"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quinta-feira, 9 de julho de 2015

SELVAGERIA À BRASILEIRA

O corpo de um homem nu, de cabeça raspada e pele escura, está amarrado a um poste de luz. Quase diríamos: acorrentado a um tronco, preso a um pelourinho. No poste, no chão, e também nas paredes ladrilhadas ali perto, veem-se diversas manchas de sangue.

Uma foto do linchamento de Cledenilson Pereira Silva, 29, figurou nas páginas desta Folha. Outras podem ser vistas na internet.

Com um adolescente de 16 anos, que sobreviveu ao ser salvo pela polícia, Silva, segundo se afirma, tentou assaltar um bar no Jardim São Cristóvão (periferia da capital maranhense) na segunda-feira (6).

Os moradores o imobilizam. Poderiam ter chamado a polícia. Preferiram descontar sobre o ladrão toda sua carga de revolta -originária, sem dúvida, das péssimas condições de segurança e de vida que se conhecem em qualquer localidade pobre do Brasil.

Tiraram a roupa de Silva. Era meio-dia. Ninguém se preocupou, naturalmente, em afastar crianças da cena hedionda. Pedras e cacos de garrafa, além de punhos e pés, (e por que não dentes?) foram as armas desse crime coletivo.

Alguns valentões terão começado os atos de sadismo e covardia. Rapidamente, mais pessoas aderem à festa sangrenta.

Por que não? Não corriam risco; poderiam congratular-se, depois de lavar as mãos, com o fato de serem "cidadãos de bem". De não acreditarem na "conversa de direitos humanos". De seguirem a mensagem bíblica do "olho por olho, dente por dente".

Em casa, haverão de olhar-se no espelho sem ver o rosto de um assassino, de um selvagem. Quando se disserem cristãos, terão trocado a mansidão evangélica pela sanha dos que apedrejam e crucificam. Quando forem às urnas, elegerão risonhamente os defensores da violência policial, da tortura e da pena de morte.

Segundo levantamento do jornal "Extra", ao menos dez casos de linchamento se produziram no Maranhão desde janeiro de 2014. Obviamente, nada nesse Estado -onde um presídio como o de Pedrinhas compete em horror com as cenas do Jardim São Cristóvão- constitui exceção notável ao que acontece em outras partes do país.

Num bairro de classe média alta do Rio, também se fez do poste o pelourinho para um jovem criminoso no ano passado. Ninguém é a favor de que bandidos circulem pelas ruas. A impunidade, em todos os níveis, deve ser combatida.

A diferença entre barbárie e civilização, porém, não é difícil de compreender. Na civilização, os criminosos são minoria, e são punidos de acordo com a lei. Na barbárie, os criminosos são a maioria, e estão nas ruas, com paus e pedras, a brutalizar quem bem entendem -e dão a seus atos o nome de justiça.

09 de julho de 2015
Folha de SP

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