O ex-presidente Lula desencadeou sem o menor pudor a nova fase de sua metamorfose ambulante. Para voltar ao centro da cena política, quer agora se livrar da carcomida imagem do PT e também do “volume morto” da presidente Dilma. Aliás, a análise do ex-presidente sobre o atual momento do Partido dos Trabalhadores, acusando a sigla de ter envelhecido, perdido a utopia, e de seus militantes só pensarem em cargos, é quase perfeita. Quase porque o seu discurso encerra uma série de contradições difíceis de serem superadas e oculta as razões dessa derrocada.
Nos últimos 12 anos, foi justamente Lula quem comandou um desmanche partidário, do posto de vista tanto ideológico como prático do PT. A partir de atitudes personalistas e de um marketing direcionado quase exclusivamente ao culto da personalidade do ex-presidente, acima, inclusive, das ações do governo, o petismo foi jogado para escanteio para dar lugar ao lulismo. Todos os méritos do Palácio do Planalto, entre 2003 e 2010, inclusive a eleição de Dilma, foram sempre jogados na conta da habilidade política e sensibilidade social de Lula. Os erros, ao contrário, eram distribuídos entre assessores, ministros e até para o PT. Lula nunca errava.
LULISMO
Em nome desse lulismo, foram empurradas goela abaixo do partido alianças inimagináveis, de Sarney (PMDB) a Maluf (PP), passando por Collor (PTB) e Aécio Neves (PSDB) – sim, em 2008, Lula ungiu a união de Fernando Pimentel (PT) e do tucano em torno da candidatura de Marcio Lacerda (PSB) à Prefeitura de Belo Horizonte.
Foi Lula quem assinou a “Carta ao Povo Brasileiro”, antes mesmo de ser eleito, para acalmar o mercado financeiro. Durante o seu governo, quadros de peso do partido, como Heloísa Helena, Chico Alencar, Luciana Genro e tantos outros rotulados de “sonhadores”, foram expulsos ou debandaram porque não encontravam mais espaço dentro da legenda.
CÚMPLICES DO PROCESSO
O pragmatismo da era Lula erradicou os ideais utópicos um dia defendidos pelo partido e hoje, ironicamente, reclamados pelo próprio ex-presidente. O envelhecimento do Partido dos Trabalhadores e sua obsessão por cargos não brotaram espontaneamente do chão. Foram plantados ano a ano, nos últimos 12 anos, a cada aliança com o fim exclusivamente eleitoral ou para negociar votações no Congresso, a cada adoção de velhas práticas antes condenáveis na política brasileira.
O PT e Lula sabiam desse risco do esvaziamento ideológico e o assumiram em nome da governabilidade a qualquer custo. Não há ingênuos nem ninguém pego de calças curtas com a situação na qual o partido está atolado. Quem ainda está na sigla não tem por que se ofender com as declarações do ex-presidente pois no mínimo foi cúmplice de todo esse processo.
26 de junho de 2015
Murilo Rocha
O Tempo
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