Desta vez, não houve vítimas da queda do viaduto do DF. E na próxima?
Com a queda de um viaduto na área central e mais movimentada de Brasília, a capital da República entrou no rol de bons exemplos do círculo vicioso que ocorre no Brasil: governantes corruptos, administradores relapsos, corporações só empenhadas em se dar bem e o Brasil e os brasileiros que se lixem.
O desastre serve como alerta, um piscar da luz vermelha, porque desta vez não houve mortos e feridos, apesar de ter sido a passos da rodoviária central, a um quilômetro do Congresso e do Planalto, com grande concentração de pessoas e de carros. Para piorar, ocorreu no horário do almoço, em cima de uma churrascaria. Da próxima vez teremos tanta sorte?
Brasília é uma cidade politizada por definição, gerou bons quadros políticos de diferentes partidos e participou ativamente do combate à ditadura, da redemocratização e dos grandes movimentos do País. Mas a coisa foi desandando desde que o então presidente José Sarney destacou seu vizinho de fazenda, Joaquim Roriz, para ser governador nomeado.
Com o golpe de sorte, Roriz invadiu todos os espaços, foi quatro vezes governador, distribuiu lotes a torto e a direito, tornou-se o maior ídolo popular (ou populista) da capital. E a era Roriz deu no que deu, com o próprio Roriz, afundado em denúncias, renunciando a um mandato de senador para não ser cassado.
Depois dele, dois ex-governadores acabaram presos, José Roberto Arruda, do DEM, e Agnelo Queiroz, do PT. Um vice, Tadeu Filippelli, do MDB, também acabou na cadeia, justamente quando ocupava gabinete no Planalto. Sem falar no senador cassado Luiz Estêvão, hoje recolhido à Papuda.
Enquanto isso, as corporações e o forte funcionalismo do DF foram se infiltrando na Câmara Distrital e na administração pública. Os senhores e senhoras distritais vêm de sindicatos e/ou integram a ascendente categoria do “político evangélico”. E a turma é boa de reivindicação e de garantia de privilégios.
Como o DF tem pesadas subvenções da União, Brasília é uma cidade rica e as categorias do funcionalismo estão entre as mais bem pagas do País. Então, com servidores de elite e bem pagos, os serviços são uma maravilha, certo? Há controvérsias. Aparentemente, o dinheiro todo vai para os servidores e pouco sobra para os serviços.
Desde 2006 há alertas e desde 2011 há relatório do Tribunal de Contas pedindo urgência no reparo de viadutos e pontes, mas eles continuaram ruindo, como os hospitais, as escolas, os bens da sociedade. Dinheiro havia, mas ou ele custeava salários e aposentadorias da burocracia, ou escapava pelos ralos da corrupção.
É assim que Brasília chega a 2018 como uma jovem precocemente envelhecida, mas com o estádio mais caro do planeta, construído, novinho em folha, para acolher uns dois ou três jogos da Copa do Mundo. Abriu-se o estádio, a bola rolou, o jogo acabou e fechou-se o estádio. Ficaram a inutilidade, a manutenção, os buracos e as goteiras de um dos muitos elefantes brancos que se espalham do Norte ao Sul.
Nada disso é muito diferente, por exemplo, do que ocorre tristemente, dramaticamente, no Rio e em tantos Estados e cidades do nosso lindo Brasil, tão varonil, onde o casamento de corrupção, descaso, incompetência, promiscuidade público-privado e privilégios corrói o desenvolvimento e solapa o futuro.
O que caiu no centro da capital da República não foi só um viaduto, foi uma ira acumulada em muitos anos, governos e práticas lesivas. Muita ganância, pouco caso com a coisa pública. Que, ao menos, sirva de alerta. Desta vez, tivemos sorte. Talvez não tenhamos tanta nas próximas. E elas virão, com viadutos, pontes e vias vindo abaixo e arrastando, com eles, as nossas esperanças.
11 de fevereiro de 2018
Eliane Cantanhede, Estadão
Com a queda de um viaduto na área central e mais movimentada de Brasília, a capital da República entrou no rol de bons exemplos do círculo vicioso que ocorre no Brasil: governantes corruptos, administradores relapsos, corporações só empenhadas em se dar bem e o Brasil e os brasileiros que se lixem.
O desastre serve como alerta, um piscar da luz vermelha, porque desta vez não houve mortos e feridos, apesar de ter sido a passos da rodoviária central, a um quilômetro do Congresso e do Planalto, com grande concentração de pessoas e de carros. Para piorar, ocorreu no horário do almoço, em cima de uma churrascaria. Da próxima vez teremos tanta sorte?
Brasília é uma cidade politizada por definição, gerou bons quadros políticos de diferentes partidos e participou ativamente do combate à ditadura, da redemocratização e dos grandes movimentos do País. Mas a coisa foi desandando desde que o então presidente José Sarney destacou seu vizinho de fazenda, Joaquim Roriz, para ser governador nomeado.
Com o golpe de sorte, Roriz invadiu todos os espaços, foi quatro vezes governador, distribuiu lotes a torto e a direito, tornou-se o maior ídolo popular (ou populista) da capital. E a era Roriz deu no que deu, com o próprio Roriz, afundado em denúncias, renunciando a um mandato de senador para não ser cassado.
Depois dele, dois ex-governadores acabaram presos, José Roberto Arruda, do DEM, e Agnelo Queiroz, do PT. Um vice, Tadeu Filippelli, do MDB, também acabou na cadeia, justamente quando ocupava gabinete no Planalto. Sem falar no senador cassado Luiz Estêvão, hoje recolhido à Papuda.
Enquanto isso, as corporações e o forte funcionalismo do DF foram se infiltrando na Câmara Distrital e na administração pública. Os senhores e senhoras distritais vêm de sindicatos e/ou integram a ascendente categoria do “político evangélico”. E a turma é boa de reivindicação e de garantia de privilégios.
Como o DF tem pesadas subvenções da União, Brasília é uma cidade rica e as categorias do funcionalismo estão entre as mais bem pagas do País. Então, com servidores de elite e bem pagos, os serviços são uma maravilha, certo? Há controvérsias. Aparentemente, o dinheiro todo vai para os servidores e pouco sobra para os serviços.
Desde 2006 há alertas e desde 2011 há relatório do Tribunal de Contas pedindo urgência no reparo de viadutos e pontes, mas eles continuaram ruindo, como os hospitais, as escolas, os bens da sociedade. Dinheiro havia, mas ou ele custeava salários e aposentadorias da burocracia, ou escapava pelos ralos da corrupção.
É assim que Brasília chega a 2018 como uma jovem precocemente envelhecida, mas com o estádio mais caro do planeta, construído, novinho em folha, para acolher uns dois ou três jogos da Copa do Mundo. Abriu-se o estádio, a bola rolou, o jogo acabou e fechou-se o estádio. Ficaram a inutilidade, a manutenção, os buracos e as goteiras de um dos muitos elefantes brancos que se espalham do Norte ao Sul.
Nada disso é muito diferente, por exemplo, do que ocorre tristemente, dramaticamente, no Rio e em tantos Estados e cidades do nosso lindo Brasil, tão varonil, onde o casamento de corrupção, descaso, incompetência, promiscuidade público-privado e privilégios corrói o desenvolvimento e solapa o futuro.
O que caiu no centro da capital da República não foi só um viaduto, foi uma ira acumulada em muitos anos, governos e práticas lesivas. Muita ganância, pouco caso com a coisa pública. Que, ao menos, sirva de alerta. Desta vez, tivemos sorte. Talvez não tenhamos tanta nas próximas. E elas virão, com viadutos, pontes e vias vindo abaixo e arrastando, com eles, as nossas esperanças.
11 de fevereiro de 2018
Eliane Cantanhede, Estadão
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