Em matéria de lenda, esta é a clássica das clássicas, aquela à qual muita gente adora se agarrar mesmo depois que lhe demonstram de forma indiscutível sua falsidade – teimosia que para ser vencida exigiria, mais do que informação, algum tipo de psicanálise cultural.
Crendices desse tipo demoram a morrer, motivo pelo qual é recomendável voltar ao tema abordado na coluna há dois anos e meio, em resposta à consulta de uma leitora.
A consulta era em resumo a seguinte: será verdade que a brasileiríssima palavra forró veio do inglês for all, expressão usada pelos militares americanos lotados na base de Natal durante a Segunda Guerra para, num trabalho de relações públicas com os nativos, qualificar suas festas “abertas a todo mundo”?
Não, não é verdade. Forró é uma palavra que já se encontrava dicionarizada em 1913 (por Cândido de Figueiredo, clássico da lexicografia, segundo a datação do Houaiss). Ou seja, situar sua criação depois disso não faz sentido algum. Simples assim.
Como forma de amenizar a decepção dos devotos da origem anglófona, registre-se não ser impossível – embora também isso careça de fontes históricas – que os tais americanos festeiros tenham se intrigado com a palavra forró e bolado, aí sim, um trocadilho com for all, a fim de promover seus furdunços. Quem sabe? O certo é que o vocábulo forró não lhes deve nada.
Se não saiu de for all, de onde terá vindo o forró? Nenhum estudioso sério parecer ter dúvida de que se trata da forma reduzida, surgida no Brasil, de forrobodó (“festa popular” e, por extensão, “confusão, briga”).
Forrobodó é um termo existente também em Portugal e registrado em dicionário desde 1899 – pelo mesmo Cândido de Figueiredo, aliás. Nas artes nacionais foi imortalizado em 1911 como nome de uma opereta da compositora carioca Chiquinha Gonzaga.
A origem de forrobodó é controversa, e sobre ela não falta sequer a contribuição daquela turma fixada nos militares americanos: ignorando datas, propõem alguns o hilariante étimo for all but dogs (“para todos, menos cachorros”). O dicionário da Academia das Ciências de Lisboa fala em “formação expressiva”. O pesquisador Nei Lopes menciona, em seu “Dicionário Banto do Brasil”, a possibilidade de um “hibridismo banto-português”.
Aposto minhas fichas na tese exposta pelo gramático Evanildo Bechara: estamos diante de uma variação do vocábulo galego forbodó, ligado ao francês faux bourdon, “cantochão, canto monótono”.
26 de fevereiro de 2014
Veja.com
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