"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sábado, 12 de outubro de 2013

"CRIME À SOMBRA DO ESTADO"

O retrato que o Ministério Público Estadual (MPE) traça do Primeiro Comando da Capital (PCC), depois de três anos e meio de investigações, mostra que ele está mais vivo e forte do que nunca. Uma prova de que o poder público - tanto o Estado de São Paulo, onde está sua base principal, como os outros 21 Estados onde tem suas ramificações - não consegue conter essa organização criminosa, que há 20 anos age dentro e fora dos presídios, apesar das periódicas e enfáticas declarações das autoridades da área de segurança pública de que ela foi desarticulada.
 
O MPE fez um trabalho minucioso - com base em escutas telefônicas, documentos, depoimentos de testemunhas e informações sobre apreensões de drogas e armas - e concluiu que o PCC está presente não só em 22 Estados brasileiros, como em 2 países vizinhos (Paraguai e Bolívia). Controla 90% dos presídios paulistas, como mostra reportagem do Estado. A principal atividade do PCC é hoje o tráfico de drogas - principalmente a cocaína, vinda daqueles países -, atuando no atacado e no varejo, por meio de centenas de pontos de venda espalhados por todo o País.
 
O faturamento do PCC é estimado em R$ 120 milhões por ano, o que o coloca entre as 1.150 maiores empresas do País, considerando-se o volume de vendas. São em média R$ 8 milhões por mês provenientes do tráfico e R$ 2 milhões de sua "loteria" e de contribuições de seus integrantes. Outros números levantados pelo MPE são igualmente impressionantes: 6 mil integrantes presos e 1,8 mil em liberdade em São Paulo e um total de 3.582, das duas categorias, em outros Estados; um arsenal de uma centena de fuzis e R$ 7 milhões em dinheiro vivo escondidos em partes iguais em sete imóveis comprados por meio de "laranjas".
 
Tudo isso é gerido por uma sofisticada organização, cujos pontos principais - entre os quais um "conselho de administração", nos moldes dos existentes em grandes empresas - foram também levantados pela investigação do MPE. Uma particularidade do PCC deve ser sempre destacada - como a sua cúpula e a maior parte dos seus "militantes" estão presos, essa é, na prática, uma organização criminosa que funciona estando os seus chefes sob a proteção do Estado.
 
É de dentro das penitenciárias que os líderes do PCC, além das ações ligadas ao tráfico, ordenam também assassinatos; planejam resgate de presos e atentados contra policiais e autoridades; convocam "tribunais" para julgar e executar quem sai da linha; e, agora, fazem também planos para se introduzir no meio político.
 
Outro aspecto importante da ação do PCC, que merece estudo mais detalhado, é o papel que ele exerce na periferia das grandes cidades de São Paulo, a começar pela capital, onde impõe sua "lei".
 
Para garantir a tranquilidade necessária ao bom andamento de seus "negócios", acabam com o crime desorganizado de seus concorrentes, com execuções sumárias. Essa é também uma forma de, a exemplo do que fazem as várias máfias, vender proteção - que é a paz imposta a ferro e fogo - à população dessas regiões, que paga ao PCC com a cumplicidade do silêncio sobre seus crimes.
 
E é ainda apenas em seu próprio benefício que o PCC mantém a ordem nos presídios, nos quais inclusive proibiu o consumo de crack.
 
Até quando o Estado assistirá a isso passivamente? Porque é isso o que acontece. Só essa passividade explica o fato de os líderes e os militantes do PCC, presos em penitenciárias chamadas ironicamente de "segurança máxima", continuarem a se comunicar por telefone celular para planejar suas ações criminosas. A dura realidade, à qual não se pode mais fechar os olhos, é que o PCC é um exemplo de falência do poder do Estado em todos os locais em que ele atua, ou seja, na maior parte do País, com destaque para São Paulo.
 
É de esperar que também o Judiciário seja sensível ao esforço para conter o PCC. O MPE denunciou 175 acusados de integrar essa organização criminosa e pediu à Justiça que 32 presos - entre os quais está sua liderança - sejam submetidos, ao rigor do Regime Disciplinar Diferenciado, o que há muito já devia acontecer.

12 de outubro de 2013
Editorial do Estadão

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