"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

domingo, 10 de novembro de 2013

PERDEU, PLAYBOY

           
          Artigos - Cultura        
Caminhava pelo centro da cidade quando vi a seguinte frase pichada no muro: “Todo camburão tem um pouco de navio negreiro”. Parei por um momento e refleti. Além da ofensa à memória dos escravos – por compará-los a bandidos –, tenho certeza de que a frase fez Castro Alves revirar-se no túmulo. A obra do poeta baiano merece destino melhor. Longe de ser parecido com um navio negreiro, camburão é o veículo adequado para transporte de pichadores e vândalos em geral.
Depois soube que a frase pichada é título de uma composição da banda O Rappa. Imediatamente tudo se explicou. O Rappa – ao lado de Mano Brown, Marcelo D2 e outras celebridades – vem a ser um dos ícones do lixo musical produzido em série no País. O repertório dessa turma está para a música da mesma forma que um panfleto dos black blocs ou um exemplar do Granma estão para a literatura universal.
Fiquem atentos, vestibulandos. Em breve a frase pichada no muro será utilizada como tema em provas do ENEM – se é que isso já não aconteceu. Neste último exame, uma das questões citava a obra de Gabriel O Pensador, em que ele canta (ou melhor, diz): “Se liga aí que te botaram numa cruz e só porque Jesus sofreu não quer dizer que você tenha que sofrer”.
Não entrarei em considerações estilísticas ou teológicas sobre a passagem mencionada. Lembro apenas que o Brasil dispõe de uma ampla galeria de poetas. Só para ficar no último século, temos Bandeira, Drummond, Cabral, Cecília, Mário Faustino, Jorge de Lima, Murilo Mendes, Vinicius de Moraes, Bruno Tolentino. Se o caso é citar autores vivos, temos Ferreira Gullar, Ivan Junqueira, Alexei Bueno, Adélia Prado, Carlos Nejar, Paulo Henriques Britto, Miguel Sanches Neto.
Na minha adolescência, os vestibulares passaram a mencionar Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil. Mas as canções desses senhores – hoje convertidos em paladinos da censura – ao menos apresentavam algum vestígio de qualidade poética. Hoje, não. Chegou o tempo em que é preciso fingir que O Rappa, Gabriel O Pensador, Marcelo D2 e Mano Brown produzem arte – e não lixo.
No Leste Europeu, uma das formas de punição aos adversários do regime comunista era impedir o acesso de seus filhos à universidade. No Brasil já ocorre algo semelhante. Só é aprovado no ENEM quem pensa ou finge pensar em termos esquerdistas. Se o pobre candidato não encontrar poesia em Gabriel O Pensador – ou caráter em Karl Marx, ou heroísmo em Che Guevara, ou inteligência em Paulo Freire – está automaticamente fora. Perdeu, playboy. 
– Crônica publicada na Gazeta do Povo. A seguir alguns comentários provocados pelo texto:
asnosgazeta

10 de novembro de 2013
Paulo Briguet é jornalista.

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