"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quinta-feira, 22 de janeiro de 2015

ADEUS A TERRA DO NUNCA


 

É chegada a hora de as autoridades do Brasil libertarem o povo da Terra do Nunca. Àqueles que adentraram a vida adulta há mais tempo, cabe lembrar que as três palavras dão nome à ilha fictícia de pura diversão, onde se escondia o eterno menino Peter Pan. Pois é nesse lugar fértil em desculpas esfarrapadas e escasso em responsabilidades que os governantes, nos últimos tempos, resolveram aprisionar o cidadão. Tanto a presidente petista Dilma Rousseff quanto o governador tucano Geraldo Alckmin — ambos, não por acaso, reeleitos em outubro último — ergueram muralhas de fantasia em nome de uma estratégia de alienação que já não engana quem acende a luz ou abre a torneira.

Faz três verões que as chuvas do que se convencionou chamar período úmido estão abaixo na média histórica. Muito abaixo. Reservatórios de hidrelétricas, carro-chefe da matriz energética nacional, minguaram a ponto de exigir nível inédito de geração por termelétricas, de produção mais suja e cara. Da mesma forma, esvaziou-se o Cantareira, o principal sistema de acumulação de águas de São Paulo, responsável pelo abastecimento de mais de oito milhões de habitantes no estado.

Ainda assim, Alckmin passou 2014 minimizando o problema. Só uma semana atrás, com o volume de armazenamento se aproximando de 5% e as chuvas a um quinto da média histórica, admitiu que há racionamento. Dilma, nem isso. Negou enfaticamente a crise do setor elétrico, seja a detonada pela falta de chuvas, seja a provocada por mudanças regulatórias impostas no primeiro mandato. Em campanha pela reeleição, preferiu não tratar nem de redução do consumo de energia, nem de realismo tarifário. Os temas, contudo, explodiram na cara dos brasileiros neste primeiro mês do ano novo, que já nasceu sufocado pelos velhos problemas.

A presidente, o governador e suas equipes preferiram seguir a cartilha da infantilização. Sob o argumento de enxotar os pessimistas, investem na alienação e põem em risco a segurança hídrica e energética do país. E o modelo faz escola. O presidente da Cedae, Jorge Briard, quinta passada, falou da possibilidade de uma inédita utilização do volume morto (a mesma procrastinação paulista) do reservatório de Paraibuna, que está vazio. Afinal, 0,38% de armazenamento significa que acabou a água. Anteontem, ao blecaute em áreas de 11 estados e do Distrito Federal somou-se o caladão do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS). O órgão que comandou o corte de carga se dirigiu ao país por meio de uma nota hermética, em que chamou a falta de luz de “situação”.

Erram todos na teimosia de manter os brasileiros à margem de um debate de vital importância para cada empresa, produtor rural, família. Melhor fariam se, com transparência e franqueza, viessem a público apresentar ao país o leque de alternativas ao quadro inédito de escassez de chuvas. Estima-se que 10% da energia gerada se vão no desperdício; no abastecimento de água, as perdas podem chegar a 25%. Há muito a ser feito em campanhas de consumo consciente, incentivo à economia e punição ao uso irresponsável.

O cidadão não é criança, embora até os miúdos tenham lições de sustentabilidade a dar. O povo de São Paulo sabe que economizar água é melhor que ficar sem uma gota. Os brasileiros já aprenderam que apagar duas lâmpadas e desligar o freezer sai mais barato que viver no escuro. A criancice tem que acabar.


22 de janeiro de 2015
Flávia Oliveira é Jornalista. Originalmente publicado em O Globo em 21 de janeiro de 2015.

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