Quando afirmamos aqui na Tribuna de Internet que o almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva era considerado um herói dos novos tempos das Forças Armadas, sabíamos que isso ia causar forte decepção a muitos comentaristas e leitores, que consideram os militares como a maior reserva moral do país e até defendem uma nova intervenção castrense para dar um jeito no Brasil de hoje.
No jornalismo, é sempre conveniente trabalhar sobre fatos, por ser a única estratégia capaz de evitar erros de interpretação. Fatos existem, não podem ser contestados. As forças armadas têm importantes papeis constitucionais a cumprir, mas devem se limitar a eles. Muitas testemunhas de 1964 ainda estão vivas, a intervenção militar àquela época foi defendida por importantes cultores da democracia, como Sobral Pinto, Ulysses Guimarães, Juscelino Kubitschek e Helio Fernandes, por exemplo. A verdade é que não se podia mais aguentar as loucuras do governo João Goulart, que queria se meter em tudo, até mesmo no aluguel de imóveis. Os estudantes, os intelectuais de esquerda e as classes trabalhadoras adoravam, mas era uma irresponsabilidade total.
(Em caso de dúvida, basta ler o último livro de Wilson Figueiredo, “1964, o último ato”, recém-lançado. Está tudo lá. O presidente Goulart se transformara num líder altamente manipulável, sem perceber estava levando o país para uma guerra civil. São fatos, não podem ser desmentidos, porque nós vimos e acompanhamos.)
SEM ALTERNATIVA
Muitos defensores da democracia foram levados a apoiar os militares porque não havia alternativa. Se o governo não fosse derrubado, o próprio Jango se encarregaria de armar um golpe para instalar uma ditadura no país. Mas ressalve-se: nenhum político de importância jamais apoiou a ascensão dos militares ao poder. O que se pretendia era a derrubada do governo irresponsável de Jango, mas sem ameaças à democracia.
Acontece que os militares tomaram gosto pelo poder e foram montando a ditadura. Com uma semana de governo militar, Sobral Pinto e Helio Fernandes já tinha percebido tudo e estavam na oposição. O “presidente” Castello Branco ainda conseguiu embromar destacados políticos do PSD e da UDN, como JK e Carlos Lacerda, enfeitiçando-os com a possibilidade de convocação de eleições presidenciais, mas era só conversa fiada. E os militares foram ficando. Surgiu a luta armada. E eles foram ficando. Tudo isso são fatos do passado recente, não se trata de “interpretação” de um passado remoto. Não se pode desmenti-los.
O EXEMPLO DO ALMIRANTE
Não há comparação entre os dias de hoje e a agitação de 1964. O país está em paz, com as instituições em pleno funcionamento. O governo do PT não representa nenhuma ameaça à democracia. Pelo contrário, está sendo destruído por ela. Por isso, é errado defender uma nova intervenção militar.
A prisão do almirante Othon Luiz foi bastante oportuna para que façamos uma reflexão a respeito do momento político. Quem defende a intervenção militar está se excedendo. Não há motivos para tanto.
Pessoalmente, tenho muitos amigos militares, a quem respeito e sei que também sou respeitado. Temos em comum a intransigente defesa dos interesses nacionais. Se o Brasil precisar deles, estarão a nosso dispor, não há dúvida, mas não é o caso. Precisamos respeitar a Constituição. Lembremos do Marechal Dutra, que assumiu a Presidência numa fase dificílima e se saiu bem, em termos políticos. Ninguém respeitou tanto a Constituição quanto ele, embora o governo tenha sido um desastre.
31 de julho de 2015
Carlos Newton
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