O Brasil continua na contramão da economia mundial, pouco preparado para aproveitar a recuperação dos países mais avançados e mais exposto que muitos outros a qualquer dificuldade mais séria na China, o maior mercado para suas exportações de produtos básicos. Uma das façanhas da diplomacia inaugurada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2003, foi isolar o País das grandes oportunidades de integração comercial, torná-lo dependente em excesso do Mercosul e da vizinhança e condená-lo a uma relação semicolonial com a China. Na segunda maior economia do mundo, governada por um partido comunista, mas empenhada em jogar na primeira divisão do capitalismo, os líderes devem gargalhar quando comentam o tosco e requentado terceiro-mundismo ainda seguido, embora com alguns sinais de divergência, nos gabinetes oficiais de Brasília.
Os brasileiros têm motivos especiais para se assustar com o tombo das bolsas chinesas. É muito difícil de dizer, neste momento, se se trata apenas de um forte ajuste no mercado de ações ou se a turbulência indica problemas econômicos mais graves e perigosos para todo o mundo. O susto espalhou-se pelo sistema financeiro internacional, já afetado pela crise grega, e chegou também às bolsas brasileiras. Ainda será preciso algum tempo para uma avaliação mais segura.
Na melhor hipótese, no entanto, pelo menos a perda de impulso da economia chinesa é apontada como certa por muitos analistas. Mesmo sem grandes consequências do estouro de uma bolha, o ritmo de atividade continuará influenciado pela reorientação da política econômica. Até aqui a acomodação foi suave.
Há algum tempo o crescimento do produto interno bruto (PIB) saiu da faixa de 9% a 10% ao ano. Ficou em 7,7% em 2013, passou a 7,4% no ano passado, deve chegar a 6,8% em 2015 e a 6,3% no próximo ano, segundo as novas projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI), divulgadas na quinta-feira. Ainda são números muito altos, pelos padrões internacionais, mas preocupantes para quem se acostumou a atender ao enorme apetite chinês por matérias-primas.
No ano passado as vendas brasileiras à China ficaram em US$ 40,62 bilhões, o menor valor em quatro anos. As exportações de industrializados somaram US$ 6,29 bilhões (US$ 1,62 bilhão de manufaturados e US$ 4,67 bilhões de semimanufaturados). No mesmo ano o País exportou para os Estados Unidos US$ 27,03 bilhões. A maior parte desse valor correspondeu a industrializados, US$ 19,03 bilhões. A receita obtida com manufaturados chegou a US$ 13,67 bilhões. Os semimanufaturados renderam US$ 5,36 bilhões. Também a União Europeia compra muito mais da indústria brasileira do que a China. Para o bloco europeu foram US$ 19,97 bilhões de industrializados. A parcela dos manufaturados chegou a US$ 14,12 bilhões. No comércio exterior brasileiro, quem representa, hoje, o papel de potência colonial, compradora de matérias-primas em troca de produtos da indústria?
Não há nada errado em exportar matérias-primas e bens semielaborados. As potências mais desenvolvidas são grandes vendedoras desses produtos e atuam nesse mercado com subsídios e protecionismo. Os brasileiros devem aproveitar suas vantagens comparativas, o potencial produtivo de seu agronegócio e seus enormes recursos naturais, sem cometer a tolice de classificar os produtos do campo como bens primários ou de baixo valor agregado. Há muita tecnologia embutida em cada tonelada de alimentos exportada. Também isso compõe o poder de competição do agronegócio. Mas é preciso cuidar das vendas de produtos industriais, amplamente negligenciadas há muitos anos.
Essas vendas têm sido prejudicadas pelo baixo poder de competição da maior parte da indústria. Essa deficiência resulta de problemas estruturais – logística deficiente, energia cara, tributação irracional, mão de obra mal formada, etc. – e de uma coleção de erros estratégicos. Desprezando os acordos com as potências desenvolvidas, amarrando o Brasil a um Mercosul emperrado, mantendo o País fora dos grandes circuitos de formação de valor, apostando no protecionismo e reeditando políticas anacrônicas, o governo condenou o Brasil a jogar nas divisões inferiores do comércio global. Ter complexo de vira-lata é muito ruim. Condenar-se a viver como vira-lata no mercado global é uma estupidez olímpica.
Na Rússia a presidente Dilma Rousseff defendeu a cooperação entre os Brics – Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul – como reação à crise. Presa ao cacoete, mais uma vez uma autoridade brasileira insiste na fantasia do clubinho alternativo como forma de sobreviver no mundo malvado.
Sim, o Brasil deve comerciar, e de forma bem mais ampla, com os outros membros do grupo e também com todos os demais mercados. Para isso precisará de melhor política, maior eficiência e maior poder de competição. Além disso, é tolice ou mistificação continuar atribuindo os males do País a problemas externos. Apesar de tudo, o mundo rico avança. O ritmo dos países desenvolvidos deve passar de 1,8% no ano passado para 2,1% em 2015 e 2,4% em 2016, segundo as projeções do FMI.
Há incertezas e riscos, por causa da Grécia, da China e também da esperada elevação de juros americanos. Mas o mundo se mexe e até a desaceleração chinesa tem um lado positivo, porque resultou, pelo menos até agora, de um rearranjo planejado pelo governo. Enquanto isso, a economia brasileira está condenada a encolher 1,5% neste ano, também segundo as contas do FMI, e a crescer apenas 0,7% em 2016. O desemprego bate em 8,1%, a inflação avança para 9% e o desajuste externo só diminui porque as importações caem mais que as exportações. Enquanto isso, o País expia, num imenso escândalo, as lambanças da grande farra populista.
Sairemos dessa apelando para a união dos Brics?
12 de julho de 2015
Rolf Kuntz
Os brasileiros têm motivos especiais para se assustar com o tombo das bolsas chinesas. É muito difícil de dizer, neste momento, se se trata apenas de um forte ajuste no mercado de ações ou se a turbulência indica problemas econômicos mais graves e perigosos para todo o mundo. O susto espalhou-se pelo sistema financeiro internacional, já afetado pela crise grega, e chegou também às bolsas brasileiras. Ainda será preciso algum tempo para uma avaliação mais segura.
Na melhor hipótese, no entanto, pelo menos a perda de impulso da economia chinesa é apontada como certa por muitos analistas. Mesmo sem grandes consequências do estouro de uma bolha, o ritmo de atividade continuará influenciado pela reorientação da política econômica. Até aqui a acomodação foi suave.
Há algum tempo o crescimento do produto interno bruto (PIB) saiu da faixa de 9% a 10% ao ano. Ficou em 7,7% em 2013, passou a 7,4% no ano passado, deve chegar a 6,8% em 2015 e a 6,3% no próximo ano, segundo as novas projeções do Fundo Monetário Internacional (FMI), divulgadas na quinta-feira. Ainda são números muito altos, pelos padrões internacionais, mas preocupantes para quem se acostumou a atender ao enorme apetite chinês por matérias-primas.
No ano passado as vendas brasileiras à China ficaram em US$ 40,62 bilhões, o menor valor em quatro anos. As exportações de industrializados somaram US$ 6,29 bilhões (US$ 1,62 bilhão de manufaturados e US$ 4,67 bilhões de semimanufaturados). No mesmo ano o País exportou para os Estados Unidos US$ 27,03 bilhões. A maior parte desse valor correspondeu a industrializados, US$ 19,03 bilhões. A receita obtida com manufaturados chegou a US$ 13,67 bilhões. Os semimanufaturados renderam US$ 5,36 bilhões. Também a União Europeia compra muito mais da indústria brasileira do que a China. Para o bloco europeu foram US$ 19,97 bilhões de industrializados. A parcela dos manufaturados chegou a US$ 14,12 bilhões. No comércio exterior brasileiro, quem representa, hoje, o papel de potência colonial, compradora de matérias-primas em troca de produtos da indústria?
Não há nada errado em exportar matérias-primas e bens semielaborados. As potências mais desenvolvidas são grandes vendedoras desses produtos e atuam nesse mercado com subsídios e protecionismo. Os brasileiros devem aproveitar suas vantagens comparativas, o potencial produtivo de seu agronegócio e seus enormes recursos naturais, sem cometer a tolice de classificar os produtos do campo como bens primários ou de baixo valor agregado. Há muita tecnologia embutida em cada tonelada de alimentos exportada. Também isso compõe o poder de competição do agronegócio. Mas é preciso cuidar das vendas de produtos industriais, amplamente negligenciadas há muitos anos.
Essas vendas têm sido prejudicadas pelo baixo poder de competição da maior parte da indústria. Essa deficiência resulta de problemas estruturais – logística deficiente, energia cara, tributação irracional, mão de obra mal formada, etc. – e de uma coleção de erros estratégicos. Desprezando os acordos com as potências desenvolvidas, amarrando o Brasil a um Mercosul emperrado, mantendo o País fora dos grandes circuitos de formação de valor, apostando no protecionismo e reeditando políticas anacrônicas, o governo condenou o Brasil a jogar nas divisões inferiores do comércio global. Ter complexo de vira-lata é muito ruim. Condenar-se a viver como vira-lata no mercado global é uma estupidez olímpica.
Na Rússia a presidente Dilma Rousseff defendeu a cooperação entre os Brics – Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul – como reação à crise. Presa ao cacoete, mais uma vez uma autoridade brasileira insiste na fantasia do clubinho alternativo como forma de sobreviver no mundo malvado.
Sim, o Brasil deve comerciar, e de forma bem mais ampla, com os outros membros do grupo e também com todos os demais mercados. Para isso precisará de melhor política, maior eficiência e maior poder de competição. Além disso, é tolice ou mistificação continuar atribuindo os males do País a problemas externos. Apesar de tudo, o mundo rico avança. O ritmo dos países desenvolvidos deve passar de 1,8% no ano passado para 2,1% em 2015 e 2,4% em 2016, segundo as projeções do FMI.
Há incertezas e riscos, por causa da Grécia, da China e também da esperada elevação de juros americanos. Mas o mundo se mexe e até a desaceleração chinesa tem um lado positivo, porque resultou, pelo menos até agora, de um rearranjo planejado pelo governo. Enquanto isso, a economia brasileira está condenada a encolher 1,5% neste ano, também segundo as contas do FMI, e a crescer apenas 0,7% em 2016. O desemprego bate em 8,1%, a inflação avança para 9% e o desajuste externo só diminui porque as importações caem mais que as exportações. Enquanto isso, o País expia, num imenso escândalo, as lambanças da grande farra populista.
Sairemos dessa apelando para a união dos Brics?
12 de julho de 2015
Rolf Kuntz
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