A reunião de cúpula entre Brasil e União Europeia (UE) resultou em muita retórica, muita promessa de cooperação e nenhum avanço concreto no assunto econômico mais importante para os dois lados, um acordo de livre-comércio. A presidente Dilma Rousseff reafirmou o interesse brasileiro nesse projeto. O assunto foi mencionado como tema de especial importância no comunicado conjunto, mas, em todos os momentos, o diálogo foi mantido apenas no plano das boas intenções. O governo brasileiro continua amarrado ao Mercosul e forçado a seguir o ritmo do bloco, integrado também por Argentina, Paraguai, Uruguai e, desde o ano passado, pela conturbada e semifalida Venezuela. O ritmo do Mercosul continua ditado, como tem sido há muitos anos, pelos desarranjos políticos e econômicos do segundo maior sócio. Além de impedir compromissos importantes de integração comercial, com troca de concessões, o governo argentino tem dificultado, com barreiras protecionistas e restrições cambiais, as trocas no interior do bloco.
Do lado do Mercosul, as negociações com a União Europeia têm sido emperradas pela resistência da Argentina à apresentação de uma lista de concessões, item essencial de qualquer acordo comercial. Segundo autoridades brasileiras, essa lista será finalmente conhecida no dia 7 de março. Se os argentinos tiverem observado os critérios mínimos, haverá condições para a elaboração de um pacote conjunto. Se os dois lados atenderem ao mínimo desejado, os negociadores poderão iniciar a negociação para valer, comparando as ofertas, cobrando maiores vantagens e pechinchando. Quando isso ocorrer, a negociação terá sido finalmente destravada.
Mas seria precipitado qualquer otimismo antes da reunião do Mercosul prevista para o começo de março. Se os argentinos deixarem de apresentar sua lista de ofertas, o melhor será deixá-los para trás e avançar nas negociações sem a Argentina, disse em Bruxelas a presidente da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária, senadora Katia Abreu. De toda forma, será preciso incluir a Argentina, mais tarde, no acordo em elaboração.
Por enquanto, o governo brasileiro tem de se preocupar até mesmo com as perspectivas do comércio no interior do bloco. A crise argentina e a política de restrições cambiais imposta pela presidente Cristina Kirchner devem resultar em novas perdas para o Brasil, segundo projeções da Confederação Nacional da Indústria e da Associação de Comércio Exterior do Brasil. As estimativas indicam redução de US$ 3 bilhões das exportações brasileiras para a Argentina. A crise e as limitações cambiais da Venezuela podem custar mais US$ 1 bilhão.
Não há, neste momento, perspectiva de solução dos problemas de nenhum desses dois parceiros. Os dois governos - o argentino e o venezuelano - conservam as desastrosas políticas econômicas escolhidas há vários anos. Mais que isso: tendem a enfrentar os problemas com mais intervencionismo e mais medidas autoritárias, em vez de iniciar os ajustes indicados pelo bom senso.
"Num momento em que a Europa está avançando em tantos acordos comerciais, seria uma pena não termos um com nossos amigos do Mercosul", disse em Bruxelas o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso. Os políticos e empresários do Mercosul deveriam ver nas entrelinhas dessa declaração mais um sinal de perigo. Enquanto as grandes potências negociam acordos, o Mercosul continua fora do grande jogo comercial.
Mas a presidente Dilma Rousseff mostra otimismo. Segundo ela, na Europa e no Mercosul há hoje consciência da importância do acordo entre os blocos. E antes? A resposta, em puro dilmês, é um desafio aos decifradores. "Então, essa consciência, ela permite que nós tenhamos nesse horizonte a possibilidade real e concreta de fazer o acordo, que não havia de uma forma tão clara nos períodos anteriores, seja porque eram períodos de expansão do ciclo, seja porque nós não tínhamos estado tão diante do fato e dessa consciência que o desencontro não é bom para nenhuma das partes."
26 de fevereiro de 2014
O Estado de S.Paulo
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