Esses fatos, isolados, não dizem nada, mas mostram que os capitalistas estrangeiros, então, usavam seu poder para deter o progresso nesses países, para explorar neles exclusivamente as fontes de matérias-primas e o trabalho barato, disso resultando que tais países se tornavam retardados e começavam mesmo a decair. Assim, a eliminação da exploração abjeta era uma questão de vida ou morte para os que já eram operários, e a industrialização era uma questão de sobrevivência para aqueles que, por sua vez, estavam prestes a se tornar proletários. O movimento que representasse a ambos deveria ser anticapitalista. Isto é, socialista, em suas idéias, slogans e promessas.
O partido revolucionário não podia esperar, seriamente, uma revolução industrial, enquanto não concentrasse em suas mãos todos os recursos internos, especialmente os dos capitalistas nacionais, contra quem as massas estavam irritadas, devido à intensa exploração e o uso de métodos de trabalho inumanos.
A inevitabilidade da revolução e da rápida industrialização, que exigiu sacrifícios enormes e violência impiedosa, demandava não apenas esperança, mas fé na possibilidade do reino dos céus na terra. Ao avançar, com muitos outros, encontrando apenas uma resistência mínima, os partidários da revolução e da industrialização afastavam-se freqüentemente da doutrina marxista.
Todas as revoluções do passado tiveram sua origem em novas relações econômicas e sociais, ficando o velho sistema político como único obstáculo ao seu desenvolvimento.
Nenhuma dessas revoluções, todavia, buscou mais do que a destruição de formas políticas obsoletas e a abertura de um novo caminho para forças sociais já maduras. Em todas as revoluções anteriores, o Poder e a violência surgiram predominantemente como conseqüência, como instrumento de forças e relações econômicas e sociais que, apesar de novas, já existiam. Mesmo quando a força e a violência ultrapassavam os limites durante o curso da revolução, em última análise as correntes revolucionárias dirigiam-se a objetivos positivos e plausíveis. Nesses casos, o terror e o despotismo podem ter sido inevitáveis, mas constituíram apenas manifestações temporárias.
Todas as revoluções ditas burguesas, realizadas de baixo para cima, isto é, com a participação das massas, como na França, ou de cima para baixo, em golpes de Estado, como na Alemanha de Bismarck, tinham de acabar na democracia política.
Por outro lado, a posição das revoluções comunistas contemporâneas é inteiramente diferente. Elas não foram provocadas pela existência de novas relações socialistas – digamos assim – na economia em vigor, nem porque o capitalismo estivesse “superdesenvolvido”. Pelo contrário, surgiram porque o capitalismo não estava plenamente desenvolvido e não era capaz de levar avante a transformação industrial do país.
Uma das diferenças fundamentais entre as revoluções burguesas e socialistas, é que nas primeiras, oriundas do feudalismo, as novas relações econômicas, que mudam gradualmente todos os aspectos da sociedade feudal, são criadas progressivamente dentro da velha ordem.
Uma revolução socialista representa uma situação inteiramente diferente, pois na medida em que o país onde se realizou uma revolução socialista for mais atrasado, a transição das velhas relações capitalistas para as relações socialistas se tornam mais difíceis.
Se as novas relações “socialistas” tivessem sido desenvolvidas ao extremo no país em que a revolução comunista pôde sair vitoriosa, não teria havido necessidade de tantas afirmações, dissertações e esforços para a “construção do socialismo”.
Isso leva a uma contradição aparente. Se as condições para a construção de uma nova sociedade não predominavam, para que, então, a revolução? Ainda mais, como foi possível a revolução? Como pôde sobreviver, se as novas relações sociais ainda não estavam em processo de formação na velha sociedade?
Concluída a revolução, alguém tinha de tomar nos ombros a responsabilidade da industrialização. No Ocidente, esse papel coube às forças econômicas capitalistas, liberadas das cadeias do despotismo político. Como não existia força semelhante nos países de revolução comunista, tal função teve de ser exercida pelos próprios órgãos revolucionários, pela nova autoridade, isto é, pelo partido revolucionário. Em revoluções anteriores, a força e a violência tornaram-se um empecilho à economia, tão logo caiu a velha ordem. Nas revoluções comunistas, a força e a violência são condições para o desenvolvimento e até para o progresso.
Os velhos revolucionários diziam que a força e a violência eram apenas um mal necessário e um meio para alcançar um fim. Para os comunistas, a força e a violência estão colocadas na alta posição de um culto e de um objetivo final. No passado, as forças e as classes que formavam a nova sociedade existiam antes da irrupção da revolução. As revoluções comunistas foram as primeiras a criar uma nova sociedade e novas forças sociais.
Conhecemos atualmente as condições gerais para o êxito de uma revolução. Cada revolução tem, porém, além das condições gerais, peculiaridades que tornam possível o seu planejamento e execução.
A guerra, ou mais exatamente o colapso nacional da organização estatal, era desnecessária às revoluções do passado. Agora, porém, essa tem sido uma condição básica da vitória das revoluções comunistas. A Revolução Espanhola de 1936, por exemplo, que poderia constituir-se uma exceção, não teve tempo de transformar-se numa revolução puramente comunista e, portanto, não chegou nunca a ser vitoriosa.
Quando ocorre o colapso sério de um sistema, particularmente numa guerra desastrosa para os círculos dominantes e o sistema estatal, um grupo pequeno, mas bem organizado pode, facilmente, tomar o Poder.
Quando da Revolução de Outubro, o Partido Comunista tinha cerca de 80 mil membros. O Partido Comunista da Iugoslávia começou a revolução de 1941 com cerca de 10 mil membros. Para tomar o Poder, o apoio e a participação ativa de pelo menos uma parte da população são necessários, mas, em todos os casos, o Partido que lidera a revolução e assume o Poder é uma minoria que se apóia exclusivamente em condições excepcionalmente favoráveis. Além disso, esse Partido só se transforma em maioria depois que passa a constituir-se na autoridade permanentemente estabelecida.
A realização dessa tarefa grandiosa – a destruição de uma ordem social, a construção de uma nova sociedade em condições econômicas e sociais que não são propícias ao empreendimento – é missão capaz de atrair apenas uma minoria e, dentro dela, somente aqueles que acreditam fanaticamente nas suas possibilidades.
Condições especiais e existência de determinado partido são características básicas das revoluções comunistas. O exclusivismo ideológico e a intolerância são intensificados. No comunismo, os métodos de terrorismo e opressão continuam sendo usados ainda muito tempo após o término da revolução. As massas também participam, mas os frutos do movimento são colhidos pela burocracia, e não por elas.
Concluindo: os comunistas foram incapazes de agir diversamente de qualquer das classes dominantes que os precederam. Julgando construir uma sociedade nova e ideal, construíram-na para si mesmos, da melhor forma que puderam. Por isso, apesar da tirania comunista ter sido extensa e inumana, a sociedade é capaz de suportá-la durante certos períodos – enquanto perdurar a industrialização. Mais tarde, porém essa tirania já não aparece como algo inevitável, mas como uma segurança aos desmandos e privilégios de uma NOVA CLASSE.
Em contraste com as antigas revoluções, a comunista, feita em nome da extinção de classes, resultou na mais completa autoridade de uma única e NOVA CLASSE. O resto é logro e ilusão.
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O texto acima é mais um resumo de um dos capítulos do livro “A Nova Classe”, cujo autor, o líder iugoslavo MILOVAN DJILAS – ex-Ministro, Vice-Presidente e principal teórico do Marechal Tito - foi um dissidente e contestador dos regimes comunistas. Talvez o mais importante deles e, por isso, considerado um herege pelo mundo comunista do pós-guerra. Destituído de seus cargos no governo e expulso do Comitê Central da Liga dos Comunistas iugoslava, foi preso por 3 anos, período em que escreveu “A Nova Classe”, numa época em que, segundo ele, “acreditava ainda poder ser um comunista, permanecendo, ao mesmo tempo, um homem livre”. Posteriormente, em 1970, escreveu “Além da Nova Classe”, onde defendeu a tese de que a ideologia comunista se encontrava num estado de esfacelamento, e não mais era aceita como instrumento de organização de uma sociedade, nem mesmo pelos próprios comunistas.
17 de julho de 2016
Carlos I. S. Azambuja é Historiador.
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