Aprovação estrangeira nos atropela num momento em que parecemos divorciados de nossa imagem cordata e simpática
No dia 29 de junho, o programa Fantástico, da Rede Globo, apresentou enquete com as impressões dos estrangeiros sobre o país. O bordão “o melhor do Brasil são os brasileiros” por pouco não saltou da tela, com assobios e larás-larás. Impôs-se. Sim, os visitantes apreciam a delicadeza, a atenção e a alegria com que estão sendo tratados – e nos aplaudem por isso. Outro resultado previsível veio na sequência: o “país bonito por natureza” não escapou à percepção dos estrangeiros, que destacaram nossas paisagens. Tem sido assim desde o século 16.
Em negativo, o trânsito e os preços abusivos, o que pode servir de inibidor para um dos tais ganhos posteriores à Copa. Presume-se que quem veio para os jogos volte para fazer turismo ou indique o país a amigos e parentes. A mobilidade sofrível nas cidades e os custos altos – competindo com Inglaterra e Itália, caríssimos – tendem a jogar contra a nossa imagem. Esse descontrole emocional na hora de tabelar não causa espanto: há uma tendência cultural ao imediatismo e a pensar na própria “horta”. Uma pena.
No mais, a enquete é motivo de festa – seus resultados tendem a se repetir em novas aferições. Podem nos ajudar a entender a paisagem natural como patrimônio e a paisagem humana como nosso tesouro, sobre o qual ninguém pode atentar. Vale lembrar que as muitas pesquisas de opinião feitas no período pré-Copa eram casmurras, uma negação do pouco orgulho que nos sobrava.
Dois levantamentos do Departamento de Pesquisa e Inteligência de Mercado da Editora Abril, em 2011 e em 2014, com mais de 4 mil entrevistas, apontaram o tamanho do estrago. Basta dizer que entre a primeira e a segunda pesquisa saltou de 79% para 89% a impressão de que o Brasil deixaria uma imagem negativa para o mundo. Mais ou menos na mesma medida, os entrevistados afirmaram maciçamente que a Copa do Mundo não deixaria nada de bom para a população. As demais questões replicam o baixo astral – um pessimismo que também se manifestou nas redes sociais, nos quais o campeonato mundial gozou dos piores impropérios.
Talvez seja cedo para julgar opiniões tão bipolares, dadas no calor da hora. Mas duas afirmações já podem ser feitas. A Copa do Mundo botou de canelas para o ar a maneira como nos vemos e traz, por extensão, o olhar do exterior sobre nós. Não sairemos impunes dessa experiência – pois ela seria rica para qualquer nação do mundo.
À primeira. Quanto mais avançam as participações nas redes sociais, mais fica abalada a nossa imagem de povo feliz, bacana ou que nome se queira dar ao nosso layout. As redes nos revelam muito parecidos com o Gervásio, o intolerante e folclórico personagem do colunista José Simão, inventado com o intuito de desmontar o mito do brasileiro bonzinho. Não à toa, um dos assuntos da temporada é o desmanche da expressão “brasileiro cordial” – explica-se aqui e ali, com ciência, que nada tem a ver com cordato, mas com emocional, impetuoso, para bem e para mal. Dá medo.
Essa filologia da palavra explica a epidemia de linchamentos virtuais, rompantes reacionários, incitação ao ódio – entre outros defeitos de fabricação que parecem ter tomado de assalto a simpática população brasileira, desfigurando-a. Difícil não acompanhar os comentários sempre raivosos na rede sobre os problemas nacionais e não se perguntar o que aconteceu. Ou nunca fomos tão amigáveis e abertos quanto julgávamos, ou estamos em processo de mutação galopante. Mas eis que os estrangeiros dizem ter gostado de nós, justamente por uma série de atitudes que julgávamos aposentadas.
A propósito, seria bem interessante saber mais sobre o que veem os outros – quem sabe uma nova pesquisa dê contas de responder. Como declarou Caetano Veloso, há mais de uma década, em célebre artigo sobre Carmen Miranda, “o Brasil é surreal”, daí ser tão bem representado por aquela portuguesa baixinha, cheia de gestos, tatibitates e com uma cesta de frutas na cabeça. Nossos absurdos devem ter saltado aos olhos dos estrangeiros no último mês. E nosso charme, nossa tormenta, nossa cesta de frutas. O brasileiro que chora feito menino desembestado é o mesmo que parece ignorar todo o resto – um mendigo dormindo no asfalto, não é com ele. As paisagens de paraíso convivem com um urbanismo sofrível – a começar pelos fios de luz expostos, o lixo nas ruas, sem falar nos já conhecidos contrastes sociais, sempre beirando a imoralidade. E a escola ruim? Bem podíamos chorá-la.
De qualquer modo, só resta repetir um dos mais festejados lugares comuns sobre o Brasil: “Não é país para principiantes”. A Copa pode estar nos devolvendo um pouco dessa complexidade. Menos mal.
No dia 29 de junho, o programa Fantástico, da Rede Globo, apresentou enquete com as impressões dos estrangeiros sobre o país. O bordão “o melhor do Brasil são os brasileiros” por pouco não saltou da tela, com assobios e larás-larás. Impôs-se. Sim, os visitantes apreciam a delicadeza, a atenção e a alegria com que estão sendo tratados – e nos aplaudem por isso. Outro resultado previsível veio na sequência: o “país bonito por natureza” não escapou à percepção dos estrangeiros, que destacaram nossas paisagens. Tem sido assim desde o século 16.
Em negativo, o trânsito e os preços abusivos, o que pode servir de inibidor para um dos tais ganhos posteriores à Copa. Presume-se que quem veio para os jogos volte para fazer turismo ou indique o país a amigos e parentes. A mobilidade sofrível nas cidades e os custos altos – competindo com Inglaterra e Itália, caríssimos – tendem a jogar contra a nossa imagem. Esse descontrole emocional na hora de tabelar não causa espanto: há uma tendência cultural ao imediatismo e a pensar na própria “horta”. Uma pena.
No mais, a enquete é motivo de festa – seus resultados tendem a se repetir em novas aferições. Podem nos ajudar a entender a paisagem natural como patrimônio e a paisagem humana como nosso tesouro, sobre o qual ninguém pode atentar. Vale lembrar que as muitas pesquisas de opinião feitas no período pré-Copa eram casmurras, uma negação do pouco orgulho que nos sobrava.
Dois levantamentos do Departamento de Pesquisa e Inteligência de Mercado da Editora Abril, em 2011 e em 2014, com mais de 4 mil entrevistas, apontaram o tamanho do estrago. Basta dizer que entre a primeira e a segunda pesquisa saltou de 79% para 89% a impressão de que o Brasil deixaria uma imagem negativa para o mundo. Mais ou menos na mesma medida, os entrevistados afirmaram maciçamente que a Copa do Mundo não deixaria nada de bom para a população. As demais questões replicam o baixo astral – um pessimismo que também se manifestou nas redes sociais, nos quais o campeonato mundial gozou dos piores impropérios.
Talvez seja cedo para julgar opiniões tão bipolares, dadas no calor da hora. Mas duas afirmações já podem ser feitas. A Copa do Mundo botou de canelas para o ar a maneira como nos vemos e traz, por extensão, o olhar do exterior sobre nós. Não sairemos impunes dessa experiência – pois ela seria rica para qualquer nação do mundo.
À primeira. Quanto mais avançam as participações nas redes sociais, mais fica abalada a nossa imagem de povo feliz, bacana ou que nome se queira dar ao nosso layout. As redes nos revelam muito parecidos com o Gervásio, o intolerante e folclórico personagem do colunista José Simão, inventado com o intuito de desmontar o mito do brasileiro bonzinho. Não à toa, um dos assuntos da temporada é o desmanche da expressão “brasileiro cordial” – explica-se aqui e ali, com ciência, que nada tem a ver com cordato, mas com emocional, impetuoso, para bem e para mal. Dá medo.
Essa filologia da palavra explica a epidemia de linchamentos virtuais, rompantes reacionários, incitação ao ódio – entre outros defeitos de fabricação que parecem ter tomado de assalto a simpática população brasileira, desfigurando-a. Difícil não acompanhar os comentários sempre raivosos na rede sobre os problemas nacionais e não se perguntar o que aconteceu. Ou nunca fomos tão amigáveis e abertos quanto julgávamos, ou estamos em processo de mutação galopante. Mas eis que os estrangeiros dizem ter gostado de nós, justamente por uma série de atitudes que julgávamos aposentadas.
A propósito, seria bem interessante saber mais sobre o que veem os outros – quem sabe uma nova pesquisa dê contas de responder. Como declarou Caetano Veloso, há mais de uma década, em célebre artigo sobre Carmen Miranda, “o Brasil é surreal”, daí ser tão bem representado por aquela portuguesa baixinha, cheia de gestos, tatibitates e com uma cesta de frutas na cabeça. Nossos absurdos devem ter saltado aos olhos dos estrangeiros no último mês. E nosso charme, nossa tormenta, nossa cesta de frutas. O brasileiro que chora feito menino desembestado é o mesmo que parece ignorar todo o resto – um mendigo dormindo no asfalto, não é com ele. As paisagens de paraíso convivem com um urbanismo sofrível – a começar pelos fios de luz expostos, o lixo nas ruas, sem falar nos já conhecidos contrastes sociais, sempre beirando a imoralidade. E a escola ruim? Bem podíamos chorá-la.
De qualquer modo, só resta repetir um dos mais festejados lugares comuns sobre o Brasil: “Não é país para principiantes”. A Copa pode estar nos devolvendo um pouco dessa complexidade. Menos mal.
08 de julho de 2014
Editorial Gazeta do Povo, PR
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