A relação crédito/PIB elevou-se por causa dos bancos públicos, cuja participação foi de 14% do PIB para 28,8%
Em relatório anual divulgado na semana passada, o Banco de Compensações Internacionais (BIS) arrolou o Brasil entre os países suscetíveis a risco de crises financeiras nos próximos anos. A inclusão do Brasil nesse grupo se deveu primordialmente ao comportamento recente da razão crédito/PIB que é um dos indicadores antecedentes de crises bancárias utilizados por aquela instituição.
Segundo o BIS, os dados históricos sugerem que uma diferença maior do que dez pontos percentuais entre a razão crédito/PIB e sua tendência de longo prazo usualmente sinaliza a eclosão de uma crise bancária no prazo de três anos. No caso brasileiro, essa diferença está atualmente em cerca de quatorze pontos percentuais, justificando assim o alerta trazido pelo BIS em seu relatório anual. Haveria, de fato, o risco apontado pelo BIS ou, ao contrário, estamos apenas diante de mais um "erro de modelo"?
Trata-se de uma questão relevante. Se confirmada a existência de risco iminente de estresse financeiro, o remédio seria a adoção imediata pelo Banco Central das chamadas medidas macroprudenciais com vistas a moderar o crescimento do crédito. Tipicamente, tais medidas envolveriam elevação do capital exigido dos bancos para determinadas operações, aumento dos recolhimentos compulsórios e imposição de limites para os prazos das operações de financiamento. Ademais, caso já estivessem implantados entre nós todos os princípios de Basileia 3, o indicador citado levaria ao acionamento pelo Banco Central do chamado "colchão anticíclico" de capital, com vistas a diminuir a capacidade de alavancagem dos bancos. As consequências seriam negativas para a atividade econômica e, tendo em vista a presente fraqueza do PIB, uma recessão seria inevitável.
Porém, felizmente este não é o caso. O indicador do BIS não reflete uma situação de crescimento endógeno do crédito típica dos momentos de euforia nos mercados financeiros que costumam levar a bolhas especulativas. Na realidade, em ampla medida, tal indicador está apenas captando as consequências da exagerada atuação procíclica dos bancos públicos nos últimos anos. Se houve crescimento excessivo de crédito no Brasil, o responsável maior foi determinação política do governo de turbinar a concessão de crédito pelos bancos oficiais federais, inclusive com o aporte de recursos do erário. Os dados rotineiramente divulgados pelo Banco Central corroboram essa afirmativa.
Entre 2008 e 2013, a relação crédito/PIB no Brasil elevou-se de 40,7% para 56,2%, sem dúvida um ganho expressivo. Ocorre que praticamente toda essa elevação se deu por causa dos bancos públicos, cuja participação passou de 14,7% do PIB para 28,8% no período. Considerando um período mais recente, entre 2011 e 2013, o saldo de crédito concedido pelos bancos públicos cresceu 63%, que se comparam com apenas 12% de aumento do saldo dos bancos privados.
O crescimento ocorreu notadamente no credito imobiliário ofertado às pessoas físicas pela Caixa Econômica Federal (CEF) e nas operações do BNDES com pessoas jurídicas. Em ambos os casos, deve ser observado que os juros praticados guardam pouca ou nenhuma relação com as taxas de mercado, estas influenciadas diretamente pela política monetária do Banco Central. Isso significa que a demanda por tais tipos de crédito deve ter sido pouco afetada pelo ciclo recente de alta dos juros pelo BC, onde a taxa Selic foi elevada em 375 pontos base.
Desse modo, o termômetro do BIS acusa uma "febre" no mercado de crédito que é em grande medida consequência do abuso das políticas de gestão da demanda agregada que se seguiram à crise de 2008. Logo após a quebra do Lehman em setembro daquele ano, havia de fato razões para que as políticas monetárias e fiscais se afrouxassem e os bancos públicos expandissem a concessão de crédito, para compensar o recuo dos bancos privados. Porém, já ao final de 2009, deveria ter sido iniciada a reversão de tais políticas. Não foi o que ocorreu. Ao contrário, no governo Dilma houve a continuidade dos repasses de recursos do Tesouro ao BNDES e a determinação para que os bancos públicos baixassem suas margens e expandissem o crédito, inclusive nas modalidades onde não tinham tradição.
Finalmente, além das questões relativas à gestão macroeconômica, o alerta do BIS chama a atenção para as dificuldades de se implantar no Brasil alguns dos princípios de Basileia 3. Especificamente no caso do colchão anticíclico de capital, parece haver incompatibilidade absoluta desse mecanismo com algumas das "jabuticabas" presentes em terras tupiniquins. Uma delas é a atuação dos bancos públicos turbinada com recursos "inesgotáveis" por um acionista disposto a assumir todos os riscos, como vimos nos últimos anos. Outra é a existência de direcionamento de crédito, como no caso dos financiamentos imobiliários, em que os bancos são obrigados a aplicar uma parcela de sua captação de depósitos de poupança. Pode ser difícil exigir dos bancos temperança, quando eles estão sujeitos a sanções caso não contratem um determinado montante mínimo de crédito.
08 de julho de 2014
Gustavo Loyola, Valor Econômico
Segundo o BIS, os dados históricos sugerem que uma diferença maior do que dez pontos percentuais entre a razão crédito/PIB e sua tendência de longo prazo usualmente sinaliza a eclosão de uma crise bancária no prazo de três anos. No caso brasileiro, essa diferença está atualmente em cerca de quatorze pontos percentuais, justificando assim o alerta trazido pelo BIS em seu relatório anual. Haveria, de fato, o risco apontado pelo BIS ou, ao contrário, estamos apenas diante de mais um "erro de modelo"?
Trata-se de uma questão relevante. Se confirmada a existência de risco iminente de estresse financeiro, o remédio seria a adoção imediata pelo Banco Central das chamadas medidas macroprudenciais com vistas a moderar o crescimento do crédito. Tipicamente, tais medidas envolveriam elevação do capital exigido dos bancos para determinadas operações, aumento dos recolhimentos compulsórios e imposição de limites para os prazos das operações de financiamento. Ademais, caso já estivessem implantados entre nós todos os princípios de Basileia 3, o indicador citado levaria ao acionamento pelo Banco Central do chamado "colchão anticíclico" de capital, com vistas a diminuir a capacidade de alavancagem dos bancos. As consequências seriam negativas para a atividade econômica e, tendo em vista a presente fraqueza do PIB, uma recessão seria inevitável.
Porém, felizmente este não é o caso. O indicador do BIS não reflete uma situação de crescimento endógeno do crédito típica dos momentos de euforia nos mercados financeiros que costumam levar a bolhas especulativas. Na realidade, em ampla medida, tal indicador está apenas captando as consequências da exagerada atuação procíclica dos bancos públicos nos últimos anos. Se houve crescimento excessivo de crédito no Brasil, o responsável maior foi determinação política do governo de turbinar a concessão de crédito pelos bancos oficiais federais, inclusive com o aporte de recursos do erário. Os dados rotineiramente divulgados pelo Banco Central corroboram essa afirmativa.
Entre 2008 e 2013, a relação crédito/PIB no Brasil elevou-se de 40,7% para 56,2%, sem dúvida um ganho expressivo. Ocorre que praticamente toda essa elevação se deu por causa dos bancos públicos, cuja participação passou de 14,7% do PIB para 28,8% no período. Considerando um período mais recente, entre 2011 e 2013, o saldo de crédito concedido pelos bancos públicos cresceu 63%, que se comparam com apenas 12% de aumento do saldo dos bancos privados.
O crescimento ocorreu notadamente no credito imobiliário ofertado às pessoas físicas pela Caixa Econômica Federal (CEF) e nas operações do BNDES com pessoas jurídicas. Em ambos os casos, deve ser observado que os juros praticados guardam pouca ou nenhuma relação com as taxas de mercado, estas influenciadas diretamente pela política monetária do Banco Central. Isso significa que a demanda por tais tipos de crédito deve ter sido pouco afetada pelo ciclo recente de alta dos juros pelo BC, onde a taxa Selic foi elevada em 375 pontos base.
Desse modo, o termômetro do BIS acusa uma "febre" no mercado de crédito que é em grande medida consequência do abuso das políticas de gestão da demanda agregada que se seguiram à crise de 2008. Logo após a quebra do Lehman em setembro daquele ano, havia de fato razões para que as políticas monetárias e fiscais se afrouxassem e os bancos públicos expandissem a concessão de crédito, para compensar o recuo dos bancos privados. Porém, já ao final de 2009, deveria ter sido iniciada a reversão de tais políticas. Não foi o que ocorreu. Ao contrário, no governo Dilma houve a continuidade dos repasses de recursos do Tesouro ao BNDES e a determinação para que os bancos públicos baixassem suas margens e expandissem o crédito, inclusive nas modalidades onde não tinham tradição.
Finalmente, além das questões relativas à gestão macroeconômica, o alerta do BIS chama a atenção para as dificuldades de se implantar no Brasil alguns dos princípios de Basileia 3. Especificamente no caso do colchão anticíclico de capital, parece haver incompatibilidade absoluta desse mecanismo com algumas das "jabuticabas" presentes em terras tupiniquins. Uma delas é a atuação dos bancos públicos turbinada com recursos "inesgotáveis" por um acionista disposto a assumir todos os riscos, como vimos nos últimos anos. Outra é a existência de direcionamento de crédito, como no caso dos financiamentos imobiliários, em que os bancos são obrigados a aplicar uma parcela de sua captação de depósitos de poupança. Pode ser difícil exigir dos bancos temperança, quando eles estão sujeitos a sanções caso não contratem um determinado montante mínimo de crédito.
08 de julho de 2014
Gustavo Loyola, Valor Econômico
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