Dois amigos, Alberto e Bruno, tomaram R$ 100 emprestados, à mesma taxa de juros (10% ao ano), mas não pelo mesmo prazo. Alberto teria dois anos para liquidar o empréstimo, sem prestações intermediárias, enquanto Bruno, mesmo sabendo que só conseguiria recursos para quitar o financiamento no final do segundo ano, teria que pagá-lo integralmente ao fim do primeiro ano.
Assim, 12 meses depois, ambos pagam R$ 10 relativos aos juros incidentes sobre o crédito. Bruno, porém, ainda sem recursos para a quitação, toma novo empréstimo em outro banco por mais um ano (à mesma taxa, para simplificar) e paga o que devia ao primeiro. Neste momento, portanto, ambos os amigos ainda devem R$ 100, tendo pago R$ 10 a título de juros. Bruno, porém, quitou a operação original com recursos de uma nova.
À parte o risco de refinanciamento (isto é, caso Bruno não achasse um banco disposto a lhe emprestar dinheiro para pagar o empréstimo inicial), os dois amigos estão na mesma situação, como concluiria qualquer um que pensasse sobre o assunto por 12,5 segundos.
Esta, porém, não parece ser a conclusão da tal Auditoria Cidadã da Dívida, que inclui a amortização da dívida em pé de igualdade com as demais despesas do governo. Caso seguíssemos sua peculiar "lógica", Bruno, em nosso exemplo acima, teria "gasto" R$ 100 em amortização da sua dívida. E, pior, a dívida, apesar da amortização, ainda teria o mesmo tamanho... Daí para recomendar a Bruno a "auditoria da dívida" (ou seja, calote) é apenas um passo, ou até menos do que isto.
Uma coisa deve ficar clara: despesas reduzem o patrimônio; amortizações, não.
Caso aumente meus gastos, ou a minha dívida cresce, ou, de forma equivalente, meus ativos (dinheiro no banco, por exemplo) se reduzem. De uma forma, ou de outra, meu patrimônio cai.
Por outro lado, se pago amortizações com meu dinheiro, dívida e ativos se reduzem no mesmo valor, de forma que meu patrimônio não se altera. Caso tome nova dívida para pagar a antiga (como Bruno), meu endividamento não se altera, mas também não meus ativos; assim, meu patrimônio permaneceria o mesmo.
Posto de outra forma, quem pensa mais que 12,5 segundos sobre esse assunto não pode concluir que amortizações representam 50% do orçamento (ou sei lá que número propagandeado recentemente). A confusão é deliberada: trata-se da defesa do calote; apenas não ousa dizer seu nome.
Em artigo que ficou famoso, Carmen Reinhart, Kenneth Rogoff e Miguel Savastano lançaram o conceito de "intolerância à dívida", isto é, da tendência de alguns países a renegar suas dívidas, mesmo em patamares facilmente gerenciáveis por outros países.
Uma das conclusões desse trabalho sugere que calotes passados influenciam consideravelmente a chance de novos calotes, fenômeno devidamente incorporado no custo de novos empréstimos ao país, com consequências negativas para investimento e, portanto, crescimento.
Mesmo sem a coragem de dizê-lo abertamente, o que vemos aqui é apenas mais um caso de intolerância à dívida. Gente que acredita numa solução fácil e errada para o problema, em vez do caminho difícil da responsabilidade fiscal.
Foi exatamente assim que o país perdeu o pé do crescimento, mas esta é uma lição que muitos fazem questão de não aprender.
29 de setembro de 2016
Alexandre Schwartsman, Folha de SP
Assim, 12 meses depois, ambos pagam R$ 10 relativos aos juros incidentes sobre o crédito. Bruno, porém, ainda sem recursos para a quitação, toma novo empréstimo em outro banco por mais um ano (à mesma taxa, para simplificar) e paga o que devia ao primeiro. Neste momento, portanto, ambos os amigos ainda devem R$ 100, tendo pago R$ 10 a título de juros. Bruno, porém, quitou a operação original com recursos de uma nova.
À parte o risco de refinanciamento (isto é, caso Bruno não achasse um banco disposto a lhe emprestar dinheiro para pagar o empréstimo inicial), os dois amigos estão na mesma situação, como concluiria qualquer um que pensasse sobre o assunto por 12,5 segundos.
Esta, porém, não parece ser a conclusão da tal Auditoria Cidadã da Dívida, que inclui a amortização da dívida em pé de igualdade com as demais despesas do governo. Caso seguíssemos sua peculiar "lógica", Bruno, em nosso exemplo acima, teria "gasto" R$ 100 em amortização da sua dívida. E, pior, a dívida, apesar da amortização, ainda teria o mesmo tamanho... Daí para recomendar a Bruno a "auditoria da dívida" (ou seja, calote) é apenas um passo, ou até menos do que isto.
Uma coisa deve ficar clara: despesas reduzem o patrimônio; amortizações, não.
Caso aumente meus gastos, ou a minha dívida cresce, ou, de forma equivalente, meus ativos (dinheiro no banco, por exemplo) se reduzem. De uma forma, ou de outra, meu patrimônio cai.
Por outro lado, se pago amortizações com meu dinheiro, dívida e ativos se reduzem no mesmo valor, de forma que meu patrimônio não se altera. Caso tome nova dívida para pagar a antiga (como Bruno), meu endividamento não se altera, mas também não meus ativos; assim, meu patrimônio permaneceria o mesmo.
Posto de outra forma, quem pensa mais que 12,5 segundos sobre esse assunto não pode concluir que amortizações representam 50% do orçamento (ou sei lá que número propagandeado recentemente). A confusão é deliberada: trata-se da defesa do calote; apenas não ousa dizer seu nome.
Em artigo que ficou famoso, Carmen Reinhart, Kenneth Rogoff e Miguel Savastano lançaram o conceito de "intolerância à dívida", isto é, da tendência de alguns países a renegar suas dívidas, mesmo em patamares facilmente gerenciáveis por outros países.
Uma das conclusões desse trabalho sugere que calotes passados influenciam consideravelmente a chance de novos calotes, fenômeno devidamente incorporado no custo de novos empréstimos ao país, com consequências negativas para investimento e, portanto, crescimento.
Mesmo sem a coragem de dizê-lo abertamente, o que vemos aqui é apenas mais um caso de intolerância à dívida. Gente que acredita numa solução fácil e errada para o problema, em vez do caminho difícil da responsabilidade fiscal.
Foi exatamente assim que o país perdeu o pé do crescimento, mas esta é uma lição que muitos fazem questão de não aprender.
29 de setembro de 2016
Alexandre Schwartsman, Folha de SP
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