"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sábado, 12 de outubro de 2013

NAVIGARE NECESSE, VIVERE NON EST NECESSE


Navegar é Preciso
Fernando Pessoa

Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa:
"Navegar é preciso; viver não é preciso".

Quero para mim o espírito (d)esta frase,
transformada a forma para a casar como eu sou:

Viver não é necessário; o que é necessário é criar.
Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso.

Só quero torná-la grande,
ainda que para isso tenha de ser o meu corpo
e a (minha alma) a lenha desse fogo.

Só quero torná-la de toda a humanidade;
ainda que para isso tenha de a perder como minha.
Cada vez mais assim penso.

Cada vez mais ponho da essência anímica do meu sangue
o propósito impessoal de engrandecer a pátria e contribuir
para a evolução da humanidade.

É a forma que em mim tomou o misticismo da nossa Raça.
 
 
Plutarco escreveu mais de 200 livros, dos quais destacamos a obra "Bioi Paraleloi" – Vidas Paralelas – uma coletânea de 64 biografias de personalidades gregas e romanas, algumas lendárias. A frase título deste artigo foi citada, por Plutarco na obra "Vitae illustrium virorum - Pompey". Plutarco relata que na hora de partir, uma forte tempestade se abateu sobre o mar, deixando inseguros os capitães das naus. Pompeu foi o primeiro a subir a bordo dando, em seguida, ordens para levantarem âncora e pronunciando a célebre frase: "Navegar é preciso; viver não é preciso". Seu exemplo encorajador foi, imediatamente, seguido pelos antes temerosos capitães.
-  07.10.2013 – 8º BEC, Santarém, PA
 
Apesar de ter dormido tarde (02h00), acordei cedo (06h00), meu corpo precisava se adaptar rapidamente às condições atmosféricas santarenas e recuperar o sono perdido, agora de manhã, não era uma opção digna de consideração, farei isso à noite dormindo mais cedo. Fiz uma caminhada forçada de duas horas, o desconforto causado pelo calor abrasivo e a enorme umidade são complicadores que precisam ser neutralizados imediatamente. O 8º Batalhão de Engenharia de Construção (8º BEC), Batalhão Rondon, o primeiro Batalhão de Engenharia de Construção da Engenharia Militar Brasileira está literalmente encravado em uma bela e preservada área na Serra Piquiatuba.
 
As estradas que ligam o Quartel, Posto de Saúde e Vilas Militares cortam a bela mata nativa de onde, vez por outra, brotam cintilantes borboletas Morpho didius. As borboletas do gênero Morpho são predominantemente azuis e vivem nas florestas tropicais da América Central e do Sul e sua característica iridescente azul-metálica, proporcionada pela reflexão da luz, as tornam únicas. Tive a oportunidade de observar várias delas com mais de 15 cm de envergadura.
 
Cada volta do trajeto que eu escolhera durava exatamente 30 minutos e na terceira volta deparei-me com uma árvore que tinha acabado de cair bloqueando a estrada. Estava de tal modo atacada pelos cupins que se espatifou em diversos pedaços, retirei os troncos maiores e improvisei uma vassoura para limpar a área. As estradas abertas em plena mata dão oportunidade para que espécies arbóreas menos nobres e, consequentemente, mais frágeis se desenvolvam na clareira artificialmente aberta expondo seus troncos extremamente vulneráveis aos ataques de insetos.
 
O Coronel Sérgio Codelo convidou-me para almoçar no rancho no Batalhão onde tive a oportunidade de rever meus caros amigos Miranda e Feldmann da nobre arma de Vilagran.
 
-  Madrugando no Passado
 
A retirada do tronco da estrada fez-me madrugar no passado, minha visão pretérita visualizou um jovem e entusiasmado Capitão Comandante da 1ª Companhia de Engenharia de Construção, do 6º BEC (Boa Vista, RR), sediada nas proximidades do Rio Abonari, km 202 da BR 174, inspecionando e fiscalizando meticulosamente os trabalhos executados pelos seus pelotões. Meu trecho de responsabilidade ia do Km 10, Manaus, AM, até o Rio Jauaperi. Sempre levava comigo, na carroceria da "C 10", um machado e uma moto-serra, na cintura uma .45, que pertencera a meu pai – o velho e saudoso Cassiano, e nas mãos uma Sauer cano duplo, calibre 16, com dois cartuchos carregados com chumbo 3T.
 
Jamais permiti que um tronco de árvore obstruísse o tráfego da BR 174, diversas vezes eu e meu motorista lançamos mão do machado e da moto-serra para cumprir nossa missão – garantir o tráfego a qualquer custo. Na minha gestão (1982/1983) a BR 174 jamais ficou um dia inteiro interrompida, apesar das quedas de pontes de madeira e rompimentos de bueiros – cumpri a missão.
 
Na época das chuvas nossa atenção recaia, principalmente, sobre os bueiros Armco e pontes de madeira, não permitindo que entulhos orgânicos, bloqueassem a boca de montante dos bueiros ou se alojassem perigosamente nos pilares das pontes. Os troncos pequenos conseguíamos deslocar utilizando varas e os maiores tinham, muitas vezes, de ser montados e orientados de maneira a passar pelo bueiro, o processo exigia uma atenção especial – abandonar a insólita montaria na hora certa para não ser tragado perigosamente pelas águas e entrar pelo "tubo".
 
As armas, por sua vez, tinham uma razão de ser, como militar usava a .45 como determinava o regulamento e a calibre 16 para cumprir uma promessa que fizera no Projeto Anauá onde eu era responsável pela construção de estradas vicinais do INCRA que assentava agricultores na região. Certa feita uma senhora trouxe seu filho moribundo, que devia ter uns oito anos de idade, picado por uma surucucu-pico-de-jaca. Apesar de todos os esforços realizados pelo nosso enfermeiro a criança veio a falecer tragicamente poucos minutos depois.
 
A mãe, em prantos, relatou que o IBAMA, extremamente condescendente com estas víboras mortais, não se importava com eventuais mortes de seres humanos causadas por elas. Afirmou, colérica, que um funcionário do órgão tinha censurado grosseiramente e ameaçado de multar um vizinho seu que matara um desses letais animais. Prometi a ela, então, que faria a minha parte – nenhuma surucucu-pico-de-jaca que cruzasse meu caminho ficaria impune – e por isso carregava a calibre 16 que vitimou, sem dó nem piedade, mais de uma dúzia destas temíveis criaturas.
 
-  Valoroso "Cabo Horn"
 
À tarde fui verificar as condições do caiaque, recuperado pelos integrantes do Batalhão Rondon, que reluzente exibia sua nova pintura azul turquesa, uma justa homenagem ao 8º BEC e à Engenharia Militar Brasileira que, nas três últimas jornadas – Rio Amazonas I (Manaus/Santarém - 851 km), Rio Madeira (Porto Velho/Santarém - 2.000 km) e Rio Juruá (Foz do Breu/Manaus - 3.950 km), nos apoiou valorosamente. O Valoroso "Cabo Horn" nem parecia aquele velho e roto veterano do Juruá, com 9.454 km percorridos nos amazônicos caudais. Fui depois providenciar alguns artigos farmacêuticos e caixas à prova d'água para transportarmos alimentos perecíveis e material eletrônico na "voadeira" de apoio.
 
-  08.10.2013 – Pernoite no Piquiatuba, Santarém, PA
 
Depois do café da manhã desloquei-me para o Porto do 8º BEC onde estavam ancorados a Balsa Rondon e o Piquiatuba. Encontrei os amigos do Grupo Fluvial e aproveitamos para testar a "Mirandinha" que seria empregada, no reconhecimento do Tapajós, como barco de apoio. A lanchinha tinha sido pintada e o velho motor de 40 HP devidamente manutenido, enfrentamos as ondas do Tapajós e depois adentramos no Lago do Juá, o teste foi um sucesso total. Depois fiquei conversando durante um bom tempo com o Cabo Adailson da Costa Branches, um estudante de Direito inteligente e muito falante que discorreu sobre os mais variados temas com uma fluência digna dos discípulos de Rui Barbosa.
 
À tarde o Cabo Adailson, os Soldados Walter Vieira Lopes e Marçal Washington Barbosa Santos foram ao Batalhão buscar o material de rancho e o caiaque. O "Cabo Horn" estava impecável, coloquei os adesivos da "Opium Fiberglass" e da "Raia 1", meus patrocinadores, e a embarcação ficou ainda mais charmosa. Esta noite pernoito no Piquiatuba para ir me adaptando aos poucos ao ambiente aquático além de liberar o quarto da Casa de Hospedes do Batalhão para a instalação de uma comitiva que estava prestes a chegar.
 
-  09.10.2013 – Porto Piquiatuba
 
A noite foi agradável, a perspectiva de dar início a uma nova jornada me entusiasmava. Depois do café matinal, o Mário se apresentou na balsa e foi até o Batalhão fazer sua apresentação enquanto o Marçal começou a preparar o caiaque, colocação do leme, linhas de vida, todo material que tinha sido retirado para permitir que ele fosse restaurado e pintado, enfim para deixá-lo em condições ideais de navegabilidade. Fui até o Batalhão e à cidade ultimar algumas providências administrativas e retornei ao Porto.
 
Eu e o Marçal fomos navegar no Tapajós. As águas verde-azuladas transparentes, a brisa morna vindo do Nordeste, as suaves marolas, as praias imaculadas ao fundo insistiam para que prontamente déssemos início à nossa missão, eu estava literalmente imerso na "Magia das águas".
 
À noite, aproveitando a chegada do Cabo Mário Elder Guimarães Marinho, comemoramos o início da missão na sorveteria Bela Vista.
 
-  A Magia das Águas
 
 Ama as águas! Não te afastes delas! Aprende o que te ensinam! Ah, sim! Ele queria aprender delas, queria escutar a sua mensagem. Quem entendesse a água e seus arcanos - assim lhe parecia - compreenderia muita coisa ainda, muitos mistérios, todos os mistérios. (Hermann Hesse - Sidarta)
 
Hermann Hesse reporta no seu livro "Sidarta" as experiências de um jovem brâmane em eterna busca pelo conhecimento e a luz. Abandonando a casa paterna, Sidarta iniciou sua jornada na companhia dos "Samanas". Três anos se passaram e Sidarta verificou que vida samana era uma forma de fugir da vida e do eu e os abandonou. Seguindo sua busca, Sidarta se tornou discípulo do Buda. Algum tempo depois, porém, ele se convenceu de que a iluminação não podia ser alcançada por doutrinas, só por vivência, e que a experiência da iluminação era impossível de ser descrita. Resolveu seguir seu próprio caminho sem nenhuma doutrina, nenhum mestre, até alcançar a redenção ou morrer. Atraído pela beleza e sensualidade da cortesã Kamala, se entregou de corpo e alma aos prazeres mundanos até que, arrependido, se deu conta de que mais do que tudo "causavam-lhe asco a sua própria pessoa, os cabelos perfumados, o bafo de vinho que sua boca exalava, a flacidez e o mal-estar de sua pele".
Samana - indivíduo que abandona as obrigações da vida social para encontrar o caminho de uma vida de mais harmonia (sama) com a natureza. (Hiram Reis)
 
Depois de pensar, inclusive, em suicidar-se, encontrou a paz, o conhecimento divino e se tornou um ser de luz através de um homem simples, um balseiro que lhe reportou os mistérios da vida aprendidos no levar constante de pessoas de uma margem à outra e nos conhecimentos adquiridos com o Irmão Rio.

12 de outubro de 2013
Hiram Reis e Silva, Santarém, Pará, 09 de outubro de 2013.
 
-  Livro do Autor
 
O livro "Desafiando o Rio-Mar – Descendo o Solimões" está sendo comercializado, em Porto Alegre, na Livraria EDIPUCRS – PUCRS e na rede da Livraria Cultura (http://www.livrariacultura.com.br). 
Para visualizar, parcialmente, o livro acesse o link:
 

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