Realidade pós-Snowden reabre debate sobre governança da rede
Não é apenas a política de segurança nacional americana que se vê em xeque após o escândalo de espionagem da Agência de Segurança Nacional (NSA, na sigla em inglês). A internet, terreno onde a agência exercitou sua bisbilhotice eletrônica, é outra que jamais será a mesma depois que o ex-prestador de serviços da CIA Edward Snowden vazou seus documentos secretos.
A própria governança da rede é um dos aspectos que não ficarão incólumes, acreditam especialistas do setor. A começar pelo órgão que gerencia a internet, a Icann, que fica nos Estados Unidos. No ano passado, representantes de 193 países tentaram, sem sucesso, transferir esse poder para a União Internacional de Telecomunicações (UIT), vinculada à ONU e baseada na Suíça.
— Temos que ficar atentos aos fóruns internacionais, principalmente nós da academia. A internet que está aí não foi a que criamos — afirma Luís Felipe de Moraes, da Coppe/UFRJ.
Para Demi Getschko, do Comitê Gestor da Internet no Brasil, a solução é local, não por meio de leis internacionais ou regras da ONU. O ideal, ele diz, seria que países adotassem alguns princípios gerais que garantam funcionamento da rede:
— Adotamos em 2009 um decálogo com princípios para a governança da internet no Brasil. Seria bom se outros países fizessem o mesmo.
Um dos alicerces digitais especialmente abalados foi a criptografia. A NSA e seu equivalente britânico, o GCHQ, trabalharam em conjunto para quebrar códigos que protegem as mensagens transmitidas pelos softwares mais usados na rede. Para isso, recorreram a amplo leque de golpes: embutiram backdoors em programas como Skype; sugeriram à comunidade internacional padrões de criptografia mais relaxados; usaram supercomputadores para quebrar códigos à força.
— É como você comprar um cadeado para proteger a sua casa e o fabricante vender a chave para outra pessoa. O capítulo da segurança na internet precisa ser reescrito — diz Moraes, da Coppe/UFRJ.
— Do ponto de vista dos algoritmos de criptografias, eles continuam funcionando perfeitamente. O problema é outro. Teremos que mudar a forma como lidamos com a segurança da informação, evitar que existam backdoors — afirma Guilherme Temporão, do Centro Técnico Científico da PUC-Rio.
Criptografia quântica
Desde que a espionagem desencadeou sua paranoia, alguns pesquisadores pressionam pela adoção de um modelo mais seguro de criptografia, a quântica. Como o nome sugere, ela explora propriedades físicas na escala subatômica. As mensagens são protegidas por chaves privadas de segurança compartilhadas por remetente e destinatário. Essas chaves são codificadas em fótons, partícula elementar da luz. Pelas estranhas leis da física quântica, um espião jamais consegue interceptar ou replicar uma chave dessas, pois o estado da mensagem se altera sempre que isso é tentado. Em teoria, a criptografia quântica seria perfeita.
Mas a realidade é outra. A solução é caríssima: cada módulo sai por cerca R$ 100 mil. As mensagens não podem viajar mais do que uma centena de quilômetros. E sistemas quânticos já foram hackeados a partir de vulnerabilidades nos equipamentos.
— A solução quântica não é possível a curto prazo. A disseminação depende da adoção de computadores quânticos, que fazem em um minuto cálculos que hoje levam um ano. Isso tornaria a criptografia atual obsoleta, mas o conceito ainda é incipiente — diz Temporão.
07 de outubro de 2013
SÉRGIO MATSUURA e RENNAN SETTI - O Globo
Nenhum comentário:
Postar um comentário