Vamos entrar levemente nos intestinos da política americana, em um exame clínico do que se passa dentro do Partido Republicano. O duelo fiscal em curso em Washington expôs com muita nitidez a guerra civil republicana entre os aguerridos teapartistas (seguidores do Tea Party, adeptos da política do vai-ou-racha) e os retraídos setores tradicionais, que estão sendo tragados por esta onda avassaladora dos radicais.
O site Politico, devotado aos intestinos da política americana, foi até o Alabama, no Deep South, no Deep Red. Para quem ainda não sabe, os cafundós do sul americano são a sólida base dos vermelhos (os republicanos). E lá no Primeiro Distrito do Alabama, há uma eleição especial por uma vaga na Câmara dos Deputados (segundo turno das primárias republicanas em novembro e a disputa contra o democrata em dezembro). O vencedor da primárias será o deputado, pois democrata não tem vez naquele distrito.
A disputa interna é interessante para exibir a crise de identidade republicana. De um lado está Bradley Byrne, político da velha escola, do estilo John Boehner, o acuado presidente da Câmara dos Deputados. Byrne já foi senador estadual e é muito conservador, embora já tenha sido democrata no passado. No entanto, ele sabe que política exige pragmatismo. Byrne faz o gênero “gentleman” na política e é um favorito da comunidade empresarial, que tanto pressiona pela superação do impasse fiscal, temerosa das ramificações na economia americana e também na global.
Seu oponente é Dean Young, um investor imobiliário que investe com tudo na defesa de causas morais, como na sua visceral resistência ao casamento gay (Byrne também é contrário), além de pregar o impeachment do presidente Obama. O grande sustentáculo local de Young é o juiz da Corte Suprema do Alabama Roy Moore, que ficou conhecido nacionalmente pela recusa para obedecer ordem de juiz federal para remover um monumento de granito com os Dez Mandamentos da sede do tribunal, pois violava a separação estado/igreja. Nenhuma surpresa que Young tenha apoio maciço entre evangélicos.
As diferenças entre os dois candidatos são mais de estilo. Byrne critica o estilo virulento e bombástico do oponente, para o qual o candidato tradicional não passa de um medroso, sem disposição para fazer uma defesa convicta das causas conservadoras. Byrne, sem dúvida, tem uma penetração maior, mas Young fala a língua da base mais militante, mais estreita, aquela que comparece com mais afinco para votar em primárias e nas eleições para o Congresso, no ano em que a Casa Branca não está em jogo (caso de 2014).
Para apaziguar esta militância conservadora mais presente, um candidato como Byrne, de impecáveis credenciais republicanas, é forçado a dar uma virada ainda mais acentuada para a direita na campanha. Para candidatos conservadores em primárias, o risco maior não é o desafio liberal, mas de gente ligada ao Tea Party. Em alguns distritos nas eleições para a Câmara e em particular no Senado, como ficou evidente em 2012, esta radicalização republicana é uma benção para os democratas.
Como eu disse, não há este risco no Primeiro Distrito do Alabama, cadeira cativa dos republicanos, mas no raciocínio maquiavélico dos democratas melhor é a vitória do bombástico Young. Ele deve reforcar a paralisia em Washington e frustrar a maioria do eleitorado nacional, especialmente independentes, que considera os republicanos mais intransigentes e capazes de empreenderem missões suicidas, detonando a economia americana e mesmo a global.
O problema é que será quase impossível para os democratas reconquistarem a Câmara em 2014, mesmo com as feridas autoinflingidas pelos republicanos na crise fiscal. Na expressão do guru eleitoral Charlie Cook, uma virada para os democratas no ano que vem é possível, mas altamente improvável. Poucos distritos são realmente competitivos devido ao redistritamento que ocorre a cada dez anos e o mais recente remapeamento favoreceu os republicanos (os democratas também possuem seus seguros currais eleitorais).
Os EUA são um imenso Alabama.
08 de outubro de 2013
Caio Blinder, Veja
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