, tinha náusea, labirintite, acamava-se cada vez mais, com sensação de impotência e culpa. Tentou até terapia. Foi ao divã, mas estava ferida de morte. Velha, decadente, defasada, na fila do SUS, mal conseguia gritar no Jornal Nacional: “Estou morrendo de inanição, de desânimo, de abandono”.
A HORA DO APLICATIVO
Por fim, o golpe final: lançado com pompa e circunstância, o aplicativo New School, lançado por um grupo de dez adolescentes, que permite em simples toques num celular baixar todo o conteúdo para o ensino fundamental, médio e cursos superiores de qualquer área a distância. Tal conteúdo reúne o conteúdo dos melhores mestres das principais escolas do mundo com tradução simultânea.
Acabou mensalidade, trânsito, o “ai que saco”, acordar às 6 da manhã. O mundo é das gerações Y, Z e o que mais vier. Adultos são descartáveis. Sabedoria saiu de moda, hoje só informação rápida, descartável, deletável. O universo cabe na palma da mão, a tela é o infinito e a prisão em duas dimensões.
“Somos avatares de nós mesmos”, como disse a Escola em suas últimas palavras . “O verdadeiro câncer é o eletrônico, e invade a nossa mente e alma na velocidade da luz, nos arremessando num universo paralelo da realidade virtual” , continuou em seu leito de morte. E num suspiro final e um sorriso de paz no rosto, ditou a frase de sua lápide em bom e culto latim: “in virtus medium” (A virtude está no meio).
E viva os professores. Foi para vocês está estranha homenagem! Um novo tempo se aproxima, nele, pós-caos, somente o conhecimento artesanal será instrumento de sobrevivência. “Voar com gaiola e tudo! “
25 de outubro de 2014
Eduardo Aquino
O Tempo
Desde já, órfãos dessa inenarrável perda, choram e lamentam profundamente o vazio irreparável. Morre, após longa agonia, por falência múltipla de órgãos: falência do MEC, das secretarias estaduais e municipais, das faculdades de pedagogia. Vítima ainda da anemia crônica de verbas, parasitadas por políticos sanguessugas com atuação em desvios de variadas verbas que iam desde as da merenda escolar até a modernização de espaços físicos ou remuneração digna aos mestres.
No seus dias finais angustiava-se com a indiferença dos pais, que há tempos não eram parceiros e, quanto mais ausentes, mais cobravam da Escola funções que não eram dela, como educar, estabelecer limites básicos às crianças, adolescentes, cada vez mais violentos, indiferentes, viciadas em eletrônicos e desmotivadas.
DESPRESTIGIADA
A Escola estava claramente mais deprimida, estressada, sentindo-se desprestigiada pela sociedade como um todo e pela comunidade escolar em particular. Lutou por séculos, na formação de uma sociedade justa, onde alunos associassem dons e vocações em áreas tão distintas quanto saúde, engenharia, direito, artes, música, letras, como também agricultura, comércio. Enfim, a Escola sempre foi um ser dinâmico, universal, transformador, mas que ultimamente foi sendo entregue literalmente “às moscas”.
Ultimamente, deu as mãos à palmatória, reconhecendo que não conseguiu acompanhar as rápidas transformações tecnológicas. Assim, como reconhecia que sua aparência e funcionalidade, com os arcaicos quadros negros, carteiras, salas herméticas e claustrofóbicas, pátios chinfrins, quadras detonadas, muros altos e prédios malcuidados, foram afastando o prazer, a alegria, o estímulo de professores, alunos, pais, funcionários.
Há décadas a doença que atingiu de morte a Escola já se instalara. A pressão alta por rendimentos em testes tipo Pisa, Enem, Enad, foi criando um estresse e os resultados cobrados por empregadores, sejam os governos ou particulares, eram desumanos e inalcançáveis.
Desidratados por sucessivas greves, inchados por número de alunos indiferentes, desinteressados, desrespeitosos, insone por falta de recursos materiais e humanos, a Escola tirava licenças médicas sucessivas, tinha náusea, labirintite, acamava-se cada vez mais, com sensação de impotência e culpa. Tentou até terapia. Foi ao divã, mas estava ferida de morte. Velha, decadente, defasada, na fila do SUS, mal conseguia gritar no Jornal Nacional: “Estou morrendo de inanição, de desânimo, de abandono”.
A HORA DO APLICATIVO
Por fim, o golpe final: lançado com pompa e circunstância, o aplicativo New School, lançado por um grupo de dez adolescentes, que permite em simples toques num celular baixar todo o conteúdo para o ensino fundamental, médio e cursos superiores de qualquer área a distância. Tal conteúdo reúne o conteúdo dos melhores mestres das principais escolas do mundo com tradução simultânea.
Acabou mensalidade, trânsito, o “ai que saco”, acordar às 6 da manhã. O mundo é das gerações Y, Z e o que mais vier. Adultos são descartáveis. Sabedoria saiu de moda, hoje só informação rápida, descartável, deletável. O universo cabe na palma da mão, a tela é o infinito e a prisão em duas dimensões.
“Somos avatares de nós mesmos”, como disse a Escola em suas últimas palavras . “O verdadeiro câncer é o eletrônico, e invade a nossa mente e alma na velocidade da luz, nos arremessando num universo paralelo da realidade virtual” , continuou em seu leito de morte. E num suspiro final e um sorriso de paz no rosto, ditou a frase de sua lápide em bom e culto latim: “in virtus medium” (A virtude está no meio).
E viva os professores. Foi para vocês está estranha homenagem! Um novo tempo se aproxima, nele, pós-caos, somente o conhecimento artesanal será instrumento de sobrevivência. “Voar com gaiola e tudo! “
25 de outubro de 2014
Eduardo Aquino
O Tempo
Nenhum comentário:
Postar um comentário