Em julho de 2014, o presidente da China, Xi Jinping, visitou o Brasil, acompanhado por uma delegação de vários ministros e mais de 200 empresários. Menos de um ano depois, será a vez do seu primeiro-ministro, Li Keqiang, desembarcar em Brasília, em 18 de maio próximo, à frente de uma missão empresarial integrada por altos dirigentes de algumas das mais destacadas empresas chinesas. Essas duas visitas, por si só, atestam a relevância que a China atribui ao Brasil.
Há sólidas razões para tanto. Primeiro, a economia.
Em pouco mais de uma década, o comércio entre os dois países cresceu quase 20 vezes. Os investimentos diversificaram-se e alcançaram cerca de US$ 28 bilhões.
Agora, a crise econômica e a Operação Lava Jato criaram uma oportunidade para empresas chinesas. Algumas das grandes construtoras brasileiras limitarão suas operações num mercado, o das grandes obras públicas, que até há pouco dominavam. A retração dos financiamentos, por sua vez, poderá induzir a flexibilização das regras de conteúdo nacional para a aquisição de equipamentos. Amplia-se, assim, o espaço para a participação de investidores estrangeiros nas novas concessões para projetos de infraestrutura. Nesse contexto, o investidor chinês encontra-se em posição privilegiada, pois é competitivo na tecnologia, nos equipamentos e no financiamento.
Mas o vigor da relação Brasil-China não se restringe à economia. Está também na política, sobretudo no momento em que a China dá passos firmes para consolidar sua presença e sua influência em escala mundial. Primeiro, pela busca de maior participação nas instâncias de decisão da governança internacional, especialmente nos organismos financeiros. A revisão na ponderação de votos nas instituições de Bretton Woods, no entanto, depois de anos de negociação, não foi ainda ratificada pelo Congresso norte-americano, o que levou o governo de Beijing a estimular a criação de instituições espelho, como o Banco de Desenvolvimento dos Brics e o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura. Sem falar na conclusão de dezenas de acordos para a troca de moedas, para facilitar o comércio em moedas locais e preparar o caminho para a internacionalização do yuan.
A ofensiva chinesa no campo dos investimentos externos, estimados em US$ 1,25 trilhão para a próxima década, em várias regiões do mundo, vai aos poucos configurando uma verdadeira geopolítica da infraestrutura. Não se trata apenas da rede tentacular de rodovias, ferrovias e portos, em si, mas da capacidade de atração de novos investimentos e da abertura de mercado para exportações chinesas. Em decorrência da influência política.
Na Ásia o mapa de investimentos impressiona. A Nova Rota da Seda cruzará a Ásia Central e prosseguirá em direção à Europa, criando um cinturão econômico em seu entorno. Ao sul, a Rota Marítima da Seda ligará o Oceano da China do Sul ao Oceano Índico. No sentido norte-sul, uma rodovia e um trem de alta velocidade conectarão a região de Yunnan com a Tailândia, enquanto o Corredor Econômico ligará por rodovia Bangladesh, China, Índia e Mianmar.
Com vista a conter a expansão econômica e a crescente influência política da China no espaço asiático, o governo de Barack Obama (EUA) anunciou em 2012 o chamado pivô para a Ásia, com o objetivo, entre outros, de reforçar as alianças militares e políticas com países na região. Pouco depois, lançou a Parceria Comercial Transpacífica (TTP, em inglês) – da qual a China foi excluída – para consolidar uma zona econômica sob influência americana. Mas esses passos não parecem suficientes, ao ver de analistas e congressistas norte-americanos. Em estudo recente, o Council on Foreign Relations, um dos mais conceituados think tanks norte-americanos, condenou a política de acomodação do governo Obama perante a China e preconizou uma nova estratégia política, militar e econômica para defender “os interesses vitais dos Estados Unidos nessa vasta região”.
De certa maneira e em menor grau, Xi Jinping parece replicar na América do Sul a política norte-americana na Ásia. A presença da China na região já é marcante no comércio e nos investimentos. Em breve passará a ser também na infraestrutura, em decorrência dos acordos que concluiu com a Argentina e do convênio a ser assinado com o Brasil, por ocasião da visita de Li Keqiang, para a construção da via Transoceânica que ligará o Atlântico ao Pacífico, cruzando o Centro-Oeste e o Peru. A provável participação de investimentos chineses na rede de ferrovias – interligadas à Transoceânica – para o escoamento dos grãos produzidos no Centro-Oeste porá as empresas chinesas numa posição privilegiada em todo o complexo soja, pois atuarão na originação do grão, no armazenamento, na logística de transporte, incluídos terminal e porto, exportação e comercialização no mercado chinês.
Brasília joga, assim, ao lado de Beijing em vários dos tabuleiros em que se vai desenhando a emergência da China, econômica primeiro, política em seguida. Defendemos, legitimamente, maior participação dos países emergentes na governança internacional. Somos parceiros na criação de instituições financeiras alternativas. Assinamos acordo de troca de moedas. Estamos associados em projetos estratégicos em nosso subcontinente.
O Brasil tem na China não só um parceiro estratégico, mas um parceiro que tem estratégia. Resta saber se nós também temos uma visão clara de nossos interesses e objetivos, especialmente no momento em que Estados Unidos e China iniciam um capítulo novo de competição mais acirrada por mercados e áreas de influência.
15 de maio de 2015
Sérgio Amaral, O Estadão
Há sólidas razões para tanto. Primeiro, a economia.
Em pouco mais de uma década, o comércio entre os dois países cresceu quase 20 vezes. Os investimentos diversificaram-se e alcançaram cerca de US$ 28 bilhões.
Agora, a crise econômica e a Operação Lava Jato criaram uma oportunidade para empresas chinesas. Algumas das grandes construtoras brasileiras limitarão suas operações num mercado, o das grandes obras públicas, que até há pouco dominavam. A retração dos financiamentos, por sua vez, poderá induzir a flexibilização das regras de conteúdo nacional para a aquisição de equipamentos. Amplia-se, assim, o espaço para a participação de investidores estrangeiros nas novas concessões para projetos de infraestrutura. Nesse contexto, o investidor chinês encontra-se em posição privilegiada, pois é competitivo na tecnologia, nos equipamentos e no financiamento.
Mas o vigor da relação Brasil-China não se restringe à economia. Está também na política, sobretudo no momento em que a China dá passos firmes para consolidar sua presença e sua influência em escala mundial. Primeiro, pela busca de maior participação nas instâncias de decisão da governança internacional, especialmente nos organismos financeiros. A revisão na ponderação de votos nas instituições de Bretton Woods, no entanto, depois de anos de negociação, não foi ainda ratificada pelo Congresso norte-americano, o que levou o governo de Beijing a estimular a criação de instituições espelho, como o Banco de Desenvolvimento dos Brics e o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura. Sem falar na conclusão de dezenas de acordos para a troca de moedas, para facilitar o comércio em moedas locais e preparar o caminho para a internacionalização do yuan.
A ofensiva chinesa no campo dos investimentos externos, estimados em US$ 1,25 trilhão para a próxima década, em várias regiões do mundo, vai aos poucos configurando uma verdadeira geopolítica da infraestrutura. Não se trata apenas da rede tentacular de rodovias, ferrovias e portos, em si, mas da capacidade de atração de novos investimentos e da abertura de mercado para exportações chinesas. Em decorrência da influência política.
Na Ásia o mapa de investimentos impressiona. A Nova Rota da Seda cruzará a Ásia Central e prosseguirá em direção à Europa, criando um cinturão econômico em seu entorno. Ao sul, a Rota Marítima da Seda ligará o Oceano da China do Sul ao Oceano Índico. No sentido norte-sul, uma rodovia e um trem de alta velocidade conectarão a região de Yunnan com a Tailândia, enquanto o Corredor Econômico ligará por rodovia Bangladesh, China, Índia e Mianmar.
Com vista a conter a expansão econômica e a crescente influência política da China no espaço asiático, o governo de Barack Obama (EUA) anunciou em 2012 o chamado pivô para a Ásia, com o objetivo, entre outros, de reforçar as alianças militares e políticas com países na região. Pouco depois, lançou a Parceria Comercial Transpacífica (TTP, em inglês) – da qual a China foi excluída – para consolidar uma zona econômica sob influência americana. Mas esses passos não parecem suficientes, ao ver de analistas e congressistas norte-americanos. Em estudo recente, o Council on Foreign Relations, um dos mais conceituados think tanks norte-americanos, condenou a política de acomodação do governo Obama perante a China e preconizou uma nova estratégia política, militar e econômica para defender “os interesses vitais dos Estados Unidos nessa vasta região”.
De certa maneira e em menor grau, Xi Jinping parece replicar na América do Sul a política norte-americana na Ásia. A presença da China na região já é marcante no comércio e nos investimentos. Em breve passará a ser também na infraestrutura, em decorrência dos acordos que concluiu com a Argentina e do convênio a ser assinado com o Brasil, por ocasião da visita de Li Keqiang, para a construção da via Transoceânica que ligará o Atlântico ao Pacífico, cruzando o Centro-Oeste e o Peru. A provável participação de investimentos chineses na rede de ferrovias – interligadas à Transoceânica – para o escoamento dos grãos produzidos no Centro-Oeste porá as empresas chinesas numa posição privilegiada em todo o complexo soja, pois atuarão na originação do grão, no armazenamento, na logística de transporte, incluídos terminal e porto, exportação e comercialização no mercado chinês.
Brasília joga, assim, ao lado de Beijing em vários dos tabuleiros em que se vai desenhando a emergência da China, econômica primeiro, política em seguida. Defendemos, legitimamente, maior participação dos países emergentes na governança internacional. Somos parceiros na criação de instituições financeiras alternativas. Assinamos acordo de troca de moedas. Estamos associados em projetos estratégicos em nosso subcontinente.
O Brasil tem na China não só um parceiro estratégico, mas um parceiro que tem estratégia. Resta saber se nós também temos uma visão clara de nossos interesses e objetivos, especialmente no momento em que Estados Unidos e China iniciam um capítulo novo de competição mais acirrada por mercados e áreas de influência.
15 de maio de 2015
Sérgio Amaral, O Estadão
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