O berço da Responsabilidade Civil, pública e privada, que é uma das modalidades do Direito das Obrigações não tem raízes nem no Direito Romano nem no Direito Português, como prega muito pouca gente. Seu berço é a mesmo a França. De lá, anos e anos atrás, partiram os sólidos fundamentos desta parte do Direito, tão essencial para o convívio social. A respeito da “Responsabilité Civil” e do “Droit Des Obligations“, para cada um dos poucos doutrinadores portugueses, existem mais de vinte franceses, notáveis e consagrados: Paul Duez, Savatier, A.F.Lefebvre, A. Soareg, Garat e Sacchi, Bessor, Mazeud e Mazeud ( irmãos que escreveram um Tratado a respeito do tema, com muitos volumes), Brun, Jack, Tunc, Bonnecase, Montel e muita gente mais.
Aqui no Brasil, o dever de indenizar decorrente da Responsabilidade Civil, teve começo tardio mas avançou muito, porém, com reparações pecuniárias modestas. Mas nem por isso deixou de projetar no cenário jurídico nacional nomes como Amaro Cavalcanti, Martinho Garcez Neto, Aguiar Dias, Humberto Theodoro Júnior, Carlos Roberto Gonçalves, Carlos Alberto Menezes Direito, Carlos Alberto Bittar, Sérgio Cavalieri Filho e tantos outros.
SEM ESCAPATÓRIA – A carnificina que ocorreu em Nice, na noite de anteontem, 14 de Julho, vai sair muito cara para o poder público francês. Gira em torno de 840 milhões de euros, aproximadamente, apenas no tocante ao dano moral. Não existe escapatória jurídica para deixar de responsabilizar civilmente a República Francesa e desta exigirem os vitimados (familiares dos que morreram e sobreviventes) a mais ampla e completa reparação do dano. O governo e a magistratura francesa sabem disso.
Caso fortuito, força maior, ou ato de terceiro, nada disso poderá a França alegar nos tribunais com o intuito de fugir de sua integral responsabilidade civil. Os atentados anteriores derrubam essa tese. O próprio estado de emergência, que o presidente Hollande disse que iria ser suspenso em breve, mostra o perigo que rondava a população de toda a França. E para o que era previsível e esperado não se pode opor a chamada Teoria da Imprevisão.
GARANTIA ESTATAL – Lá, em Nice, naquela noite, todas as pessoas que estavam na orla marítima, que as autoridades fecharam ao trânsito de veículos, para que os pedestres pudessem transitar com segurança e comemorar o 14 de Julho, todos eles tinham a garantia estatal da incolumidade física. Todos se encontravam em logradouro público protegido pelo Estado. Essa garantia pode ser resumida numa espécie desse implícito chamado estatal “Venham todos que eu garanto”.
Mas o Estado falhou no seu dever de proteger o povo e de proporcionar vigilância para que nenhum veículo transitasse naquela via pública. É a universalmente denominada “culpa in vigilando” para o Direito Romano e culpa pela “faute du service“, para o Direito Francês.
Para Paul Duez, a falta do serviço público que gera a obrigação de indenizar ocorre se presente uma dessas três situações: 1) o serviço existiu, mas retardou; 2) o serviço existiu, mas funcionou mal: 3) o serviço inexistiu. No caso de Nice, é certo que uma, duas ou todas essas hipóteses aconteceu, ou aconteceram. Tanto é verdade que aquele caminhaozão assassino, sem que o serviço de segurança impedisse, ingressou na pista que estava fechada ao trânsito de veículos e percorreu cerca de dois quilômetros, matando até agora 84 e ferindo e mutilando 202 transeuntes. É inegável a responsabilidade pública estatal.
POR ORA, DANO MORAL – Brasil, França e Estados Unidos adotam a reparabilidade do dano moral. No Brasil, no mísero valor de 500 salários mínimos (R$ 440 mil) para os familiares de vítima morta em acidente, conforme decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Já na França, o chamado preço da dor é da ordem de 10 milhões de euros (R$ 36 milhões ao câmbio de hoje) por cada vitima fatal. Levando em conta que até agora foram 84 mortos, o total gira em torno de 840 milhões de euros (R$3 bilhões e 24 milhões).
Faltam ainda considerar o pensionamento aos familiares-dependentes até que a vítima faltal completasse 75 anos, na base de 2/3 de seus ganhos.
Também cabem indenizações aos sobreviventes, incluindo dano moral, dano estético, tratamento médico-hospitalar, prótese, pensionamento, temporário ou vitalício, proporcional aos ganhos e à redução da capacidade laborativa de cada vítima…
Enfim, uma fortuna. Fortuna essa que não paga a dor, não paga a vida dos que morreram, nem repara os danos dos que sobreviveram. Mas é essa a forma universalmente consagrada para a reparabilidade do dano. Vamos, por hora, estimar apenas o dano moral referente aos 84 mortos: 840 milhões de euros.
17 de julho de 2016
Jorge Béja
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