O governo cortou 'vento', gastos que existiam apenas no fantasioso mundo do Orçamento federal
Quem acompanhou a divulgação do decreto de programação orçamentária pode ter se impressionado com a seriedade do governo. De acordo com a proposta, haveria redução de R$ 44 bilhões dos gastos federais, elevando o saldo primário (antes do pagamento de juros) em quase R$ 23 bilhões.
A reação positiva do mercado, expressa na queda das taxas futuras de juros e no fortalecimento da moeda, reforçou essa percepção, sugerindo que, desta vez, a racionalidade econômica teria prevalecido.
Já quem acompanhou com cuidado a divulgação do decreto de programação orçamentária não pode ter se impressionado. De acordo com a proposta, haveria aumento de R$ 88 bilhões dos gastos federais, o que não justificaria a reação positiva do mercado.
É menos confuso do que parece, prometo.
Em 2013, o governo federal gastou R$ 920 bilhões (19,1% do PIB). Em 2014, de acordo com o Orçamento aprovado pelo Congresso, esses gastos deveriam atingir R$ 1,052 trilhão (19,9% do PIB). O decreto da semana passada, porém, reduz a previsão de gastos para R$ 1,008 trilhão (19,3% do PIB), ou seja, R$ 44 bilhões a menos do que o projetado pelo Orçamento, mas R$ 88 bilhões a mais do que foi efetivamente gasto em 2013.
Posto dessa forma, os dois parágrafos iniciais se tornam menos contraditórios do que inicialmente sugerido: o governo teria feito uma redução expressiva de gastos relativamente ao nível que alcançariam sem sua intervenção, mas, ainda assim, a despesa federal superaria por larga margem o observado em 2013.
Longe do ideal, mas a intervenção teria prevenido o pior, a saber, a materialização de todos os gastos inclusos no Orçamento. Ambas as afirmações pareceriam, portanto, verdadeiras; todavia, a realidade não é tão equilibrada.
Ocorre que o Orçamento no Brasil é uma obra (ruim) de ficção: ele não obriga que a despesa atinja o valor previsto; segundo a interpretação corrente, apenas autoriza o governo a gastar até o limite proposto. Assim, tipicamente o Orçamento chega inflado ao Congresso, que trata de inchá-lo um pouco mais, seja do lado das despesas, seja do lado da receita. Historicamente, nunca o valor orçado das despesas se concretiza.
Na verdade, como parte do faz de conta orçamentário, todo começo de ano o governo publica um decreto estabelecendo o que, de fato, pretende fazer. Ou seja, todo ano o governo "corta" os gastos na comparação com os números exagerados do Orçamento e apresenta esse "esforço" como prova de seu compromisso fiscal.
Do ponto de vista prático, porém, todo ano o dispêndio federal aumenta na comparação com o ano anterior. Para ficar apenas no período mais recente, equivalia a 17,8% do PIB em 2010; caso o governo cumpra suas promessas, atingirá 19,3% do PIB neste ano, um salto de 1,5% do PIB num mandato presidencial, exatamente a média observada para cada mandato desde 1999!
À luz desses números, pois, deve ficar claro que o anúncio da semana passada nada trouxe do ponto de vista de austeridade fiscal. O governo cortou "vento", gastos que existiam apenas no fantasioso mundo do Orçamento federal, permi- tindo, porém, que continuem crescendo a uma velocidade superior à do PIB.
Dessa forma, a nova meta fiscal implicaria a geração de um saldo primário equivalente a 1,9% do PIB, justamente o número oficial observado no ano passado, correspondente, segundo minhas estimativas, a um esforço fiscal legítimo ao redor de 0,8% do PIB.
De qualquer forma, ao fixar a nova meta em patamar próximo ao realizado em 2013, o governo permitirá ao BC continuar com suas balelas acerca da "política fiscal se movendo na direção da neutralidade", o que torna mais provável uma redução no ritmo de aperto da taxa de juros, de 0,50 ponto percentual para 0,25 ponto percentual na reunião do Copom.
Como jabuti não sobe em árvore, a programação fiscal para 2014 parece orquestrada para justificar a desaceleração da Selic; não, infelizmente, para reduzir a inflação.
Quem acompanhou a divulgação do decreto de programação orçamentária pode ter se impressionado com a seriedade do governo. De acordo com a proposta, haveria redução de R$ 44 bilhões dos gastos federais, elevando o saldo primário (antes do pagamento de juros) em quase R$ 23 bilhões.
A reação positiva do mercado, expressa na queda das taxas futuras de juros e no fortalecimento da moeda, reforçou essa percepção, sugerindo que, desta vez, a racionalidade econômica teria prevalecido.
Já quem acompanhou com cuidado a divulgação do decreto de programação orçamentária não pode ter se impressionado. De acordo com a proposta, haveria aumento de R$ 88 bilhões dos gastos federais, o que não justificaria a reação positiva do mercado.
É menos confuso do que parece, prometo.
Em 2013, o governo federal gastou R$ 920 bilhões (19,1% do PIB). Em 2014, de acordo com o Orçamento aprovado pelo Congresso, esses gastos deveriam atingir R$ 1,052 trilhão (19,9% do PIB). O decreto da semana passada, porém, reduz a previsão de gastos para R$ 1,008 trilhão (19,3% do PIB), ou seja, R$ 44 bilhões a menos do que o projetado pelo Orçamento, mas R$ 88 bilhões a mais do que foi efetivamente gasto em 2013.
Posto dessa forma, os dois parágrafos iniciais se tornam menos contraditórios do que inicialmente sugerido: o governo teria feito uma redução expressiva de gastos relativamente ao nível que alcançariam sem sua intervenção, mas, ainda assim, a despesa federal superaria por larga margem o observado em 2013.
Longe do ideal, mas a intervenção teria prevenido o pior, a saber, a materialização de todos os gastos inclusos no Orçamento. Ambas as afirmações pareceriam, portanto, verdadeiras; todavia, a realidade não é tão equilibrada.
Ocorre que o Orçamento no Brasil é uma obra (ruim) de ficção: ele não obriga que a despesa atinja o valor previsto; segundo a interpretação corrente, apenas autoriza o governo a gastar até o limite proposto. Assim, tipicamente o Orçamento chega inflado ao Congresso, que trata de inchá-lo um pouco mais, seja do lado das despesas, seja do lado da receita. Historicamente, nunca o valor orçado das despesas se concretiza.
Na verdade, como parte do faz de conta orçamentário, todo começo de ano o governo publica um decreto estabelecendo o que, de fato, pretende fazer. Ou seja, todo ano o governo "corta" os gastos na comparação com os números exagerados do Orçamento e apresenta esse "esforço" como prova de seu compromisso fiscal.
Do ponto de vista prático, porém, todo ano o dispêndio federal aumenta na comparação com o ano anterior. Para ficar apenas no período mais recente, equivalia a 17,8% do PIB em 2010; caso o governo cumpra suas promessas, atingirá 19,3% do PIB neste ano, um salto de 1,5% do PIB num mandato presidencial, exatamente a média observada para cada mandato desde 1999!
À luz desses números, pois, deve ficar claro que o anúncio da semana passada nada trouxe do ponto de vista de austeridade fiscal. O governo cortou "vento", gastos que existiam apenas no fantasioso mundo do Orçamento federal, permi- tindo, porém, que continuem crescendo a uma velocidade superior à do PIB.
Dessa forma, a nova meta fiscal implicaria a geração de um saldo primário equivalente a 1,9% do PIB, justamente o número oficial observado no ano passado, correspondente, segundo minhas estimativas, a um esforço fiscal legítimo ao redor de 0,8% do PIB.
De qualquer forma, ao fixar a nova meta em patamar próximo ao realizado em 2013, o governo permitirá ao BC continuar com suas balelas acerca da "política fiscal se movendo na direção da neutralidade", o que torna mais provável uma redução no ritmo de aperto da taxa de juros, de 0,50 ponto percentual para 0,25 ponto percentual na reunião do Copom.
Como jabuti não sobe em árvore, a programação fiscal para 2014 parece orquestrada para justificar a desaceleração da Selic; não, infelizmente, para reduzir a inflação.
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