O governo Dilma Rousseff está em meio a uma inflexão da política econômica adotada na segunda metade de 2011. Sem reconhecer publicamente o fracasso do arcabouço adotado, mudou, primeiro, a política monetária, depois, o regime cambial e, agora, a política fiscal. O mercado reagiu positivamente às mudanças, mas com cautela.
Há dúvidas de duas naturezas. A primeira é se o governo cumprirá as promessas feitas na área fiscal. A outra é se está fazendo isso apenas para evitar o rebaixamento da classificação da dívida soberana, fato que poderia provocar uma crise em pleno ano eleitoral. Para os mais céticos, conquistada a reeleição, a presidente redobrará a aposta em seu modelo econômico.
É difícil fazer essa afirmação neste momento. Governos costumam mudar convicções em períodos de crise. A questão é que, a rigor, o Brasil não entrou em crise. Cresce pouco há três anos, entrando pelo quarto ano, com chance de também não crescer em 2015, "o ano do ajuste", como já se diz nas ruas; acumula expressivo déficit nas transações correntes; investe pouco; possui dívida elevada se comparada à de países emergentes, mas não corre, neste momento, risco de insolvência.
O que dá para afirmar é que a presidente Dilma não convive bem com o receituário adotado recentemente. Isso é visível quando se observa a hesitação do governo em assumir compromissos na área fiscal. Quando o Banco Central (BC), com certo atraso, começou a aumentar a taxa básica de juros (Selic) em abril do ano passado, já estava claro que o governo deveria dar uma resposta do lado fiscal para contribuir com aquele esforço.
Um reforço crível das contas públicas em meados de 2013 teria ajudado a melhorar as expectativas, facilitando a tarefa do BC. No limite, poderia ter diminuído a necessidade de elevação da taxa Selic. O que se viu desde abril foi a autoridade monetária aumentar os juros sem evitar que a inflação deixasse o incômodo patamar de 6% ao ano.
O curioso é que, no passado recente, o Brasil enfrentou uma inflação de 6% em condições completamente distintas. Em 2008, o IPCA foi a 5,9%, um índice elevado para o padrão da época - em 2007 variou 4,4% e em 2006 caiu ao segundo menor patamar da história do Plano Real (3,1%), ambos abaixo da meta de 4,5%. Apesar disso, no início de 2009, a mediana das expectativas do mercado projetava inflação de 5% naquele ano e de 4,5% em 2010. Os agentes econômicos acreditaram, portanto, que, apesar do aumento da inflação corrente, o BC, com a ajuda do governo, reduziria o IPCA à meta.
Hoje, a inflação corrente (nos 12 meses até janeiro) está em 5,59%, mas a mediana das expectativas do mercado prevê 6% para 2014 e 5,7% para 2015. Vê-se que, diferentemente de 2009, os agentes não acreditam na queda do IPCA. Um aspecto incompreendido por integrantes do governo é que expectativas fora do lugar contribuem para a carestia. Significam também que, do ponto de vista monetário, o custo de levar a inflação à meta é maior.
Tendo liberado o BC para promover um aperto monetário e deixar a taxa de câmbio flutuar, o governo julgou que não precisava fazer mais nada. Mexer na área fiscal seria curvar-se à agenda do setor financeiro, dos rentistas - não importa se, do ponto de vista econômico, isso não faça o menor sentido, afinal, mais fiscal significa menos juros.
O risco que o Brasil corria nos últimos meses era o de deparar-se com a "tempestade perfeita", a combinação dos efeitos da redução dos estímulos monetários nos Estados Unidos com os do rebaixamento do rating da dívida soberana. Ambos estimulariam investidores a tirar seus caraminguás do país, provocando uma desvalorização desordenada da taxa de câmbio, o que por sua vez elevaria a inflação, que já se encontra num patamar sem margem para absorção de choques negativos.
Tudo isso criaria uma inexpugnável sensação de mal-estar na sociedade, como sempre ocorre em períodos de perda abrupta de valor da moeda nacional.
A redução dos estímulos nos EUA surpreendeu positivamente porque está se dando sem ruptura, de forma bastante previsível. O governo brasileiro ganhou, na prática, mais tempo para tratar de seus problemas. Mas foi a ameaça das agências de rebaixar a dívida que moveu Brasília em direção ao anúncio de medidas fiscais realistas.
A reação de duas das três agências de rating - mais a Fitch do que a Moody"s - foi, de fato, positiva. Elas disseram que o ajuste fiscal anunciado é compatível com a atual classificação e perspectiva da nota brasileira. Não melhora, mas também não piora o rating. Falta a opinião da Standard & Poor"s. "Precisamos convencer mais a S&P", reconheceu, em conversa com economistas na segunda-feira, o ministro da Fazenda, Guido Mantega.
"Uma questão central que estamos tentando restaurar é a confiança. E confiança é um sentimento subjetivo que tem afetado o lado real da economia", admite um economista do governo, acrescentando que, diante das incertezas locais e externas, cabe ao Brasil "normalizar" sua política econômica, retirando os estímulos tributários e assumindo um compromisso fiscal crível.
O governo tem um longo caminho pela frente. Nos últimos dias, dois preços da economia - juros futuros e câmbio - melhoraram um pouco. No primeiro caso, os dados mostram que, apesar da recente queda, eles ainda se encontram bem acima de onde estavam em janeiro do ano passado e mesmo do estresse de junho, quando os EUA anunciaram que começariam a cortar os estímulos monetários
26 de fevereiro de 2014
Cristiano Romero, Valor Econômico
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